Com um raro empate na votação de hoje sobre o projecto de Lei de Restauro da Natureza, para reparar os danos causados à natureza até 2050, os deputados do Parlamento Europeu rejeitaram uma força de bloqueio para travar esta lei.
A votação de hoje em Estrasburgo era considerada um enorme obstáculo para o restauro da natureza.
Liderados principalmente pelo Partido Popular Europeu (EPP) e seu presidente, o eurodeputado alemão Manfred Weber, os conservadores lançaram uma cruzada contra a lei. Mas hoje, num empate raro, a proposta de lei conseguiu passar à fase seguinte, com 44 votos a favor e 44 votos contra.
Em causa estão objectivos juridicamente vinculativos que os Estados membros terão de cumprir para restaurar 80% dos habitats em mau estado e recuperar a natureza de todos os ecossistemas, desde as terras agrícolas, às florestas e aos mares.
A natureza europeia está num estado de deterioração alarmante. Mais de 80% dos seus habitats estão em mau estado. As zonas húmidas, as turfeiras e os habitats de dunas estão entre os mais afectados. Além disso, 71% das populações de peixes e 60% das populações de anfíbios diminuíram na última década.
A proposta de Lei de Restauro da Natureza para a Europa foi aprovada pela Comissão Europeia há um ano, em Junho de 2022.
Os deputados do Parlamento Europeu (MEP) da Comissão de Ambiente, Saúde Pública e Segurança Alimentar começaram o árduo processo de voto de mais de 200 páginas de propostas de alteração à lei, mas o calendário apertado em Estrasburgo ditou que o voto em várias propostas de alteração, bem como o voto no relatório final fosse adiado para dia 27 de junho, em Bruxelas.
“Hoje, os membros da Comissão de Ambiente deram um primeiro passo para restaurar a vida marinha e os ecossistemas em toda a Europa”, comentou Tatiana Nuno, Responsável pelas Políticas Marinhas da Seas At Risk. “A Lei de Restauro da Natureza é fundamental para combater as alterações climáticas, proteger a biodiversidade e assegurar o futuro dos pescadores europeus. Louvamos o facto dos MEP terem rejeitado as tentativas de abater a lei antes de ela chegar à sessão plenária.”
Para Gonçalo Carvalho, coordenador executivo da Sciaena, “o voto de hoje foi uma prova de que a democracia deve ser feita de diálogo e consenso e não de posições polarizadas”.
“Os eurodeputados querem continuar a discutir a Lei do Restauro da Natureza e isso prova que há uma visão que humanidade e natureza podem coexistir de forma mais harmoniosa. Teremos que esperar pelo voto de dia 27 de junho para perceber se as nossas preocupações em termos de conservação marinha foram aceites pelos eurodeputados. Mas hoje a democracia ganhou e isso deve ser celebrado.”
Nesta segunda-feira, directores-executivos de 50 empresas – incluindo a Ikea, Nestlé, Inditex e H&M – publicaram uma carta aberta de apoio à Lei de Restauro da Natureza, defendendo que proteger a natureza é crucial para o bom funcionamento da economia.
O que está em cima da mesa
A 22 de Junho de 2022, a Comissão Europeia propôs a primeira legislação da história a propor explicitamente restaurar a natureza da Europa.
O objectivo é que as medidas de restauro da natureza alcancem, pelo menos, 20% das zonas terrestres e marítimas da União Europeia (UE) até 2030 e se estendam a todos os ecossistemas que precisem de ser restaurados até 2050.
O restauro será conseguido através de técnicas de renaturalização, reflorestação, enverdecimento das cidades e eliminação da contaminação para permitir a recuperação da natureza.
Entre os objectivos estão o travar da diminuição dos polinizadores até 2030 e o seu aumento a partir desse ano; o travar da perda de espaços verdes urbanos até 2030, o aumento de 5% até 2050, o coberto mínimo de árvores de 10% em todas as cidades e o aumento de espaços verdes integrados em edifícios e infra-estruturas; o aumento da biodiversidade nos ecossistemas agrícolas (em especial as borboletas e as aves); aumento geral da biodiversidade nas florestas; o restauro de habitats marinhos como as pradarias marinhas e o aumento de espécies como golfinhos, tubarões e aves marinhas; e eliminação das barreiras fluviais para que, pelo menos, 25.000 quilómetros de rios passem a ser rios de caudal livre até 2030.
Para alcançar estes objectivos, a Lei exigirá aos Estados membros a elaboração de planos nacionais de restauro, em estreita colaboração com investigadores, as partes interessadas e os cidadãos. E imporá normas específicas quanto ao acompanhamento, avaliação, planificação, apresentação de relatórios e execução.