Durante quase 70 anos, duas lagartixas estiveram guardadas num museu norte-americano sem ninguém lhes ter dado o nome correcto. Agora, Diogo Parrinha e os seus colegas descobriram que se trata de uma nova espécie, de Angola. Mas desde que esses dois exemplares foram recolhidos, em 1958, nunca mais ninguém viu nenhum. Será esta mais uma espécie perdida?
Chama-se lagartixa fossorial de Luanda (Sepsina caluanda) e acaba de ser descrita para a Ciência, através de um artigo publicado a 10 de Janeiro na revista Annals of Carnegie Museum.
Tem o corpo alongado, membros reduzidos e um movimento serpentiforme. Não tem membros anteriores e tem três dedos curtos nos membros posteriores.
É um animal de “hábitos discretos que passa muito tempo enterrado ou a explorar a folhada”, explicou à Wilder Diogo Parrinha, herpetólogo e aluno de doutoramento do BIOPOLIS/CIBIO e um dos responsáveis pela descrição da nova espécie. Por isso, acrescentou, “as observações são pouco comuns e pouco mais se sabe sobre a sua ecologia a história natural”.
Diogo Parrinha apercebeu-se de que teria encontrado uma espécie nova quando estava a rever o género Sepsina, um grupo de animais particularmente diverso, ainda que pouco conhecido, e com uma história taxonómica complexa. Para tal, a sua equipa estudou 162 espécimes do género Sepsina, guardados em colecções de História Natural em museus de África, da Europa (incluindo em Portugal) e da América do Norte.
“Deparámo-nos com esta espécie por acaso enquanto revia material de vários museus para uma revisão geral do género Sepsina“, contou.
Através do estudo da morfologia externa destes espécimes – incluindo o registo de várias medidas e contagens de escamas, com ajuda de uma lupa binocular, e do número de membros e dedos – os investigadores perceberam “rapidamente que se tratava de algo diferente”. “Estas lagartixas caracterizam-se pela redução ou até perda de membros e dígitos e os dois espécimes que encontrámos apresentam uma combinação única destes caracteres diagnosticantes (ausência de membros anteriores e presença de 3 dedos nos membros posteriores)”, acrescentou.
Espécimes recolhidos em 1958
Hoje, a Ciência conhece cinco espécies de lagartixas do género Sepsina (Sepsina alberti; S. angolensis; S. bayonii; S. copei e S. tetradactyla) e duas subespécies (S. t. tetradactyla e S. t. hemptinnei).
Angola alberga uma grande diversidade dentro deste género, com quatro espécies (S. alberti, S. angolensis, S. bayonii e S. copei).
No âmbito da revisão do género Sepsina, a equipa de investigadores reparou em dois espécimes guardados nas colecções da Academia de Ciências da Califórnia, devido às suas “singularidades morfológicas”. Esses dois espécimes, dois indivíduos adultos, tinham sido recolhidos perto de Luanda, a capital de Angola, em Junho de 1958 pelo entomólogo norte-americano Edward S. Ross e pelo aracnólogo canadiano Robin E. Leech. Ross e Leech (ambos faleceram em 2016) e a esposa de Ross, Wilda, uma botânica, estavam a participar numa expedição de um ano (Junho de 1957 a Junho de 1958) pelo Sul de África, financiada pela National Geographic Society e pela Academia de Ciências da Califórnia. Depois os dois espécimes ficaram à guarda da Academia de Ciências da Califórnia, tendo na altura recebido a designação Scelotes angolensis.
Mas agora, estes dois espécimes passam a ser reconhecidos como membros de uma espécie até agora desconhecida e ainda por descrever.
Segundo Diogo Parrinha, “só se conhecem os dois espécimes citados. Tendo em conta os hábitos discretos da espécie, é possível que ela continue apenas a passar despercebida, como é o caso de outros animais fossoriais que continuam conhecidos por muito poucos registos, seja pela dificuldade na sua observação ou apenas por falta de interesse e estudos direcionados. Podem até existir mais exemplares “esquecidos” em colecções de história natural, tal como estes estiveram na Academia de Ciências da Califórnia durante décadas sem ninguém olhar bem para eles e reparar nas diferenças. No entanto, acho que não se deve descartar a possibilidade de a espécie já estar extinta, especialmente tendo em conta a perda de habitat provocada pelo grande crescimento da cidade de Luanda”.
Os autores deste artigo salientam que “a descoberta de uma nova espécie de Sepsina nas colecções de História Natural é mais um exemplo a acrescentar à lista de espécies de répteis e anfíbios recentemente descritas apenas com base em espécimes depositados em museus de História Natural”.
E acrescentam que “estas descobertas deverão continuar, uma vez que as colecções de História Natural por todo o mundo albergam vastas colecções de espécimes, muitos dos quais ainda não foram estudadas por taxonomistas”.
Para Diogo Parrinha, os taxonomistas “são uma ‘espécie em extinção’, mas continuam a fazer um trabalho essencial, hoje mais do que nunca. Numa altura em que estamos a perder biodiversidade a um ritmo alarmante, é essencial descrever a diversidade que ainda não conhecemos, pois só podemos proteger aquilo que conhecemos!”