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Aquário Vasco da Gama. Foto: Rute Dionísio

O mergulho na costa portuguesa faz-se dentro do Aquário Vasco da Gama

25.06.2025

Por trás dos vidros dos aquários, há uma equipa dedicada a cumprir diariamente as rotinas meticulosas de alimentação e manutenção dos habitats das espécies da fauna marinha local, um trabalho que reflete o compromisso do Aquário Vasco da Gama em preservar e divulgar a riqueza natural da costa portuguesa, missão que se mantém desde a sua criação.

Para lá da porta de entrada, o mundo ganha imediatamente um filtro azulado, simulando o fundo do mar silencioso, como se a própria cor já ajudasse a abafar a vida lá fora. De frente para a receção, um aquário é cuidadosamente aspirado por um membro da equipa. São 10 horas, mesmo a tempo de abrir as portas ao público.

Aquário Vasco da Gama. Foto: Rute Dionísio

Atrás dos corredores da exposição, a agitação é evidente. Um “bom dia” para cá, outro para lá, portas a abrir e a fechar. A equipa conhece-se bem, mas ninguém atrasa o início de mais um dia de trabalho. Enquanto alguns transportam baldes e caixas com lulas ou carapaus, outros descongelam comida de menores dimensões, como krill, mysis ou artémias, para o dia de alimentação que se segue.

Os mapas e imagens de tubarões colados na parede dos gabinetes, juntamente com ovos de tubarão e mudas de caranguejo sobre a mesa, não deixam enganar: há mais de 125 anos que o interior de um dos aquários mais antigos do mundo ainda em funcionamento continua a ter vida, isto é, uma exposição com 300 espécies, num total de cerca de 4000 animais e um trabalho incessante nos bastidores, não tão visível ao visitante.

Desde os tempos em que os aquaristas ainda eram pescadores, que existe uma secção dedicada exclusivamente à fauna marinha portuguesa, representando tanto o continente, como as regiões autónomas. O Aquário Vasco da Gama – localizado na Cruz Quebrada-Dafundo, Oeiras – foi criado em 1898 por iniciativa da Comissão Executiva das Comemorações do 4.º Centenário da Descoberta do Caminho Marítimo para a Índia. O rei D. Carlos, naturalista apaixonado pelo oceano, teve um papel importante na divulgação da vida marinha, contribuindo com espécies das suas expedições oceanográficas para a exposição. Esta continua a ser, até hoje, a maior secção do Aquário e a refletir a missão original: dar a conhecer a riqueza da costa portuguesa.

“O problema é que as pessoas, principalmente os mais pequenos, conhecem o peixe apenas pelo filete que lhes aparece no prato”, reflete Ema Videira, bióloga marinha da Marinha e responsável por toda a secção da fauna marinha portuguesa. “Acredito que, ao conhecerem as espécies que existem à nossa volta, em Portugal, tão interessantes e únicas, as pessoas ficam mais facilmente sensibilizadas para a necessidade de preservar o ecossistema marinho. Não só percebem a riqueza que têm perto de si, como começam a olhar para o mar com maior respeito e responsabilidade.”

Nesta reflexão, Ema cruza-se com o técnico Mário Costa, que bebe o seu café enquanto observa os peixes apara-lápis, que nadam verticalmente, de cabeça para baixo. “Isto faz parte da minha rotina. Vou buscar o café e venho ver a exposição, ver se eles estão bem”, explica, sem tirar os olhos do aquário. “Depois, sigo para a minha área, a Quarentena, e cada um cuida da galeria que lhe foi atribuída”.

Às terças e quintas, a equipa do Aquário Vasco da Gama dedica-se à manutenção dos aquários, enquanto nos outros dias o foco é, maioritariamente, a alimentação das espécies. 

A quarentena

O dia começa na Quarentena. Esta é a sala das espécies recém-chegadas ou doentes. Ainda é de manhã, mas o som dos sistemas dos aquários empilhados e alinhados não deixa ninguém dormir. 

