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Investigadora Ana Sofia Reboleira, em trabalho de campo com águas subterrâneas. Foto: DR

Investigadores europeus pedem a Bruxelas que proteja a água e a vida subterrâneas

06.12.2024

Mais de meia centena de cientistas lançaram apelo num texto publicado pela Science, dois dias depois do Parlamento Europeu dar luz verde para a revisão das normas de avaliação da qualidade da água.

O mundo subterrâneo esconde um valor frequentemente subestimado, numa acepção que parece não ter, por exemplo, em conta o seu papel vital no armazenamento de água potável e inerente contributo para o abastecimento deste recurso há muito dado por garantido, ou a riqueza e singularidade das espécies que alberga.

Aproveitando o aval do Parlamento Europeu para colmatar lacunas na legislação em vigor, uma equipa internacional de 56 cientistas integrados no projeto Biodiversa+ DarCo publicou esta quinta-feira, na revista Science, um apelo para que os ecossistemas subterrâneos e a sua biodiversidade não sejam, uma vez mais, esquecidos. Os autores foram liderados por Tiziana Di Lorenzo, investigadora do CE3C – Centro de Ecologia, Evolução e Alterações Ambientais da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa e do Conselho Nacional de Investigação Italiano.

Ao contrário das massas de água superficiais, controladas regularmente do ponto de vista físico-químico e biológico, a água subterrânea padece de uma desatenção alarmante. A limitação da avaliação da sua qualidade a parâmetros físico-químicos ignora a informação que a componente ecológica pode dar acerca da saúde deste recurso natural.

Águas subterrâneas numa gruta em Portugal. Foto: Francisco Rasteiro/Núcleo de Espeleologia da Costa Azul

Para a investigadora, “o impacto da utilização de contaminantes [como os pesticidas], que se infiltram no solo e se acumulam nos aquíferos, não é compreendido no seu todo se forem deixados de lado levantamentos regulares da fauna subterrânea, adaptada e exclusiva destes ecossistemas e extremamente sensível às ameaças que enfrentam”.

A análise e comparação dos dados entre cada levantamento pode revelar o trajeto que a massa de água e o habitat estão a trilhar: rumo à degradação, resiliente face às pressões exercidas, ou em bom estado de conservação. Este é um exemplo claro da subjetividade de que a legislação atual padece e do que pode ser agora melhorado durante a vigência da Polónia na Presidência do Conselho da União Europeia já no próximo ano, considera o grupo de cientistas.

“A biodiversidade das águas subterrâneas, que inclui animais, fungos e microorganismos únicos e especializados, tem um papel primordial na manutenção da qualidade da água”, diz por sua vez Ana Sofia Reboleira, investigadora do CE3C que se especializou na fauna subterrânea, e que também assina o mesmo artigo. “É debaixo de terra que temos 97% das reservas totais de água disponível para o consumo humano imediato e é a sua biodiversidade que recicla os nutrientes e contaminantes que chegam a estas reservas estratégicas para o futuro da humanidade. É vital acautelar a sua proteção com medidas específicas”, refere a também professora da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa.

Um dos problemas que mais preocupa este grupo de cientistas é o da poluição das águas subterrâneas, uma vez que os produtos que as contaminam são conduzidos até aos rios e lagos e acabam por alcançar o mar, devido ao ciclo da água. Durante todo este caminho, explica uma nota de imprensa divulgada pelo CE3C, vão-se somando os impactos desses contaminantes.

“Olhar definitivamente para a proteção do subsolo permitirá assegurar que os esforços existentes à superfície, na salvaguarda do que mais facilmente vemos, sejam mais eficazes e eficientes face ao investimento que cativam”, sublinha o documento.

Inês Sequeira

Foi com a vontade de decifrar o que me rodeia e de “traduzir” o mundo que me formei como jornalista e que estou, desde 2022, a fazer um mestrado em Comunicação de Ciência pela Universidade Nova. Comecei a trabalhar em 1998 na secção de Economia do jornal Público, onde estive 14 anos. Fui também colaboradora do Jornal de Negócios e da Lusa. Juntamente com a Helena Geraldes e a Joana Bourgard, ajudei em 2015 a fundar a Wilder, onde finalmente me sinto como “peixe na água”. Aqui escrevo sobre plantas, animais, espécies comuns e raras, descobertas científicas, projectos de conservação, políticas ambientais e pessoas apaixonadas por natureza. Aprendo e partilho algo novo todos os dias.

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