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Há cada vez mais águias no Alentejo. E muitas estão a mudar o ninho para as árvores

23.03.2022
Águia-imperial. Foto: Jose Pesquero/LIFE Imperial

O aumento das populações de águia-de-Bonelli, águia-real e águia-imperial-ibérica foi anunciado pelo Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas, que explica porque estão estas aves a atravessar um bom momento na região alentejana.

As populações de águia-de-Bonelli (Aquila fasciata) no Alentejo mais do que duplicaram no espaço de 15 anos, com um aumento de 140%, passando de 27 casais em 2005 para cerca de 65 casais em 2020. Estes dados constam de um relatório do Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF), que inclui outras aves de rapina emblemáticas em Portugal: a águia-real e a águia-imperial-ibérica.

E desde 2020 para cá, a situação continua a melhorar, indicou Carlos Carrapato, do ICNF, durante uma apresentação pública do relatório realizada online esta quarta-feira. Em 2022, adiantou, espera-se que estejam presentes no Alentejo “pelo menos 75 casais reprodutores de águia-de-Bonelli” – mais dez do que o número registado há dois anos. “A espécie tem vindo a ganhar mais territórios e a ocupar mais quadrículas do que em 2020.”

águia-perdigueira, de frente
Águia-de-bonelli, também conhecida como águia-perdigueira. Foto: Paco Gómez/Wiki Commons

Esta ave ocupava cerca de 19.400 quilómetros quadrados em solo alentejano, em 2020, ano em que a área de distribuição se estendia já do Alentejo Interior ao Litoral.

A águia-de-Bonelli é também chamada de águia-perdigueira porque caça outras aves enquanto voa para se alimentar, como é o caso dos pombos e das perdizes. É uma rapina de grande porte, com 55 a 65 centímetros de comprimento e uma envergadura de asas entre os 1,45 e os 1,65 metros.

Há quase 20 anos que está classificada como Em Perigo de extinção em Portugal, desde que em 2005 foi publicado o Livro Vermelho dos Vertebrados, actualmente em revisão. Desde então tem sido alvo de vários projectos de conservação, como o “LIFE Bonelli-Conservação das Populações Arborícolas de Águia de Bonelli no Sul de Portugal” (2007-2010), quando foram contados 47 casais no Alentejo, e o LIFE Rupis (2015-2019) que decorreu no Douro Internacional, dos dois lados da fronteira.

Águia-de-Bonelli. Foto: Artemy Voikhansky

Mas quais são os motivos para o sucesso desta águia? Por um lado, explicou Carlos Carrapato, tem adaptado os locais onde faz ninho à realidade do território alentejano. Assim, em vez de nidificar em escarpas como é mais comum e como acontece por exemplo no Douro Internacional, opta nesta região de planícies por grandes árvores como os eucaliptos.

Por outro lado, o facto de haver muitas presas disponíveis ajuda a que nasçam mais crias – numa média de 1,5 a 1,7 novas aves por casal – havendo mesmo alguns ninhos com três pequenas águias. “Tivemos registo de dois casais que reproduziram três crias voadoras, cada um, em dois anos consecutivos”, exemplificou.

Águias-reais surpreendem

A mesma capacidade de adaptação tem sido mostrada pela águia-real (Aquila chrysaetos), que também está a aproveitar o aumento de presas. Devido à falta de ravinas no Alentejo, os novos casais têm também optado pelas árvores de grande porte, o que permitiu que aumentasse a área pela qual se distribuem. Contas feitas, “contabilizou-se que cerca de 50% desta população [no Alentejo] é arborícola.”

Foto: Juan Lacruz / Wiki Commons

“A grande surpresa da águia-real é o reconquistar das populações em direcção ao Algarve”, salientou Carlos Carrapato durante a apresentação do relatório. Aliás, o limite sul de distribuição está agora na fronteira entre as regiões alentejana e algarvia.

Estima-se que no Alentejo haverá neste momento 11 casais desta que é a maior águia de Portugal, com uma envergadura de asas que pode chegar aos 2,25 metros. A nível nacional, é considerada Em Perigo de extinção, segundo o Livro Vermelho dos Vertebrados de 2005.

De acordo com o relatório do ICNF, em 2020 tinham sido contados 10 casais desta espécie “com uma produtividade considerável, de 1,6 crias por casal, apesar de alguns constrangimentos ao nível do tempo durante o período reprodutor”. Nesse ano, a área de distribuição na região alentejana era de quase 5.600 quilómetros quadrados. Entre 2002 e 2004, embora as contagens não tivessem ainda sido realizadas “de forma metódica”, tinham-se contado nove casais.

Águia-imperial-ibérica, a “verdadeira águia das estepes”

Já as populações de águia-imperial-ibérica (Aquila adalberti), indica o mesmo documento, registaram em três anos um crescimento de 60%: passaram de 13 casais reprodutores em 2017 para 21 casais em 2020, com cerca de 20 crias voadoras.

Águia-imperial. Foto: Jose Pesquero/LIFE Imperial

Entretanto, “houve mais dois casais detectados nas últimas passagens de avaliação”, o que faz subir o total para 23 casais, indicou Carlos Carrapato, que chama à águia-imperial-ibérica a “verdadeira águia das estepes”.

