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Primatas vivem vaga de extinções, alerta novo relatório

19.01.2017

Cerca de 300 espécies de gorilas, chimpanzés, macacos, lémures e lóris, ou seja, 60% das espécies de primatas do mundo, poderão desaparecer se nada for feito para os proteger, alertam os investigadores num relatório publicado agora na revista Science Advances.

 

Esta é a avaliação mais negra sobre os primatas não humanos feita até à data. Mais de 30 cientistas avaliaram o estatuto de conservação de mais de 500 espécies e concluíram que 60% das espécies selvagens estão já na rota da extinção, com três quartos em declínio constante.

Naquela que é a revisão mais completa de sempre sobre o estado das populações de primatas, segundo os investigadores, a mera sobrevivência está em dúvida para mais de metade das espécies. “É alarmante mas cerca de 60% das espécies de primatas estão hoje ameaçadas de extinção e 75% têm as suas populações em declínio”, escrevem os autores, citados em comunicado.

Paul Garber, professor de antropologia na Universidade do Illinois e um dos co-autores do estudo, salienta que “populações de várias espécies (…) estão já reduzidas a escassas centenas de indivíduos. No caso do gibão-de-hainan (Nomascus hainanus), uma espécie de macaco na China, existem menos de 30 animais”.

Outra espécie criticamente ameaçada é o orangotango-de-samatra (Pongo abelii). Esta perdeu 60% do seu habitat entre 1985 e 2007, acrescentou Garber.

Estas espécies enfrentam uma série de ameaças, desde a caça, comércio ilegal e abate de florestas para agricultura, construção de estradas e exploração mineira. “Estes primatas agarram-se à vida nas florestas de países como a China, Madagáscar, Indonésia, Tanzânia e República Democrática do Congo”, comentou o investigador.

 

Algumas das espécies ameaçadas são (no sentido dos ponteiros do relógio, do topo ao centro): macaco-preto-de-nariz-arrebitado (Rhinopithecus bieti, foto: Paul Garber), lémure-de-cauda-anelada (Lemur catta, foto: Matthias Appel), macaco-dourado (Rhinopithecus roxellana, foto: Paul Garber), gorila-das-montanhas (Gorilla beringei beringei, foto: Ruggiero Richard) e o gibão-de-bochechas-brancas-do-norte (Nomascus leucogenys, foto: Fan Peng-Fei)

 

“Lamentavelmente, nos próximos 25 anos, muitas destas espécies de primatas vão desaparecer a menos que as tornemos uma prioridade mundial de conservação”, acrescentou. “Isto, por si só, seria uma perda trágica. Agora, lembrem-se das centenas de outras espécies que enfrentam o mesmo destino no mundo e ficam com uma ideia do que está mesmo em causa.”

 

Será o futuro dos primatas uma causa perdida?

Apenas quatro países – Brasil, Indonésia, Madagáscar e República Democrática do Congo – albergam dois terços de todas as espécies de primatas, salienta o relatório, tornando estes países alvos de medidas para travar ou até reverter o caminho para a extinção.

Qualquer medida, no entanto, terá de passar pelo combate à pobreza junto das populações locais. “Trabalhar contra a pobreza local e aliviar o crescimento da população humana são componentes necessárias para a conservação”, disse ainda Garber. “Criar economias baseadas na preservação das florestas e nos seus habitantes primatas, e aumentar as oportunidades de educação para as mulheres seria o início da solução para as maiores ameaças a estes animais.”

Para este investigador, a maior ameaça de todas é o impacto da agricultura. “As práticas agrícolas estão a desequilibrar e a destruir habitat vital para 76% de todas as espécies de primatas do planeta”, salientou. “Especialmente a produção de óleo de palma, de soja e de borracha e a criação de gado estão a devastar milhões de hectares de floresta.”

“Temos uma última oportunidade para reduzir ou até eliminar as ameaças humanas aos primatas e aos seus habitats, para orientar os esforços de conservação e aumentar a sensibilização mundial para esta causa”, escrevem os autores do relatório.

Russell Mittermeier, cientista na organização Conservation International e co-autor do estudo, disse ao jornal The Guardian que os esforços devem ser concentrados nas espécies e florestas mais ameaçadas. “Precisamos, claramente, de lidar com o que causa as extinções, desde a agricultura comercial à exploração mineira e à indústria madeireira. Mas se focarmos todos os nossos esforços nisso, quando conseguirmos ter um impacto real, já nada restará. Por isso devemos primeiro proteger os últimos habitats e, se não existirem áreas protegidas, então teremos de as criar.”

“Os primatas são criticamente importantes para a Humanidade. Afinal de contas, eles são os seres vivos mais próximos de nós”, escrevem os autores do relatório. “Apesar da extinção iminente que recai sobre os primatas do mundo, continuamos convencidos de que a sua conservação ainda não é uma causa perdida.”

Para Jo Setchell, da Universidade de Durham e membro da equipa de cientistas, o caminho é claro. “Precisamos reduzir o domínio humano no planeta e aprender a partilhar o espaço com as outras espécies”, disse à BBC News.

 

[divider type=”thick”]Agora é a sua vez.

A escala do problema requer esforços mundiais. Mas os cientistas lembram que há coisas que todos podemos fazer:

  • Escolher madeira e produtos de papel com certificação FSC e não comprar madeira tropical
  • Não consumir óleo de palma ou ter a certeza que este vem de fontes sustentáveis
  • Reduzir o consumo de uma forma geral e não confundir desejos com necessidades reais
  • Passar a mensagem da conservação dos primatas

 

[divider type=”thick”]Saiba mais.

O livro da jornalista norte-americana Elizabeth Kolbert é incontornável para compreendermos melhor a extinção das espécies. “The Sixth Extinction: An Unnatural History” venceu o Prémio Pulitzer 2015 de não-ficção. Está editado em português pela editora Vogais.

Helena Geraldes

Sou jornalista de Natureza na revista Wilder. Escrevo sobre Ambiente e Biodiversidade desde 1998 e trabalhei nas redacções da revista Fórum Ambiente e do jornal PÚBLICO. Neste último estive 13 anos à frente do site de Ambiente deste diário, o Ecosfera. Em 2015 lancei a Wilder, com as minhas colegas jornalistas Inês Sequeira e Joana Bourgard, para dar voz a quem se dedica a proteger ou a estudar a natureza mas também às espécies raras, ameaçadas ou àquelas de que (quase) ninguém fala. Na verdade, isso é algo que quero fazer desde que ainda em criança vi um documentário de vida selvagem que passava aos domingos na televisão e que me fez decidir o rumo que queria seguir. Já lá vão uns anos, portanto. Desde então tenho-me dedicado a escrever sobre linces, morcegos, abutres, peixes mas também sobre conservacionistas e cidadãos apaixonados pela natureza, que querem fazer parte de uma comunidade. Trabalho todos os dias para que a Wilder seja esse lugar no mundo.

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