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Francisco Ferreira. Foto: D.R.

Francisco Ferreira: “O Barroso não é o sítio adequado para ir buscar lítio, pelos impactes ambientais”

11.08.2023

A mineração de lítio em Covas do Barroso (Boticas, Vila Real) continua a originar discórdia entre a população local e a empresa mineira. Francisco Ferreira sublinha a importância de ponderar os custos e benefícios associados à exploração deste metal. O presidente da ZERO – Associação Sistema Terrestre Sustentável reflete ainda sobre os desafios da sustentabilidade, como a escassez de recursos naturais, o acelerado crescimento populacional e a necessidade incontornável de adaptação climática.

WILDER: Tem a sua formação académica em Engenharia do Ambiente e um vasto conjunto de estudos publicados neste âmbito. É ainda uma figura ativa na defesa dos valores da sustentabilidade. Considera-se um ativista cientista?

Francisco Ferreira: Acho que sim, até porque é impossível termos aqui duas realidades diferentes. Porém, uma coisa é eu ter conhecimento científico e utilizar apenas os canais académicos para o divulgar, outra é tomar uma posição mais ativa face a esses dados. E é insuficiente para mim que aquilo que sei da Ciência fique só no domínio da investigação, sem se refletir depois na sociedade. O principal papel do cientista é, precisamente, explorar os conhecimentos científicos e usá-los em prol do bem comum. E ambas as áreas vencem, alargam-se os horizontes em termos do trabalho na universidade, enquanto na componente mais ativista não nos deixamos desviar daquilo que são os valores e dados científicos que conhecemos.

W: Com o recente aumento exponencial do número de ativistas climáticos, como é que perspetiva a diferença entre ser um ativista cientista e um ativista não-cientista?

Francisco Ferreira: Toda a intervenção é absolutamente necessária e crucial. Não há uns melhores do que outros. Há sim formas diferentes de intervir. Acredito que a maioria dos ativistas vai, efetivamente, buscar grande parte da sua informação à Ciência. Mas há também determinadas exigências que não são consistentes com aquilo que temos da Ciência.

W: Pode dar um exemplo dessas exigências?

Francisco Ferreira: Eu ter 100% de eletricidade renovável em 2025 e não ter combustíveis fósseis em 2030. Isto é complicado, até do ponto de vista social, porque significa que em 2030 não podemos ter carros a combustão. Não sei se a sociedade consegue transformar-se para esse objetivo nestes anos. A mesma coisa para inúmeras indústrias que usam os combustíveis fósseis. Há muitas questões do ponto de vista técnico e do investimento que nos fazem perceber que aquelas metas são quase impossíveis. Mas são metas desejáveis. E se eu não puser essa meta em 2025, se não falar dela e não procurar forçá-la, nunca mais a vou ter.

W: É professor no Departamento de Ciências e Engenharia do Ambiente da NOVA-FCT. Encontra estudantes que aspirem seguir uma carreira ligada ao ativismo climático?

Francisco Ferreira: Sim, vários dos meus alunos estão envolvidos. Mesmo aqueles que não participam nas manifestações e que não estão a ocupar escolas, o que é facto é que estão em Engenharia do Ambiente, porque sentem que têm uma missão, sentem que têm de fazer parte da mudança para a qual aquela formação vai ser decisiva.

W: Tem notado, ou não, diferenças ao longo das gerações de estudantes da ciência do Ambiente e de ativistas?

Francisco Ferreira: Sim, penso que este tipo de alunos que temos agora são, na maioria dos casos, mais atentos e sensibilizados, com maior sentido de urgência do que os alunos que tínhamos há mais tempo. A comunicação social, as redes sociais, os livros que lêem e as opções que fazem no 12º ano dão-lhes esta ideia e oportunidade de terem um papel mais relevante para a sua satisfação pessoal e social.

W: Ao mesmo tempo que a agenda climática tem assumido preponderância, aumentam os discursos do negacionismo climático. Já se viu pessoalmente confrontado com argumentação negacionista? 