Depois de ter desaparecido de território nacional nos anos 80 enquanto ave reprodutora, esta águia endémica da Península Ibérica voltou a reproduzir-se no país em 2003, no Tejo Internacional, e três anos depois no Alentejo. Em 2005, foi classificada como Criticamente em Perigo de extinção.

Segundo o relatório do ICNF, “em Portugal, actualmente, [a águia-imperial-ibérica] nidifica de forma muito localizada, com particular destaque para a região do Alentejo, onde encontra áreas florestais extensas e calmas, junto a áreas de cerealicultura extensiva, importantes para a procura de alimento”. A importância “inquestionável” das “grandes estepes” de Castro Verde e do Vale do Guadiana para este espécie tem sido confirmada pelos movimentos de vários juvenis seguidos através de emissores GPS.

Com quatro crias nalguns ninhos – um número que não é estranho para estas aves – esses números reforçam no entanto o facto de haver muito alimento disponível no Alentejo, notou Carlos Carrapato, que sublinhou o contributo dado por várias parcerias e projectos realizados nos últimos dez anos, como foi o caso do LIFE Imperial. Em causa estão por exemplo as medidas tomadas para aumento do coelho-bravo, a principal presa desta águia: instalaram-se tocas artificiais e pontos de água e fizeram-se sementeiras de plantas para este mamífero.

Foto: Jose Pesquero/Life Imperial

Em contrapartida, estas águias continuam a debater-se com o problema da fragilidade dos ninhos: construídos no topo de grandes árvores, aumentam de peso devido à chuva e por vezes acabam por se partir com o vento. Apesar de tudo, a espécie mostra uma “capacidade assinalável” de realizar posturas de substituição, com vários casais que voltaram a reproduzir-se no final de Maio depois de perderem os ninhos.

Outro factor negativo: “alguma pressão humana” ligada à observação de aves e à fotografia de natureza, uma vez que se trata de uma ave muito sensível, explicou o responsável do ICNF. “Pode acontecer que devido à perturbação humana, a fêmea não consiga levar alimento até ao ninho, embora este esteja disponível, e as crias no ninho acabam por se atacar umas às outras.”

Contas feitas, quanto às medidas de conservação dos últimos anos, “os resultados estão à vista”, sublinhou. “Se há coisas que fazem bem, neste caso estão a fazer-se bem.”

Venenos, caça, agricultura intensiva e energias renováveis

Mas nem tudo foi ainda ultrapassado. Questionado sobre o problema dos venenos para estas três espécies, Carlos Carrapato confirmou que a colocação de iscos com produtos tóxicos continua a ser uma ameaça.

Já a actividade cinegética tem demonstrado efeitos contraditórios. Por um lado, dá um “forte contributo” para o aumento destas aves de rapina: “Acho que não teríamos este número de casais no Alentejo se não fosse a gestão e o ordenamento cinegéticos”, disse. Por outro lado, a caça “também é um factor de pressão sobre várias espécies, nomeadamente a águia-imperial”: “Temos neste momento em recuperação uma águia-imperial-ibérica internada, com 14 bagos de chumbo”, apontou.

E quanto à agricultura intensiva que tem vindo a aumentar na região alentejana, em especial olivais e amendoais? Carlos Carrapato indicou que pode ser mais negativa para a águia-real e a águia-imperial-ibérica, que têm mais dificuldades para encontrar alimento nessas áreas com pouco espaço entre as árvores. Por outro lado, será importante que se deixem “ficar as árvores mais altas”, para facilitar a nidificação.

Questionado também sobre os mega-projectos de energia eólica e solar planeados para o Alentejo, Carrapato acredita que é possível compatibilizar esses parques com estas três espécies, desde que se tomem as medidas necessárias. “É claro que se forem manchas [de painéis solares] que não deixam sequer uma planta sair, isso não vai funcionar”, afirmou, sublinhando que “com conta peso e medida” poderá ser viável a convivência dessas aves com as energias renováveis.

Os dados divulgados esta semana pelo ICNF foram recolhidos no âmbito do projecto luso-espanhol Biotrans, que tem como objectivo trabalhar para a conservação de várias espécies dos dois lados da fronteira.

Comparticipado por fundos comunitários e coordenado pela Direcção Geral de Sustentabilidade da Junta espanhola de Extremadura, este projecto integra, além do ICNF, a ‘Diputación de Badajoz’, a Universidade de Évora, a ‘Fundación CBD para la Conservación de la Biodiversidad y su Hábitat’ e a portuguesa Quercus – Associação Nacional para a Conservação da Natureza. 


Saiba mais.

Pode consultar aqui o relatório do ICNF sobre “A situação de referência das populações de águia-imperial-ibérica, águia-real e águia de Bonelli”.

Inês Sequeira

Foi com a vontade de decifrar o que me rodeia e de “traduzir” o mundo que me formei como jornalista e que estou, desde 2022, a fazer um mestrado em Comunicação de Ciência pela Universidade Nova. Comecei a trabalhar em 1998 na secção de Economia do jornal Público, onde estive 14 anos. Fui também colaboradora do Jornal de Negócios e da Lusa. Juntamente com a Helena Geraldes e a Joana Bourgard, ajudei em 2015 a fundar a Wilder, onde finalmente me sinto como “peixe na água”. Aqui escrevo sobre plantas, animais, espécies comuns e raras, descobertas científicas, projectos de conservação, políticas ambientais e pessoas apaixonadas por natureza. Aprendo e partilho algo novo todos os dias.

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