Agricultura. Foto: Kranich17/Pixabay

ONGA: agricultura e conservação da natureza arriscam ficar de costas voltadas até 2027 por falta de apoios

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Portugal, e a União Europeia (UE), estão a repensar a forma como se faz agricultura, a principal causa da perda de biodiversidade na UE. Mas 15 organizações portuguesas temem que a Política Agrícola Comum (PAC) para 2023-2027 continue a não dar o apoio necessário à agricultura que defende o solo, o clima e a fauna e flora selvagens.

A nova PAC “determinará não só o tipo de produção de alimentos que teremos no futuro, que deve estar em equilíbrio com o planeta, mas também a natureza que queremos e que temos direito a ter de volta e que é o escudo protetor da humanidade”, escreveram as 15 associações num comunicado conjunto enviado à Wilder.

Foto: Leone Ulrike/Pixabay

Monoculturas que se espalham por vastas extensões, agricultura intensiva, algumas estufas e o desaparecimento de estruturas naturais – como bosques, bosquetes, sebes e linhas de árvores, margens naturais de ribeiras e linhas de água e charcas – são exemplos dos impactos da produção de alimentos no ambiente.

Mas a agricultura tem um outro lado. Há produtores que protegem bolsas de biodiversidade, criam refúgios para a fauna e flora e diversificam cultivos.

A questão é saber qual destes dois lados será incentivado financeiramente pelo Plano Estratégico da PAC (PEPAC) para 2023-2027 que está a ser elaborado pelo Governo português e deverá entrar em consulta pública em Setembro.

Os sinais não são promissores, receiam estas 15 associações que se juntaram num comunicado conjunto.

“Se continuarmos neste caminho, o impacto (desta nova PAC) vai ser muito negativo e vai agravar os impactos já conhecidos da agricultura, designadamente intensiva, na biodiversidade”, disse à Wilder Eduardo Santos, da Liga para a Protecção da Natureza (LPN). “Caso não haja uma clara mudança de rumo e estratégia iremos aprofundar a degradação dos nossos ecossistemas e biodiversidade, já tão pressionados.”

As 15 organizações pedem uma “profunda revisão” da proposta de arquitectura do PEPAC português. “A actual proposta não é positiva nem para o ambiente nem para o clima.” E isto terá, segundo Maria Amélia Martins-Loução, da Sociedade Portuguesa de Ecologia (SPECO), “um impacte muito significativo porque pouco ou nada incentiva a biodiversidade e agro-diversidade em Portugal”.

Foto: JuergenPM/Pixabay

Domingos Leitão, da Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves (SPEA) receia que, “se a política não mudar, continuaremos a ver a paisagem rural a ficar mais monótona e pobre e as espécies de flora e fauna dependentes destes sistemas a desaparecer, incluído as aves e os polinizadores”.

Algumas espécies podem mesmo desaparecer. Como o sisão e o tartaranhão-caçador na planície alentejana e o picanço-de-dorso-ruivo e a sombria nas pastagens de montanha, que são “exemplos das muitas espécies ameaçadas dependentes da gestão agro-pastoril”, disse Domingos Leitão.

Principais críticas

Para estes peritos, são várias as falhas da actual PAC que se arriscam a não ser corrigidas até 2027.

“Foi recentemente divulgada a proposta de arquitectura do Plano, que deixou evidente que fica por fazer uma verdadeira mudança/reforma da aplicação da PAC em Portugal, mantendo-se muitos dos problemas de insustentabilidade e incompatibilidade (com a conservação da biodiversidade, protecção dos recursos naturais e acção climática) de que os anteriores quadros comunitários nesta matéria já padeciam”, comentou à Wilder Eduardo Santos.

macho de sisão no meio da vegetação
Macho de sisão. Foto: Pierre Dalous/Wiki Commons

“Mantém-se a aposta numa agricultura intensiva, desadaptada na realidade ambiental e social, e pouco resiliente às alterações climáticas, em detrimento de práticas agrícolas compatíveis com a conservação da natureza e que realmente conduzam a uma agricultura e alimentação sustentável/saudável.”  

