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lobo ibérico
Foto: Joana Bourgard

“Recriação” de lobo extinto há 12.500 anos gera polémica sobre a primeira “desextinção” de sempre

09.04.2025

O lobo-terrível (Aenocyon dirus), conhecido por ser inspiração para o lobo que é símbolo da Casa Stark, em “Guerra dos Tronos” e que está extinto há mais de 12.500 anos, foi recuperado geneticamente mediante biotecnologia, convertendo-se assim no primeiro animal “desextinto” da História, segundo a empresa norte-americana Colossal Biosciences, ainda que cientistas considerem que não se trata de uma desextinção mas apenas a modificação genética de uma espécie actual, o lobo cinzento.

A empresa de biotecnologia sediada em Dallas, nos Estados Unidos, conseguiu dar vida a Rómulo e Remo, duas crias de seis meses que foram criada através de modificações genéticas derivadas de ADN encontrado em fósseis de há entre 11.500 e 72.000 anos, indicou ontem a Colossal em comunicado.

Lobo-cinzento (Canis lupus). Foto: United States Fish and Wildlife Service

A entidade, que classificou este processo como a primeira “desextinção” com sucesso, explicou que editou 20 genes de lobos-cinzentos (Canis lupus), os parceiros vivos mais próximos dos lobos-terríveis, com este ADN – procedente de um dente com 13.000 anos e um crânio com 72.000 – para dar às crias algumas das principais características dos lobos-terríveis.

Depois criou embriões a partir das células modificadas do lobo cinzento e implantaram-nos em fêmeas de cães domésticos de grande porte que deram à luz estes animais.

A empresa também criou uma cria fêmea deste animal, que recebeu o nome de Khaleesi, o nome da protagonista de “Guerra dos Tronos”. Na série da HBO, o lobo-terrível é uma criatura lendária de grande tamanho e muito forte que era o emblema da Casa Stark, à qual pertence a personagem Jon Snow.

Rómulo, Remo e Khaleesi – os dois machos nasceram a 1 de Outubro de 2024 e a fêmea a 30 de Janeiro de 2025 – estão aos cuidados de uma reserva ecológica certificada pela American Humane Society que tem vedações e que está vigiada por câmaras, equipas de segurança e drones para garantir o bem-estar das crias.

Os lobos-terríveis foram predadores de topo que viveram no continente americano durante o Pleistoceno, há entre 3,5 e 2,5 milhões de anos, tendo-se extinguido no final da última glaciação, há 13.000 anos.

Segundo a Colossal Biosciences, estes animais eram até 25% maiores do que os lobos cinzentos e tinham uma pelagem clara e mandíbulas mais fortes.

Desextinção ou nem por isso?

A notícia está a gerar debate no meio científico e conservacionista.

Pedro Prata, director da Rewilding Portugal, considera que “aquilo que foi criado não é um “lobo terrível” — é um animal geneticamente modificado que partilha parte do seu ADN com a espécie extinta, mas que não é nem comportamental, nem ecologicamente equivalente ao original”. Acrescenta que “estes animais nasceram para viver em cativeiro, privados de uma cultura que é essencial em espécies sociais como os lobos. Os lobos transmitem comportamentos de geração em geração, através da aprendizagem social dentro dos grupos familiares. Sem esse tecido cultural, não estamos a “trazer de volta” nada — estamos a criar novos animais para uma vida sem liberdade”.

Lobo-ibérico. Foto: Arturo de Frias Marques/Wiki Commons

O paleogeneticista espanhol Carles Lalueza-Fox, investigador do Instituto de Biologia Evolutiva, citado pela agência de notícias espanhola EFE, considera que “não se pode falar de desextinção, mas apenas de lobos modificados geneticamente, mais especificamente em 14 genes”.

“Como não se publicou o genoma do lobo, não sabemos quantos genes o diferenciam do lobo cinzento. Mas tendo em conta o tempo de divergência de ambas as espécies (uns quatro ou cinco milhões de anos), serão vários milhares” e na experiência apenas foram usados genes com expressão no aspecto externo, adverte.

Lluís Montoliu, investigador do Centro Nacional de Biotecnologia de Madrid, a conclusão é a mesma. A empresa modificou lobos cinzentos usando a técnica de edição genética CRISPR-Cas9 e obteve um lobo “que se parece com o lobo gigante mas que não o é. Não tem todo o seu genoma”, disse à EFE.