Francisco Ferreira: Já, muitas vezes, quer privadamente (por mails que recebo e comentários nas redes sociais), quer publicamente. Sinceramente, acho que vivemos num país excelente, porque falo com colegas de outras zonas do mundo onde esse negacionismo está muito mais presente. Os próprios dados do Eurobarómetro mostram que Portugal é um país onde as pessoas são sensíveis às questões ambientais. Não há propriamente um mar de gente que ponha em causa a existência das alterações climáticas. De vez em quando põem em causa o papel do Homem, mas nem isso ultimamente tem estado presente. O negacionismo climático também tem os seus aspetos positivos porque, tal como na Ciência, nos obriga a questionar, a responder, a ter argumentos válidos, a não dizer que é assim apenas porque sim. Mas esse tipo de linha não tem feito parte daquilo que tem sido a minha vivência e a de outros colegas.

W: Que forma assumem essas interações que recebe por emails ou em comentários?

Francisco Ferreira: São sobretudo ideias libertadas à escala internacional. Um dos mais recentes é: “Bem o gelo no Ártico aumentou, [ou] o degelo diminuiu do ano passado para este ano. Como é que é possível estarmos a falar de alterações climáticas?” Um bocado como o anterior Presidente norte-americano (Donald) Trump que, numa altura em que os EUA estavam com um nevão enorme, dizia “Como é que ainda acreditam nas alterações climáticas?” Isto é um argumento muito pouco válido, porque as alterações climáticas são à escala de 30 anos. Tenho de olhar não para um ano isoladamente mas para uma tendência de anos e décadas. 

W: A ZERO, organização ambientalista à qual preside, tem alertado para as práticas de greenwashing ou ecobranqueamento. O tema tem ou não visibilidade pública?

Francisco Ferreira: Talvez não perante toda a sociedade mas faz parte, sem dúvida, das preocupações das empresas. Aliás são elas que, por vezes, têm mentido ou pelo menos exagerado o cumprimento das metas de sustentabilidade. Acredito que algumas o façam sem noção, por falta de rigor, mas na maior parte dos casos as empresas sabem-no. Felizmente, com aquilo que tem surgido na comunicação social, as empresas estão a ficar extremamente cuidadosas. E é muito importante ter as empresas atentas, mas também o Estado. A Comissão Europeia até já está a legislar sobre isso.

W: A propósito da exploração mineira de lítio no Barroso, a ZERO sublinhou a falsidade da ideia de green mining, ou mineração verde, mas reconheceu a importância do lítio para a eletrificação das sociedades e a transição energética. Como deve ser gerido este equilíbrio?

Francisco Ferreira: É muito complicado. Somos da opinião que o Barroso não é o sítio adequado para ir buscar esse lítio, pelos impactes ambientais. Mas não dizemos que não haja sítios em Portugal onde essa exploração é possível. É realmente um dilema grande, porque não há soluções verdes. O que nós queremos são soluções que minimizem o impacte ambiental. Neste momento, reconhecemos que o lítio é um elemento importante, mas isso não significa que continue a ser. Portanto, na nossa perspetiva, não faz sentido estar-se a fazer pedreiras em tudo o que é sítio, quando daqui a poucos anos pode surgir outra opção melhor e mais barata. Por outro lado, claro que enquanto não temos essa alternativa, faz sentido, mas nos locais onde os impactes negativos sejam minimizados tanto quanto possível. Isso não é o caso do Barroso. Temos também de nos lembrar que o lítio e outros metais estão a ser minados fora da União Europeia, com condições de trabalho e impactes ambientais muito piores do que os que temos cá.

W: E Portugal pode ter a maior reserva de lítio da Europa.

Francisco Ferreira: Sim, tudo aponta para que seja entre nós e a Alemanha. Acho que nós temos de ter um fair-share, uma partilha justa daquilo que temos. Há também uma série de circunstâncias em que estamos a fazer apostas muito grandes para um futuro próximo, no sentido de desenvolver mercados fundamentais à escala da descarbonização. Por exemplo, o hidrogénio podia, se calhar, levar-nos a ter uma indústria em Portugal a utilizar a 100% esse hidrogénio. Mas a ideia não é essa, é exportar, o que não é estruturante. E porque é que não temos uma fábrica de baterias de lítio em Portugal? Vamos tirar o lítio das serras para o refinar um bocadinho, mas depois enviá-lo para as outras fábricas de bateria, e aí é que vamos ter um valor acrescentado? É o que aconteceu a certa altura com a cortiça.

W: Em 2019, a ONU previa que a população da Índia ultrapassasse a da China apenas em 2027, mas tal terá já acontecido em abril de 2023. O que significa este acelerado crescimento da população mundial para os objetivos da sustentabilidade?

