O regresso dos grandes animais à Europa, como o urso-pardo, depende de levarmos mais a sério a conservação nos espaços naturais protegidos, disse o investigador à Wilder.
WILDER: Na semana passada foi confirmada a ocorrência de urso-pardo em Portugal pela primeira vez desde 1843. Qual o significado desta notícia?
Miguel B. Araújo: Significa, primordialmente, que as políticas de gestão de urso-pardo em Espanha estão a dar os seus frutos e que a espécie, depois de namorar com a extinção local, está a expandir-se fora dos últimos redutos populacionais que tinha na cordilheira cantábrica.
W: Que condições seriam necessárias para o regresso do urso-pardo enquanto reprodutor a Portugal?
Miguel B. Araújo: Os ursos requerem áreas de grandes dimensões com baixa ou muito baixa densidade populacional. Não só porque evitam os seres humanos mas também porque a convivência destes grandes omnívoros com as populações humanas e com o gado é facilitada quando estes últimos são escassos em número. Portanto, o estabelecimento de populações reprodutoras de ursos requereria uma política ativa de rewilding em algumas porções estratégicas do território.
W: E qual tem sido, na sua opinião, a evolução do conceito rewilding em Portugal na última década?
Miguel B. Araújo: O termo rewilding quer dizer coisas diferentes para pessoas diferentes. Para mim implica libertar grandes áreas do território para que os processos naturais se restabeleçam e prevaleçam sobre a gestão económica do território. Quando me refiro a grandes áreas refiro-me a áreas contíguas de, pelo menos, 100.000 hectares. Para outras pessoas, rewilding é simplesmente a naturalização de algumas áreas do território, independentemente da sua dimensão, e introdução (ou criação de condições para a colonização natural) de animais de grande porte atualmente ausentes. O primeiro conceito, que julgo ser o mais coerente, ainda está longe de ocorrer em Portugal. O segundo já é realidade em várias localidades do país.
W: De que forma este regresso do urso-pardo será travado pelas alterações climáticas actuais e previstas para a Península Ibérica?
Miguel B. Araújo: A metade norte da Península Ibérica continua adequada para os ursos, mesmo em cenários de aquecimento global para o final do século. Basta considerar que a distribuição histórica desta espécie se estendia a sul do Tejo, pelo menos, até à Serra de Portel. Ainda assim, é provável que as densidades populacionais fossem menores na metade sul em relação à metade norte da Península Ibérica.
W: As alterações climáticas são apenas uma das explicações para a crise da biodiversidade. À luz do recente relatório do IPBES, que acções serão necessárias para travar a perda de espécies e para trazer de volta os grandes animais?
Miguel B. Araújo: Os grandes animais foram os primeiros a ser afetados pela expansão dos seres humanos e das suas atividades. Por exemplo, a grande extinção da mega-fauna (>43 kg) esteve associada à colonização dos continentes por parte de Homo sapiens. Ainda hoje as listas de espécies ameaçadas da IUCN (União Internacional para a Conservação da Natureza) estão dominadas por espécies de grande e médio porte. No entanto, a crise contemporânea da biodiversidade chama a atenção por começar a afetar os pequenos animais, como é o caso dos anfíbios e insetos. Travar estas perdas implica a adoção de políticas ativas no domínio das atividades primárias, floresta e agricultura, mas também de conservação da natureza. Essencialmente, precisamos levar mais a sério a conservação de espaços naturais protegidos.
Miguel B. Araújo é investigador do CIBIO-InBIO na Universidade de Évora e investigador no Museu de Ciências Naturais do CSIC (Conselho Superior espanhol de Investigação Científica). É docente na Universidade de Copenhaga. Em 2018, o Prémio Pessoa distinguiu este cientista pelo seu trabalho sobre alterações climáticas e biodiversidade.