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Parque Nacional da Peneda-Gerês. Foto: Miguel Dantas da Gama

Peneda-Gerês: Ambientalistas devem assumir o lugar que a nova lei lhes confere

15.07.2020

Miguel Dantas da Gama, membro do Conselho Estratégico do Parque Nacional da Peneda-Gerês, partilha a sua opinião sobre a aplicação do modelo de cogestão nesta área protegida e sobre os planos anunciados.  

 

O modelo de cogestão das áreas protegidas vai avançar no Parque Nacional da Peneda-Gerês (PNPG), conforme reafirmou o Ministro do Ambiente no passado dia 10 de Julho, numa cerimónia em que as cinco autarquias integradas nesta Área Protegida assinaram um memorando de entendimento com o qual confirmam a adesão à nova ideia de gestão partilhada.

Estive presente na cerimónia e com alguma surpresa e até tristeza ouvi o Srº Ministro manifestar-se contra a anterior figura de diretor do parque chamando-lhe «uma espécie de autarca não eleito», como a Wilder reproduziu na notícia que deu sobre este evento. Quantos detentores de altos cargos públicos se manteriam no lugar, se o critério da eleição passasse a ser um requisito prévio para quem os quer assumir? O Parque Nacional é antes de mais um projecto de conservação da natureza e à tutela do Ambiente se deve o estatuto especial que há décadas lhe foi atribuído. 

Lamentavelmente, foi esta mesma tutela do Ambiente que ao longo dos tempos foi reduzindo essa discriminação positiva, que todos «cantam» e dizem reconhecer. O Gerês teve bons, menos bons e até maus directores. Entre os melhores, destaco Lagrifa Mendes, o primeiro e o homem a quem mais devemos o único parque nacional português, com uma visão que ainda hoje se mantém actual mas que ao longo das cinco décadas que esta área protegida vai completar muito em breve não foi devidamente atendida e respeitada. 

 A cogestão é agora uma realidade incontornável, tanto mais quando é proposta pelo próprio Governo, através do departamento que até aqui detinha a gestão do Parque Nacional e que agora decide partilhá-la. O sr. Ministro reafirmou na cerimónia do Gerês que o Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF) vai manter todas as suas competências. E insistiu que a vontade dos autarcas, a quem é dada a presidência da cogestão, reafirmaram ser também sua vontade privilegiar a preservação dos valores naturais que, insisto, estão na origem da instituição de meio século que a todos motiva. 

 

 

No que respeita à composição proposta para a Comissão de Cogestão, a lei concede, à partida, para além das autarquias, lugar ao ICNF, às universidades e às Organizações Não Governamentais de Ambiente (ONGA), o que me parece correcto. O Conselho Estratégico do PNPG (de que faço parte) manifestou-se há dias, por unanimidade, favorável à integração da ADERE-Peneda-Gerês.

Restam dois lugares, um dos quais acredito que deveria ser ocupado pelos baldios, que devem estar representados nesta comissão. O peso da sua intervenção no território e a necessidade de com eles se encontrar uma via que encare e resolva questões de fundo que permanecem em aberto e muito penalizam o Parque, porque comprometem a salvaguarda dos valores naturais, impõem a sua inclusão. Se a este grupo se juntar um representante do vastíssimo património arqueológico, histórico, arquitectónico presente no Parque Nacional, julgo ficarem acautelados os diferentes interesses e as respectivas visões dos principais intervenientes no espaço da Peneda-Gerês. 

Assim sendo, aos ambientalistas cabe assumir o lugar que a nova lei lhes confere, e em coerência defender, finalmente «dentro», o mesmo que foram reclamando e por que foram lutando desde «fora», ao longo de muitos anos. Quem sabe se, sentados em torno da mesma mesa, em igualdade de circunstâncias, as muito diversas instituições que na nova gestão vão conviver conseguirão alcançar consensos em torno de um objectivo comum. Preservar a natureza com quem vive no território, atendendo às justas expectativas de uma população residente que só tem a ganhar com isso.

Todos devem fazer um enorme esforço nesse sentido. Se não resultar, a mesma porta por onde entrar quem for chamado a participar também deverá servir para sair, se e quando os ideais que o(a) norteiam não forem de todo alcançáveis e a coerência for algo de que não abdica.

Da cerimónia resultou também o anúncio da contratação de 50 novos elementos do Corpo Nacional de Agentes Florestais, decisão essa que vejo naturalmente com bons olhos. Há muito que se reclamam equipas de intervenção rápida e de proximidade, as mais adequadas para actuarem contra os incêndios em montanha e em áreas de acesso difícil, devido à necessidade de preservação do próprio coberto natural. 

 

 

Mas o Parque Nacional necessita urgentemente de outros investimentos. Os vigilantes da natureza, que asseguram também o trabalho ingrato de confrontar os visitantes com as más práticas e o constante desrespeito pela legislação, vêem-se confrontados com uma pressão turística crescente que maioritariamente desconhece o que está em causa. O que se tem passado, nomeadamente na Mata de Albergaria nas últimas semanas, é intolerável e exige um reforço urgente de meios. 

Quanto aos projectos-piloto na área da recuperação da vegetação autóctone, apontam um caminho desejável. Mas a situação de degradação em que se encontra o coberto natural é tão grave, que importa intervir de uma forma mais profunda, consistente e duradoura. Espero que a futura cogestão não privilegie os investimentos na usufruição turística. Antes, importa assegurar o restauro e a preservação dos valores naturais.

Não partilho a ideia de que o estado de conservação do Parque Nacional é aceitável e por isso, muito menos entendo que a motivação de quem o gere passe pela criação de novas formas de atrair mais e mais gente para o território ou de gerar mais meios facilitadores para a sua usufruição. Seria um erro que outras regiões do país estão hoje a pagar bem caro. Impõe-se de uma vez por todas fazer respeitar o zonamento/ordenamento definido. E a espécie humana tem que dar efectivamente espaço também à vida selvagem. 

 

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Miguel Dantas da Gama é ambientalista e membro do Conselho Estratégico do PNPG

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