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Cajual. Foto: Patricia Guedes

Plantações de caju ameaçam biodiversidade na África Ocidental, alertam investigadores portugueses

29.08.2024

Uma equipa de investigadores publicou um comentário científico na revista Biotropica onde alerta para os graves impactos da expansão das plantações de caju na biodiversidade e na subsistência das comunidades locais na África Ocidental.

O artigo – assinado por vários investigadores, entre eles Patrícia Guedes (do CIBIO-InBIO, Centro de Investigação em Biodiversidade e Recursos Genéticos) e Filipa Monteiro (do cE3c, da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa) – detalha como o rápido e descontrolado crescimento das áreas de cultivo de caju está a pôr em risco os ecossistemas naturais e a segurança alimentar da região.

Fruto do caju. Foto: Filipa Monteiro

Em apenas 30 anos, a área dedicada ao cultivo de caju na África Ocidental aumentou mais de 15 vezes, alcançando 4,7 milhões de hectares em 2018. Atualmente, 45% da produção mundial de caju provém desta região, destacam os autores.

A expansão de áreas de plantação de caju tem vindo a tirar o lugar dos habitats naturais, “substituindo a floresta nativa, a savana, e até outras culturas alimentares que são a base da alimentação da população local”, alertam.

Esta substituição de outros produtos hortícolas por caju leva os pequenos produtores a uma dependência extrema na produção deste fruto. “Com muitos dos cajueiros na África ocidental a entrar agora na sua quarta década de produção, sendo que o nível de produtividade começa a diminuir após os 25 anos, os rendimentos e a segurança alimentar dos pequenos agricultores desta região está em risco.”

Plantação de caju na Guiné-Bissau. Foto: Patrícia Guedes

O artigo utiliza a Guiné-Bissau como caso de estudo. Pouco maior que a região do Alentejo, este país é o quarto maior produtor da África Ocidental e décimo segundo a nível mundial. Aqui, o caju representa 90% das exportações do país e 80% dos cajuais a pertencerem a pequenos produtores. Com 26% da sua área protegida, o país alberga 28 espécies Criticamente Em Perigo, como os elefantes-de-floresta (Loxodonta cyclotis) e os abutres-de-cabeça-branca (Trigonoceps occipitalis), assim como 240 espécies Em Perigo e 77 espécies Vulneráveis.

Segundo as Nações Unidas, o país perdeu 77% das suas florestas densas entre 1975 e 2013.

A expansão das plantações de caju também teve consequências negativas para a biodiversidade da Guiné-Bissau. “Várias das áreas protegidas estão rodeadas por plantações de caju e, em alguns casos, as plantações já estão dentro das áreas protegidas”, constataram os investigadores. “Apesar de ainda existirem poucos estudos sobre o efeito das plantações de caju na fauna, há evidências de efeitos negativamente em chimpanzés (Pan troglodytes verus, criticamente ameaçados) e em algumas espécies de carnívoros.”

Além disso, a monocultura de caju levou muitos dos produtores a abandonar a produção de arroz, o alimento base da Guiné-Bissau, tornando-os extremamente susceptíveis às variações de preços no mercado internacional.

Face à previsão de aumento da procura de caju a nível mundial, os autores alertam para uma crise iminente, tanto de biodiversidade como de segurança alimentar, na África ocidental.

Plantação de caju na Guiné-Bissau. Foto: Patrícia Guedes

Para evitar este cenário, os autores propõem alguns passos que podem ser tomados para optimizar a relação entre a conservação da biodiversidade e os meios de subsistência. Estes passos vão desde medidas políticas que incluem o reforço dos esforços de conservação, ao planeamento sustentável do uso da terra, práticas agrícolas melhoradas a envolvimento comunitário, a reformas do mercado internacional.

Os autores apelam ainda à cooperação entre os países da África ocidental e a comunidade internacional para implementar estratégias que integrem conhecimentos tradicionais e práticas sustentáveis de produção.

“Embora grandes áreas de habitat natural já tenham sido perdidas, ainda há esperança de encontrar um caminho que permita que a biodiversidade remanescente e as comunidades locais prosperem em conjunto.”

Helena Geraldes

Sou jornalista de Natureza na revista Wilder. Escrevo sobre Ambiente e Biodiversidade desde 1998 e trabalhei nas redacções da revista Fórum Ambiente e do jornal PÚBLICO. Neste último estive 13 anos à frente do site de Ambiente deste diário, o Ecosfera. Em 2015 lancei a Wilder, com as minhas colegas jornalistas Inês Sequeira e Joana Bourgard, para dar voz a quem se dedica a proteger ou a estudar a natureza mas também às espécies raras, ameaçadas ou àquelas de que (quase) ninguém fala. Na verdade, isso é algo que quero fazer desde que ainda em criança vi um documentário de vida selvagem que passava aos domingos na televisão e que me fez decidir o rumo que queria seguir. Já lá vão uns anos, portanto. Desde então tenho-me dedicado a escrever sobre linces, morcegos, abutres, peixes mas também sobre conservacionistas e cidadãos apaixonados pela natureza, que querem fazer parte de uma comunidade. Trabalho todos os dias para que a Wilder seja esse lugar no mundo.

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