Aquário Vasco da Gama. Foto: Rute Dionísio

Além disso, este local também funciona como maternidade para as patas-roxas, uma espécie de tubarão comum nas águas de Portugal. Atualmente, há um exemplar que foi encontrado ainda no ovo numa praia, pela Brigada do Mar, uma organização não governamental portuguesa.

Na exposição, é possível observar embriões em diferentes fases de vida, ainda dentro dos ovos, bem como juvenis e adultos, que são os reprodutores. Por fim, no âmbito do projeto educativo de conservação, os alunos participantes atribuem um nome a cada indivíduo e realizam a sua devolução ao mar na Marina de Cascais, contribuindo para a preservação desta espécie.

“Temos tido muitas espécies a entrar este ano, mas as estrelas da Quarentena, neste momento, são os peixes-porco, que vieram dos Açores” explica Mário, enquanto lhes prepara filetes de carapau no tamanho certo, juntamente com Ivo Pinto, outro técnico do Aquário. “Andavam a morder os outros peixes, então tivemos de os isolar até irem para a exposição”.

A alimentação 

Está na hora do almoço dos peixes do Cambalhão. Este bloco central da secção da fauna marinha portuguesa é composto por tanques destinados a peixes de maiores dimensões e idades, onde se podem encontrar espécies como uma dourada com 20 anos ou uma moreia com 15. Aqui, a cobertura de cimento, o ambiente húmido e o som dos refrigeradores, faz com que a voz tenha de ser mais projetada do que em qualquer outro local. Esta parte é controlada por Ivo, que sobe as escadas de madeira, dirigindo-se ao aquário do polvo, o primeiro a ser alimentado.

Aquário Vasco da Gama. Foto: Rute Dionísio

“Os dois polvos do Aquário Vasco da Gama chegaram ao mesmo tempo, vindos de Oeiras, mas o ‘meu’ é o mais sociável”, diz Ivo, enquanto aproxima a mão da borda do aquário e exibe um sorriso. Deste ângulo, vê-se apenas o topo dos tanques, deixando à imaginação ou ao olhar dos visitantes o que acontece no interior. Neste caso, ao ver os dedos a chamá-lo lá de cima, é previsível que o polvo vá cumprimentar o seu cuidador com um abraço de tentáculos quase imediato. Foi precisamente o que aconteceu.

Com uma lula inteira na mão, Ivo alimenta-o, dando-lhe a oportunidade de lutar pela comida. “Prefiro dar comida à mão mas, quando não é possível, uso a tenaz”, admite. “Com a mão, conseguimos garantir que eles comem, estimulá-los e perceber se é mesmo fome ou se são mais olhos que barriga.”

A técnica de alimentação dos peixes – como os sargos, pargos e safios – é diferente. Inspirado pela experiência de Pavlov, Ivo utiliza um método simples, mas eficaz: antes de começar a espalhar comida de forma equilibrada na água cria um sinal de que é hora de comer. “Paro a bomba e fecho um pouco o ar”, explica, enquanto observa o tanque. “Depois, basta andar de um lado para o outro e, eventualmente, eles aparecem à superfície, porque já sabem que é hora da refeição.” Todos os animais, desde caranguejos e sapateiras até à moreia mais “sénior”, já se habituaram a este método.

Do outro lado, no corredor estreito da galeria norte, com aquários mais pequenos, Ema dedica-se ao irmão do polvo sociável, que convive apenas com uma estrela-do-mar. Desta vez, o treino é diferente. A comida é colocada dentro de um frasco enroscado, um desafio pensado para estimular este animal inteligente. “São animais extraordinários”, diz Ema. “Já trabalhei com três polvos e posso dizer que eles têm, verdadeiramente, personalidades diferentes.”