Segundo Maria Amélia Martins-Loução, Portugal estará a preparar-se para continuar a “privilegiar as culturas regadas num país onde a aridez é cada vez maior” e para não investir em culturas de sequeiro, “resistentes ao clima que em breve teremos de enfrentar”. Por exemplo, lembra, no Algarve são incentivadas culturas como o abacate em detrimento do pomar misto de sequeiro, com alfarrobeira, figueira, amendoeira e oliveira.

Actualmente, a UE estima que o efeito da perda de fertilidade e funcionalidade do solo agrícola equivale a um custo de 1,25 mil milhões de euros ao ano. Por isso, esta responsável lamenta que a proposta que estará em cima da mesa para Portugal não leve em conta a diversificação e sustentabilidade agrícola e a conservação do ecossistema solo. As técnicas agrícolas de conservação dos solos, muitas vezes adoptadas pelos pequenos agricultores, poderão continuar sem incentivos. “O solo, ecossistema complexo cada vez mais degradado em consequência da sobreexploração, poderia ser valorizado e implementado através das paisagens bioculturais, a agro-diversidade de produtos, as plantas aromáticas, os pomares de sequeiro, sistemas agro-florestais, bem-adaptados ao solo fino e pedregoso e a um clima mediterrâneo.”

Domingos Leitão é da mesma opinião. “Os graves problemas ambientais da PAC sempre estiveram relacionados com o apoio à produção de quantidade, em detrimento da qualidade (…). Há muito que as ONGA e as associações de consumidores pedem uma política agrícola desligada da produção, uma política que premeie quem faz melhor, compensando os agricultores de acordo com o nível de desempenho ambiental, climático e de outros serviços públicos. É essa alteração fundamental, essa reforma se quiserem, que ainda está por fazer.”

Agricultura. Foto: Kranich17/Pixabay

Por seu lado, Catarina Grilo considera que “muitas das medidas apresentadas ficam aquém em termos de eficácia. De que vale apostar na eficiência energética e na melhoria da alimentação animal para reduzir emissões de GEE (gases com efeito de estufa), se a principal fonte de GEE na agricultura resulta da aplicação de fertilizantes, e quando isto apenas perpetua intensificações agropecuárias insustentáveis e o sobre-encabeçamento, muito acima da capacidade de carga do meio?”.

Além disso, acrescentou, “várias medidas consideradas ‘verdes’ não têm subjacente nenhuma melhoria ambiental, pelo que teremos, em termos contabilísticos, fundos que teoricamente contribuem para a melhoria da sustentabilidade na agricultura, mas no terreno nada disso irá acontecer. É o caso do ‘apoio às zonas com condicionantes naturais’ e também de alguns apoios de ‘Investimento e rejuvenescimento’ que são considerados ‘verdes’ por aumentarem a eficiência quando se sabe que os ganhos de eficiência são mitigados pela intensificação…”

Uma outra PAC?

As ONGA, os cientistas ambientais e os especialistas em desenvolvimento rural pedem, por toda a Europa, que esta PAC garanta que 30% das ajudas contribuam diretamente para benefícios ambientais e de ação climática; que não apoie novos projetos de regadio – porque ameaçam os ecossistemas e o bom estado dos nossos rios e ribeiras e porque criam uma dependência da água que não poderá ser satisfeita no futuro -; e que fomente a criação de mais espaço para a natureza, favorecendo todas as explorações agrícolas que promovam maiores valores de biodiversidade e elementos paisagísticos, principalmente na Rede Natura 2000.

Mas a janela de oportunidade para alterar estes planos já é curta e estas 15 associações queixam-se de não estarem a ser ouvidas pelo Governo português.

Abelha. Foto: Suzanne D. Williams/Pixabay

“Até aqui a ministra da Agricultura tem ignorado os peritos, as ONGA, a ciência, a saúde pública, em suma, a sociedade civil que exige um planeta mais sustentável para as próximas gerações. As ONGA procuraram contribuir para o PEPAC com propostas concretas enviadas o ano passado em Julho, a maior parte das quais não foram refletidas nos documentos postos em consulta pública no final do ano”, denunciam as 15 associações.

