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Tartaruga resgatada de redes de pesca regressou ao mar e já está no Mediterrâneo

05.08.2022

Uma tartaruga-comum (Caretta caretta), espécie Em Perigo de extinção, foi encontrada no rio Guadiana presa em redes de pesca, uma das maiores ameaças para estes animais marinhos. Depois de ter sido resgatada e de ter estado 13 meses em recuperação voltou ao mar. Graças à tecnologia, podemos saber exactamente onde está.

Por estes dias, há uma tartaruga-comum (Caretta caretta) chamada Salina que viaja livremente pelo Mar Mediterrâneo, entre a cidade de Málaga, em Espanha, e o norte de Marrocos.

Salina. Foto: Zoomarine

Há 13 meses tinha sido encontrada presa em redes de pesca no rio Guadiana, na zona do Azinhal. O pescador que a encontrou “percebeu que o animal estava em risco de se afogar e que haveria o risco de, durante a tentativa de se soltar da rede, ter inalado água”, explicou à Wilder Élio Vicente, biólogo marinho e director de Relações Institucionais do Zoomarine. Caso tivesse existido inalação de água esse animal poderia vir a desenvolver pneumonia por aspiração.

O pescador contactou o Porto d’Abrigo do Zoomarine, centro de reabilitação de espécies marinhas daquele parque aquático temático e onde hoje estão em recuperação cinco cágados-mediterrânicos (Mauremys leprosa), uma das duas espécies nativas de cágados em Portugal, a par do cágado-de-carapaça-estriada (Emys orbicularis).

“Quando o animal chegou às nossas instalações fizemos um diagnóstico diferencial e detectámos, entre outras coisas, que o animal tinha uma gravíssima anemia e um anzol cravado quase à entrada do estômago”, contou Élio Vicente.

Primeiro a equipa do Porto d’Abrigo recuperou a tartaruga da anemia – um animal com anemia não pode ser exposto a anestesias – e, alguns meses depois, tentou fazer uma intervenção com um especialista internacional em endoscopia zoológica, José Sampaio, para remover o anzol.

“Infelizmente não foi possível remover o anzol na entrada do estômago porque este já estava suficientemente cravado; não o poderíamos puxar sob o risco de matar o animal. Portanto decidimos deixar o anzol onde estava porque estava encapsulado e já não representava um perigo. Com o tempo irá, eventualmente, desfazer-se.”

A 20 de Julho, a tartaruga foi devolvida ao oceano, numa cooperação entre o Zoomarine e a Marinha Portuguesa.

A viagem da tartaruga que todos podemos acompanhar

A tartaruga-comum, que quando saiu do centro de reabilitação pesava quase 50 quilos e que deverá ser um macho, levou na carapaça um sistema de detecção através de sinal de satélite antes de ser devolvida ao mar.

“Sabemos exactamente onde está” esta tartaruga marinha, disse Élio Vicente. “Anda a navegar numa forma quase circular há cerca de 10 dias entre a cidade de Málaga e a cidade de El Jebha, no Norte de Marrocos.

Hoje, dia 5 de Agosto, é o 16º dia de navegação e isso significa que “ela já terá navegado cerca de 600 a 700 quilómetros nestes dias. Na primeira semana teve uma progressão média de 42 quilómetros por dia”.

O dispositivo, KiwiSat Argos, é um dispositivo de localização com um sensor que detecta quando o animal está fora de água – a descansar, a apanhar sol ou a recuperar de um mergulho mais profundo – e nessa altura descarrega toda a informação que recolheu para um satélite que esteja a passar por cima.

“Esta é a terceira vez que usamos este dispositivo, produzido por uma empresa na Nova Zelândia. Já nos fez o acompanhamento de três tartarugas em 2009 e com a Quinas, devolvida ao mar em 2019 e que navegou até às Ilhas Canárias.”

Se tudo correr bem, este dispositivo vai permitir-nos acompanhar a viagem de Salina nos próximos 13 a 15 meses, através do site Seaturtle.org. “Vamos poder ver a progressão deste animal, para que mares vai e a que velocidade navega, quais as distâncias médias, se está em águas mais quentes ou mais frias, ou ainda se está em áreas tradicionais de distribuição desta espécie.”

Isto porque os riscos e as ameaças não acabaram para esta tartaruga.

Segundo Élio Vicente, os riscos que Salina poderá enfrentar são os mesmos de tantas outras tartarugas marinhas. “Sendo animais que passam muito tempo à superfície – para regular as funções metabólicas ou para descansar depois dos mergulhos mais ou menos prolongados e apneias -, podem ser abalroados por navios.”

Outros riscos são a interacção com artes de pesca, a captura, os anzóis, a ingestão de plásticos, que podem causar obstrução do trato digestivo, ou a asfixia em sacos de plástico.

“Os riscos à sobrevivência da Salina continuarão a ser diários e para sempre; mas fazem parte de uma vida autónoma de uma tartaruga em mares tão preenchidos de actividades humanas”, segundo um comunicado do Zoomarine.


Saiba mais.

A tartaruga-comum é uma espécie migradora (não reprodutora) visitante nos arquipélagos dos Açores e da Madeira. É nas águas oceânicas em redor destas ilhas que estas tartarugas passam grande parte da fase inicial do seu ciclo de vida, entre seis a 12 anos, com uma missão: procurar alimento nas frentes oceânicas. São animais que nasceram nas costas ocidentais do Atlântico Norte (Estados Unidos e México).

Estes animais, essencialmente juvenis, fazem parte de uma população mais ampla que abrange grande parte do Atlântico Norte Central e Ocidental.

Enquanto as tartarugas juvenis ocorrem exclusivamente em alto mar, os adultos têm hábitos costeiros.

Mas as águas portuguesas não são isentas de perigos para estas tartarugas juvenis. Segundo o Livro Vermelho dos Vertebrados de Portugal (2005), “o principal factor de ameaça à espécie é a captura acidental por artes de pesca”. Mas não só. Os plásticos, o crude e os apetrechos de pesca abandonados (como linhas e redes) são outra ameaça, nomeadamente através de enredamento e ingestão. Assim como a interacção com embarcações.

Helena Geraldes

Sou jornalista de Natureza na revista Wilder. Escrevo sobre Ambiente e Biodiversidade desde 1998 e trabalhei nas redacções da revista Fórum Ambiente e do jornal PÚBLICO. Neste último estive 13 anos à frente do site de Ambiente deste diário, o Ecosfera. Em 2015 lancei a Wilder, com as minhas colegas jornalistas Inês Sequeira e Joana Bourgard, para dar voz a quem se dedica a proteger ou a estudar a natureza mas também às espécies raras, ameaçadas ou àquelas de que (quase) ninguém fala. Na verdade, isso é algo que quero fazer desde que ainda em criança vi um documentário de vida selvagem que passava aos domingos na televisão e que me fez decidir o rumo que queria seguir. Já lá vão uns anos, portanto. Desde então tenho-me dedicado a escrever sobre linces, morcegos, abutres, peixes mas também sobre conservacionistas e cidadãos apaixonados pela natureza, que querem fazer parte de uma comunidade. Trabalho todos os dias para que a Wilder seja esse lugar no mundo.

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