Segundo Espic Rawlence, director do Laboratório de Paleogenética de Otago, na Nova Zelândia, para se desextinguir uma espécie é preciso cloná-la primeiro. O problema é que é impossível clonar animais extintos porque o ADN não está suficientemente bem conservado. Não é um lobo gigante, “mas sim um híbrido”, disse à plataforma neozelandesa de recursos científicos Science Media Centre.

Em declarações à CNN, Beth Shapiro, coordenadora científica da Colossal, disse que “não estamos a tentar trazer de volta um animal que é geneticamente idêntico em 100% à outra espécie. O nosso objectivo com a desextinção é sempre criar cópias funcionais destes espécies extintas”.

Mas, para Lluís Montoliu, a pergunta que importa colocar é “para que querem eles fazer isto? Queremos fazer um zoológico de criaturas impossíveis? Esta questão deveria preocupar-nos e vejo que é algo que não está a ser respondido”.

Ainda assim, os cientistas reconhecem os avanços tecnológicos impressionantes da Colossal mas acreditam que estes possam vir a ter implicações positivas na conservação de espécies existentes, não extintas. Espic Rawlence, por exemplo, ressalva que estas técnicas deveriam ser utilizadas para conservar “o que resta, não para ressuscitar espécies extintas”.

Nesta segunda-feira, a Colossal disse que produziu duas ninhadas de lobos-vermelhos (Canis rufus) clonados, uma espécie Criticamente Em Perigo de extinção. Para isso usou uma abordagem nova desenvolvida durante a investigação dirigida ao lobo-terrível.

Pedro Prata lembrou ainda que este “espetáculo biotecnológico conseguiu algo que raramente acontece: fez com que se falasse de extinção. E precisamos desesperadamente de falar sobre isso”, nomeadamente para conseguirmos travar o desaparecimento do lobo-ibérico (Canis lupus signatus). Esta “subespécie única e emblemática da nossa fauna continua em declínio. A sua presença a sul do Douro está por um fio. E, ao contrário do lobo terrível, o lobo-ibérico ainda está entre nós. Ainda há tempo de agir. Mas é preciso vontade política, medidas de conservação eficazes e um compromisso sério com a coexistência entre comunidades humanas e este predador extraordinário”.

“Vivemos uma crise de extinção global sem precedentes desde o desaparecimento dos dinossauros. Espécies de fauna, flora e funga estão a desaparecer a um ritmo centenas de vezes superior ao normal. Perder uma espécie não é apenas um fenómeno científico — é a erosão irreversível de relações ecológicas, de histórias evolutivas, de patrimónios culturais e naturais. É o desaparecimento de possibilidades futuras. Por isso, se este “lobo terrível” criado em laboratório nos obriga a refletir sobre o desaparecimento de espécies, então que assim seja. Mas que essa reflexão não se esgote na excitação de um título chamativo. Que nos leve a questionar: o que estamos dispostos a fazer hoje para que não precisemos de laboratórios para salvar as espécies do amanhã?”


Helena Geraldes

Sou jornalista de Natureza na revista Wilder. Escrevo sobre Ambiente e Biodiversidade desde 1998 e trabalhei nas redacções da revista Fórum Ambiente e do jornal PÚBLICO. Neste último estive 13 anos à frente do site de Ambiente deste diário, o Ecosfera. Em 2015 lancei a Wilder, com as minhas colegas jornalistas Inês Sequeira e Joana Bourgard, para dar voz a quem se dedica a proteger ou a estudar a natureza mas também às espécies raras, ameaçadas ou àquelas de que (quase) ninguém fala. Na verdade, isso é algo que quero fazer desde que ainda em criança vi um documentário de vida selvagem que passava aos domingos na televisão e que me fez decidir o rumo que queria seguir. Já lá vão uns anos, portanto. Desde então tenho-me dedicado a escrever sobre linces, morcegos, abutres, peixes mas também sobre conservacionistas e cidadãos apaixonados pela natureza, que querem fazer parte de uma comunidade. Trabalho todos os dias para que a Wilder seja esse lugar no mundo.

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