Só 2% das 1400 espécies conhecidas de morcegos migram. Este fenómeno raro da migração de morcegos é agora um puzzle com mais uma peça. Cientistas descobriram que estes morcegos aproveitam as tempestades para viajar mais rapidamente sobre a Europa.
Nas palavras de Edward Hurme, o “raro fenómeno da migração dos morcegos (apenas menos de 2% das mais de 1400 espécies migram) é um dos enigmas que ainda existem”.
Em entrevista à Wilder, este investigador do Max Planck Institute of Animal Behavior (MPI-AB) na Universidade de Konstanz e o autor principal do estudo publicado a 2 de Janeiro na revista Science, conta que ele a sua equipa começaram este projecto em 2012 “mas sempre estivemos limitados pelo pequeno tamanho dos morcegos e a falta de tecnologia adequada”.
Até que Timm Wild e a sua equipa, também do MPI-AB, desenvolveram uns minúsculos sensores que mudaram tudo.
Estes cientistas estudaram 71 morcegos-arborícolas-grandes (Nyctalus noctula) – uma espécie que está bem distribuída na Europa e uma das únicas quatro espécies que se sabe migrarem pelo continente na sua migração de Primavera – e fizeram descobertas surpreendentes. Entre elas o facto de que os morcegos “surfam” as frentes quentes das tempestades para voar mais longe gastando menos energia.
Para esta investigação, a equipa capturou os 71 morcegos nas zonas de Kreuzlingen e Frauenfeld, na Suíça, junto à fronteira com a Alemanha. “Tínhamos várias caixas penduradas de árvores que os morcegos usavam como locais para hibernar e também havia um local usado como stopover numa central de tratamento de águas residuais onde os morcegos apenas apareciam durante a época das migrações”, contou Hurme.
Os investigadores estudaram uma parte da migração total dos morcegos-arborícolas-grandes, que se estima ser de cerca de 1600 quilómetros. Tudo graças a minúsculos aparelhos que pesam apenas 5% da massa corporal total do morcego. Esses aparelhos incluem múltiplos sensores que registam os níveis de actividade dos morcegos e a temperatura do ar que os rodeia. “Estes aparelhos transmitem informação onde quer que os morcegos se encontrem porque têm uma cobertura por toda a Europa, à semelhança de uma rede de telemóveis”, explicou o investigador Timm Wild, que liderou o desenvolvimento do aparelho ICARUS-TinyFoxBatt.
Todas as Primaveras durante três anos, a equipa colocou estes aparelhos nos 71 morcegos-arborícolas-grandes, focando-se exclusivamente nas fêmeas, que são mais migradoras do que os machos. As fêmeas passam os verões no Norte da Europa e os invernos em várias localizações a Sul, onde hibernam até à Primavera. Em Portugal, esta espécie é considerada rara e surge apenas nos meses mais frios do ano, não sendo conhecidas colónias de reprodução.
Os minúsculos aparelhos foram colocados com colares presos ao pêlo dos morcegos com um fio muito fino ou com cola.
Os aparelhos recolheram dados durante quatro semanas, durante a migração dos morcegos de volta para Norte, revelando trajectórias bem mais variáveis do que o que se pensava. “Não há nenhum corredor migratório”, comentou, em comunicado, Dina Dechmann, também do MPI-AB. “Tínhamos assumido que os morcegos estavam a seguir um caminho único mas agora vemos que eles estão a movimentar-se por toda a paisagem, tomando uma direcção geral que os leva para Norte”, acrescentou.
Os cientistas também separaram os voos que os morcegos faziam para se alimentar dos voos migratórios, muito mais longos. Descobriram que os morcegos-arborícolas-grandes podem migrar quase 400 quilómetros numa única noite, quebrando o recorde conhecido para esta espécie. Os morcegos alternam os seus voos migratórios com paragens frequentes, talvez porque precisam de se alimentar continuamente. “Ao contrário das aves migradoras, os morcegos não ganham peso em preparação para a migração”, explicou Dechmann. “Eles precisam de reabastecer todas as noites, por isso a sua migração não é feita de uma só vez.”
Aproveitar as tempestades
Depois, os investigadores detectaram um padrão. “Em algumas noites, vimos uma explosão de partidas que pareciam fogos de artifício de morcegos”, contou Hurme. “Precisávamos de descobrir porque os morcegos faziam isso em noites particulares.”
Os cientistas descobriram que essas vagas migratórias podem ser explicadas por alterações climatéricas. Os morcegos partiam em noites onde a pressão do ar caía e a temperatura subia; em outras palavras, os morcegos partiam mesmo antes da chegada de tempestades. “Eles ‘cavalgavam’ as tempestades, usando a força dos ventos”, disse Hurme.
Os aparelhos permitiram saber que os morcegos usaram menos energia a voar nessas noites, confirmando que os pequenos mamíferos estavam a aproveitar a energia do ambiente para os seus voos continentais.
Segundo disse Hurme à Wilder, a principal conclusão deste trabalho foi “conseguir mostrar que é a alteração das condições climatéricas, e não as condições per si, que os morcegos usam. Não é uma determinada temperatura ou pressão atmosférica mas a alteração que cria as condições que os morcegos aproveitam”.
Hurme considera que a parte mais desafiante e difícil deste trabalho foi encontrar um sensor que pudesse enviar informação útil de um morcego pequeno. “A maioria dos sensores assim tão pequenos têm de ser seguidos activamente, normalmente através de radiotransmissores que também usámos no passado. Isto quer dizer que apenas podemos seguir um indivíduo de cada vez apenas em distâncias curtas.”
Estes sensores são minúsculos, apenas 1.2 gramas, mas têm uma bateria com uma duração de vida longa, de mais de um mês. Frequentemente caem dos morcegos bem antes de terem esgotado a bateria. Além disso, recordou o investigador, “os morcegos são nocturnos, por isso as soluções a energia solar não funcionam”.
Outra vantagem destes sensores é que os investigadores podem receber os dados remotamente através da Internet das coisas. “Isto é fantástico porque não precisamos de construir uma rede de receptores, não temos de lidar com o problema dos animais a atravessar fronteiras (algo que, muitas vezes, causa problemas com os sensores que usam cartões SIM, por exemplo) e não temos de saber onde está o animal, para o recapturar.”
Os morcegos migradores de longas distâncias enfrentam várias ameaças. “As mortes pelas turbinas eólicas é um enorme problema para os morcegos. A estimativa para o morcego-arborícolas-grande é de 100.000 animais por ano só na Alemanha!”
As implicações destas descobertas ultrapassam o conhecimento sobre este comportamento pouco estudado. Os morcegos migradores estão ameaçados pela actividade humana, em particular pelas turbinas eólicas contra as quais colidem. Se soubermos por onde os morcegos irão migrar será possível evitar mortes.
“Antes deste estudo não sabíamos o que despoletava os morcegos para começar a migrar”, disse Hurme. “Mais estudos como este irão ajudar a conceber um sistema de previsão da migração dos morcegos. Podemos ajudar os parques eólicos a desligar as suas turbinas em noites de migração de morcegos.”
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