Francisco Ferreira: Diria que é um drama. E ainda temos África, com uma população crescente, que também vai ter o seu protagonismo mais tarde. A questão é que tenho uma quantidade de recursos finita, que o planeta é capaz de renovar, mas se eu tiver cada vez mais pessoas, obviamente esses recursos continuam a ser os mesmos, e tenho de os repartir por mais gente. Têm de ser bem distribuídos. A Índia vive num contexto de pobreza muitíssimo maior do que a China, num estado de desenvolvimento económico e social bastante inferior. Acaba por ser um desafio ainda maior, porque tenho pessoas que precisam de melhorar, e muito, a sua qualidade de vida. E continuo, quer na Índia quer em muitos outros países, com uma grande desigualdade social. Aliás, há diferenças dramáticas dentro dos próprios países e entre países. Acho que temos de trabalhar aqui nas duas linhas. Por um lado, garantir uma maior equidade e, ao mesmo tempo, garantir o controlo desse crescimento populacional face à escassez de recursos à escala planetária. 

W: No final de março, o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos analisou, pela primeira vez, casos em que os governos são diretamente acusados de inação sobre as alterações climáticas, e outros se seguirão. O que pensa desta tendência de litigação climática?

Francisco Ferreira: Acho que é excelente. Aliás, a ZERO esteve ligada aos vários processos que têm surgido nas Nações Unidas, sem as quais acho que estaríamos muito pior. O multilateralismo à escala internacional é absolutamente crucial. Por exemplo, se eu for ver como é que se previa as emissões aumentarem em 2010, e como é que se prevê aumentarem hoje: em 2010 era 4,8°C, atualmente é entre 2,4°C e 2,8°C. É muito mesmo assim, porque não deveria ir acima de 1,5°C em relação à era pré-industrial. Mas 4,8°C é muito maior do que o intervalo de 2,4 a 2,8°C. Portanto, sem dúvida alguma, tenho de ter um obrigar dos Estados, que o Acordo de Paris e as convenções das Nações Unidas não têm conseguido fazer. Se ninguém cumprir, ninguém vai atrás deles, ficam só mal na fotografia. Mas a partir do momento em que há uma ação mais concertada do ponto de vista jurídico em relação a países que não estão a cumprir o que é necessário, começo a ganhar força em vários aspetos desta litigância. Portanto, acho que esse é um caminho fundamental a ter lugar, a par da pressão política, das manifestações e daquilo que são as ações de cada uma das componentes organizadas da sociedade civil.

W: Que apreciação faz da 6ª European Climate Change Adaptation Conference (18 a 21 de Junho), direcionada em especial para a resiliência climática?

Francisco Ferreira: É inevitável falarmos de adaptação climática. Confesso que gosto sempre de a deixar para segundo plano, apesar de não ser merecido, deviam estar ao mesmo plano – mitigação (ou seja, redução de emissões) e adaptação. Ponho a mitigação em maior relevo porque só conseguimos resolver o problema se realmente reduzirmos as emissões e, portanto, não tem sentido estar a gastar milhões em adaptação climática, se não trabalho na mitigação. Mas é inevitável falar em adaptação climática. E nós, em Portugal, vemos o que se está a passar com as secas. Estamos um bocadinho melhor nas zonas Centro e Norte, mas terríveis no Sul, no Sado, no Barlavento Algarvio, no Mira. O clima está em mudança e, portanto, temos de antecipar e ver, do ponto de vista da adaptação, o que é preciso fazer e passar à ação. Nós até já sabemos quais são as áreas mais afetadas, é o problema das ondas de calor, das cheias (vimos em Lisboa o problema de grandes precipitações), das secas e a subida do nível do mar. Em Portugal, diria que são praticamente estes quatro aquilo que é mais dramático a par de uma subida da temperatura média. Quanto mais antecipadamente agirmos, mais barato sai. Não é quando estivermos numa situação desesperada de seca, que vamos pedir às pessoas para poupar água. Nós temos é de poupar água para garantir que ela fique nos lençóis subterrâneos e nas albufeiras, para a podermos utilizar. Ou então desenvolver técnicas de dessalinização nos sítios mais críticos. A questão é olharmos para a eficiência da água numa prática de todos os dias, independentemente da seca ou não. É esta visão de longo prazo que é fundamental termos na adaptação climática. E começarmos a trabalhar cada vez mais cedo.


Entrevista realizada no âmbito da Unidade Curricular de Produção Jornalística, da Licenciatura em Ciências da Comunicação, na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa.

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