O cadáver mutilado da fêmea Masía foi encontrado no complexo eólico de Refollas, em Castellón, por técnicos da Fundação para a Conservação do Quebra-ossos (FCQ) e agentes de protecção da natureza do governo de Aragão, foi revelado esta semana.
Masía tinha sido libertada na região de Maestrazgo em Julho de 2022, juntamente com o macho Sabino, no âmbito de um projecto de conservação desta espécie (Gypaetus barbatus). Sabino morreu electrocutado numa linha eléctrica quatro meses depois de ter sido libertado. Masía era o último quebra-ossos a sobrevoar os céus da região de Teruel.
A 10 de Junho a equipa forense do Centro de Recuperação de Fauna Silvestre do governo de Aragão confirmou a morte de Masía por politraumatismos severos.
A ave foi encontrada graças ao dispositivo GPS com que a FCQ a monitorizava diariamente e que alertou a equipa para uma anomalia de actividade. Suspeitou-se que teria sofrido um acidente. Quando os técnicos chegaram ao local confirmaram a morte do quebra-ossos que, segundo a fundação, “apresentava sinais evidentes de impacto”.
“É a primeira vez em Espanha que um quebra-ossos morre atingido por um aerogerador”, denuncia a Fundação em comunicado. Para esta organização, a morte de Masía evidencia “o impacto mortal que os complexos eólicos mal concebidos têm sobre a biodiversidade espanhola”.
“Enquanto que as empresas investem grandes quantidades de dinheiro em campanhas de autopromoção para convencer a sociedade da sustentabilidade do processo de produção de energia eólica, os factos mostram que a realidade é outra: a da morte diária de centenas de animais em Espanha, mortes que acontecem de forma anónima e que apenas são conhecidas quando existe tecnologia de satélite como a que é usada para seguir espécies ameaçadas”, comentou Gerardo Báguena, director do projecto de reintrodução do quebra-ossos.
O quebra-ossos, já extinto em grande parte da Europa – incluindo em Portugal -, está Em Perigo de extinção em Espanha.
A FCQ, em colaboração com outras entidades, está a trabalhar na sua recuperação nos Picos de Europa, Serra de Gredos e Serra de Maestrazgo.
No Outono de 2023, a fundação viu-se obrigada a suspender o projecto de reintrodução na região depois de constatar que os complexos eólicos invadiam zonas com alta densidade de grandes aves planadoras como grifos e águias-reais, “transformando um habitat de montanha de grande qualidade num espaço incompatível com a sobrevivência de grandes rapinas”.
A suspensão do projecto em Teruel também afectou várias acções sociais dirigidas à promoção da criação de gado de montanha com raças locais, através da marca de garantia nacional Probiodiversidad, que pretendia potenciar a venda diferenciada da produção, criando com as cooperativas locais um novo modelo de mercado.
“A actual presença de eólicas em Espanha, em áreas de grande valor ecológico, sem as pertinentes medidas tecnológicas que reduzem a mortalidade das aves, põe em risco os esforços investidos por instituições europeias e nacionais, centros de investigação e organizações não governamentais para recuperar espécies ameaçadas”, comentou ainda Báguena. “Acontecimentos como o que denunciamos agora deitam por terra dezenas de anos de esforço, compromisso e acompanhamento na recuperação e protecção da biodiversidade espanhola.”
O quebra-ossos é considerado o abutre mais raro da Europa. É um abutre grande, que mede de 2,50 a 2,85 metros entre as extremidades das duas asas, e que ostenta uma pequena barbicha característica que inspirou o seu nome científico: Gypaetus barbatus. Uma das características que o distingue é o facto de se alimentar principalmente de ossos das carcaças que consome, nomeadamante da medula guardada no seu interior. Para isso, atira estes ossos de grandes alturas de forma a que se quebrem em pedaços, origem do nome português desta ave.
Esta é uma espécie característica de áreas montanhosas, onde vive em zonas remotas, habitualmente acima dos 1000 metros de altitude. A área de distribuição europeia abrange os Pirinéus, Serra Nevada, Alpes, Creta e Córsega.
Hoje, depois de muitas décadas de declínio, considera-se que a população europeia de quebra-ossos está a aumentar, ajudada por vários projectos de reintrodução, incluindo em Espanha. Em 2022 foram contabilizados na Europa um total de 465 casais reprodutores.
Em Portugal, onde decorre um projecto LIFE para criar condições que atraiam a espécie ao norte do país, o quebra-ossos extinguiu-se no final do século XIX. Desde então, as aves desta espécie são observadas apenas esporadicamente em território nacional. Recentemente, foram encontrados vestígios da presença deste abutre na zona de Leiria, datados de há 29.000 anos.