Com um abraço firme, o polvo agarra o frasco e rapidamente o esconde dentro dos tentáculos, enquanto se esconde a si próprio, longe de olhares curiosos. Sozinho, começa a explorar o recipiente, testando diferentes ângulos e aplicando força com precisão, conseguindo, por fim, retirar a comida. 

“Mãe, o polvo está entalado!” exclama uma criança, com o nariz colado ao vidro.

A manutenção

A bióloga marinha está inclinada quase dentro de um aquário com água a meio, que em breve dará lugar à nova atração desta área: um aquário com chocos bebés. As anémonas já saíram. O linguado, com dificuldade, também. Até um búzio vivo foi descoberto ao limpar o aquário que existia antes. “A minha parte favorita deste trabalho é, sem dúvida, imaginar um aquário na minha cabeça e vê-lo ganhar vida” comenta, enquanto tenta apanhar os peixes-aranha que se escondem e movem rapidamente na areia, tentando finalizar o processo de esvaziamento. “Vou tentar pensar como um peixe; onde é que vocês andam?”

Na Quarentena, os últimos chocos são retirados da caixa onde estiveram, que ficou completamente tingida devido ao susto causado pelo movimento inesperado. A tarefa transforma-se numa verdadeira caça ao tesouro. Às cegas. “Há dias em que passamos a manhã inteira a tentar apanhar um único animal e hoje está a ser um desses dias”, admite Mário, agachado sobre a caixa. “É um trabalho de paciência”.

Aquário Vasco da Gama. Foto: Rute Dionísio

Após completar a missão, juntamente com Mónica, segurando a caixa com uma mão em cada pega, dirigem-se ao aquário em manutenção. Nos ziguezagues entre crianças, os dois técnicos não resistem a olhar para os aquários por onde passam, atentos a cada detalhe, como se em todos vivessem os seus próprios filhos de outras espécies.

A água salgada, trazida da praia do Guincho e armazenada no Torreão, ao lado do edifício, já terminou de preencher o aquário, que agora aguarda, sem nenhum animal, os novos habitantes. Dentro das paredes escuras, nota-se um ligeiro burburinho, uma agitação que rompe a habitual tranquilidade. “Podem ir para o lado de lá, que daqui não veem nada”, informa Ema, dirigindo-se à porta dos bastidores da galeria norte. Assim, os alunos e a equipa de técnicos seguem para o corredor da exposição, onde a ação está prestes a começar.

De olhos fixos no aquário, a expectativa é visível. A Comandante Maria Martins, subdiretora do Aquário Vasco da Gama, junta-se aos técnicos já posicionados, todos ansiosos por ver Ema lançar o primeiro habitante. A água, tranquila até então, agita-se. O primeiro choco mergulha, confuso e assustado, movimentando-se rapidamente enquanto solta um jato de tinta negra que paira na água por alguns momentos. “Está envergonhado, foi logo esconder-se”, comenta com um sorriso o Comandante Nuno Leitão, diretor do Aquário Vasco da Gama, arrancando risos da plateia. A cada novo choco que entra no aquário, ouvem-se exclamações de surpresa vindos de crianças e adultos, mesmo que este habitante seja igual aos anteriores.

Com o trabalho concluído, Ema atravessa o corredor em direção à exposição, ainda segurando a caixa, agora vazia. Aqui, o silêncio voltou a reinar, interrompido apenas pela quietude contemplativa de Mónica e da professora da turma, que permanecem diante do aquário, como se estivessem hipnotizadas. “Vocês têm um trabalho muito bonito”, comenta a professora. Mónica troca um olhar cúmplice com Ema, um entendimento silencioso, e responde com um sorriso de orgulho: “É verdade, tem toda a razão.”

E o dia continua. As portas fecham e abrem-se. As caixas e baldes andam de mão em mão, uns vazios, outros mais cheios. A equipa volta aos seus trabalhos. A paixão que deu origem a este espaço renova-se diariamente, num testemunho de que o mar é, e sempre será, parte essencial da alma de Portugal.

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