Uma equipa que incluiu investigadores portugueses encontrou diferenças importantes entre as cobras e outros répteis, na forma como descartavam dentes antigos, e confirmou que essas características já existiam no tempo dos dinossauros.
As cobras, tal como todos os répteis, substituem dentes antigos continuamente, muito mais do que os humanos, mas até recentemente ninguém sabia muito bem como é que isso acontece. Tanto em lagartos e crocodilos como nos mamíferos, à medida que os novos dentes se preparam para nascer, formam-se pequenos buracos no dentes mais antigos, que vão absorvendo o cálcio destes últimos e fazendo com que fiquem mais soltos. É o que acontece por exemplo com os “dentes de leite” nos humanos.
Ora, nas cobras, que têm muitos dentes de substituição aguardar pela sua vez dentro das gengivas, os investigadores nunca tinham encontrado esse mecanismo visível de absorção. Agora, uma equipa que estudava fósseis de espécies de cobras extintas já há milhões de anos, em busca de uma forma mais eficiente de as distinguir de outros répteis igualmente antigos, descobriu que os dentes das cobras são absorvidos a partir do seu interior, por umas células que se chamam odontoplastos. Este mecanismo, preservado nas mandíbulas dos fósseis, surge apenas nas cobras e não tem equivalente noutros animais do mesmo grupo, como os lagartos e os crocodilos.
Os resultados da investigação foram publicados em Fevereiro pela revista científica Nature Communications, num artigo que tem entre os seus sete co-autores dois cientistas ligados ao Instituto Superior Técnico, Manuel F. C. Pereira e Ricardo Araújo.
Numa publicação na qual descreve como decorreu o processo de pesquisa científica, o investigador que liderou a equipa, Aaron LeBlanc, conta que analisaram diversos fósseis. Na última fase da investigação decidiram recuar cada vez mais no tempo, “olhando para dentro dos dentes do fóssil de uma das cobras mais antigas do mundo”. Em causa estava a porção da mandíbula de “uma cobra muito mal conhecida” do período Jurássico, período ocorrido entre 201 e 145 milhões de anos atrás, quando os dinossauros dominavam o planeta.
A espécie Portugalophis lignites terá vivido numa altura em que as cobras não tinham ainda perdido os membros da frente, embora até hoje não tenha sido encontrado um fóssil completo que o confirme, acrescenta este paleontólogo e histologista (especialista em anatomia microscópica) que estuda a evolução e desenvolvimento dos dentes, ligado ao King’s College London.
Também neste caso da Portugalophis, através de um exame de tomografia computorizada (TAC), a equipa conseguiu encontrar as mesmas marcas já observadas anteriormente, “revelando que este segredo dentro dos dentes das cobras pode ser um já antigo, uma característica que poderá ajudar-nos a identificar possíveis fósseis de cobras no futuro, mesmo que sejam só mandíbulas”, sublinha Aaron LeBlanc. O fóssil desta cobra do Jurássico encontra-se actualmente guardado nas colecções do Museu Geológico, em Lisboa.