“Tivemos a oportunidade de enviar, em Julho de 2020, contributos para estes documentos mas, infelizmente, a maior parte dos nossos contributos não foram tidos em conta, incluindo os que consistiam na identificação de erros técnicos nos documentos, pois não constavam na versão dos documentos postos em consulta pública no final de 2020”, comentou à Wilder Catarina Grilo, da Associação Natureza Portugal (ANP) – WWF.

“A primeira versão do documento (PEPAC) deveria ter sido tornada pública durante o presente mês de Julho, mas a sua publicação foi agora empurrada para Setembro quando Portugal tem de apresentar a sua proposta à Comissão Europeia até 1 de Janeiro, o que faz temer o pior – mais do mesmo, evitando-se o debate e a participação consequentes de toda a sociedade.”

Em Setembro, a proposta portuguesa deverá entrar em consulta pública. “Com tanta participação que tem havido, julgo que merece uma maior discussão e só depois uma decisão política”, disse Maria Amélia Martins-Loução.

Flores silvestres. Foto: Helena Geraldes/Wilder

Na opinião de Domingos Leitão, o acordo político definido recentemente em Bruxelas, entre o Parlamento Europeu e os Conselho de Ministros da Agricultura, ficou “muito aquém das necessidades do desafio ambiental que enfrentamos. Mas os Estados Membros ainda têm margem para aplicar a política melhor ou pior”.

O que irá fazer Portugal? “Em teoria deveria haver espaço para alterações… No entanto, na realidade, o que temos vindo a assistir é a uma falta de envolvimento das partes interessadas e desconsideração das opiniões/visões de peritos, académicos e ONGA”, lamentou Eduardo Santos. Este perito lembrou ainda o “curto período que mediará até ao prazo final de submissão do PEPAC a Bruxelas (1 de Janeiro de 2022)” e receia que isto seja um indício de que “não haverá vontade política para ouvir e integrar as diferentes perspectivas/preocupações da sociedade civil”.

“A Ministra da Agricultura pode optar por continuar a favorecer a intensificação, a economia de escala, o favorecimento das exportações, à conta de destruição do solo, do desperdício de água e da destruição da biodiversidade e do desaparecimento de grande parte dos agricultores que trabalham nas zonas menos produtivas, na montanha e na Rede Natura 2000”, receia Domingos Leitão.


O comunicado conjunto foi assinado por estas associações:

A ROCHA – Associação Cristã de Estudos e Defesa do Ambiente
ADPM – Associação de Defesa do Património de Mértola
ALDEIA – Acção, Liberdade, Desenvolvimento, Educação, Investigação, Ambiente Almargem – Associação de Defesa do Património Natural e Cultural do Algarve ANP|WWF – Associação Natureza Portugal, em associação com a WWF
ATN – Associação de Transumância e Natureza
FAPAS – Associação Portuguesa para a Conservação da Biodiversidade
GEOTA – Grupo de Estudos de Ordenamento do Território e Ambiente
LPN – Liga para a Protecção da Natureza
PALOMBAR – Conservação da Natureza e do Património Rural
QUERCUS – Associação Nacional de Conservação da Natureza
SPEA – Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves
SPBotânica – Sociedade Portuguesa de Botânica

SPECO – Sociedade Portuguesa de Ecologia
ZERO – Associação Sistema Terrestre Sustentável

Helena Geraldes

Sou jornalista de Natureza na revista Wilder. Escrevo sobre Ambiente e Biodiversidade desde 1998 e trabalhei nas redacções da revista Fórum Ambiente e do jornal PÚBLICO. Neste último estive 13 anos à frente do site de Ambiente deste diário, o Ecosfera. Em 2015 lancei a Wilder, com as minhas colegas jornalistas Inês Sequeira e Joana Bourgard, para dar voz a quem se dedica a proteger ou a estudar a natureza mas também às espécies raras, ameaçadas ou àquelas de que (quase) ninguém fala. Na verdade, isso é algo que quero fazer desde que ainda em criança vi um documentário de vida selvagem que passava aos domingos na televisão e que me fez decidir o rumo que queria seguir. Já lá vão uns anos, portanto. Desde então tenho-me dedicado a escrever sobre linces, morcegos, abutres, peixes mas também sobre conservacionistas e cidadãos apaixonados pela natureza, que querem fazer parte de uma comunidade. Trabalho todos os dias para que a Wilder seja esse lugar no mundo.

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