Cartaxo-das-canárias (Saxicola dacotiae). Foto: Christoph Moning/WikiCommons

Falta de chuva está a causar colapso do cartaxo-das-canárias

18.02.2025

Restam hoje apenas 4.500 cartaxos-das-canárias, uma espécie que registou uma redução de cerca de 70% nos últimos 20 anos, principalmente por causa da falta de chuva, alerta um novo estudo do Museu Nacional espanhol de Ciências Naturais (MNCN/CSIC).

A investigação, publicada num artigo na revista Science of The Total Environment, alerta para a redução de entre 63 e 70% das populações de cartaxo-das-canárias (Saxicola dacotiae) nos últimos 20 anos.

Cartaxo-das-canárias. Foto: Frank Vassen/WikiCommons

A população actual está estimada em cerca de 4.500 indivíduos, com uma densidade média de 3 aves por quilómetro quadrado, quase três vezes menos do que a registada há 20 anos (8 aves/km²).

A principal causa do declínio desta ave endémica, que apenas existe em Fuerteventura – a segunda maior ilha das Canárias, em Espanha, e que fica no Oceano Atlântico -, está directamente relacionada com a redução da precipitação na ilha.

Além disso, este estudo do MNCN/CSIC e da Universidade de Oviedo, mostrou que esta redução drástica da população ocorreu no mesmo padrão de preferências de habitat da espécie, dependente, principalmente, dos matagais semi-áridos bem conservados em encostas com fortes declives.

“A falta de chuva afecta directamente a produtividade primária da ilha e, portanto, a disponibilidade de alimento para os cartaxos, o que se repercute negativamente no seu êxito reprodutor”, explica o Museu em comunicado.

Cartaxo-das-canárias (Saxicola dacotiae). Foto: Christoph Moning/WikiCommons

Em anos secos, as fêmeas podem chegar a não fazer posturas, o que provoca a descida no número de indivíduos reprodutores nos anos seguintes. “Considerando que a espécie tem uma sobrevivência média de três a cinco anos, vários anos consecutivos de seca podem ter um impacto severo na população”, comenta Juan Carlos Illera, investigador da Universidade de Oviedo.

Para esta investigação, os peritos replicaram com precisão a mesma metodologia usada há 20 anos para avaliar as alterações na população de cartaxo-das-canárias em Fuerteventura, em dois períodos: 2005-2006 e 2024. Foram realizados os mesmos 1287 transectos – troços lineares de 500 metros -, caracterizando em cada um a estrutura da vegetação.

Segundo o investigador do MNCN/CSIC Luis María Carrascal, “foram analisadas as condições de temperatura e precipitação durante os três anos previstos para cada censo, o que permite relacionar as alterações populacionais com as variações nas condições ambientais que afectam a sobrevivência e reprodução da espécie”.

A análise dos dados meteorológicos revela que as temperaturas se mantiveram estáveis entre o censo de 2005-2006 e o censo de 2024. Mas a precipitação durante os três anos prévios ao censo de 2024 foi 40% menor do que no censo anterior (2005-2006). Esta redução foi ainda mais acentuada (62%) durante os meses críticos para a reprodução da espécie. A diminuição das chuvas afectou significativamente a produtividade primária da ilha, reduzindo a cobertura da vegetação da qual depende o cartaxo-das-canárias e, consequentemente, importando o êxito reprodutor da espécie.

Dada esta situação, a espécie hoje precisa de uma superfície maior (246 km² para 50% da população e 514 km² para 75%) do que em 2005-2006 (195 km² y 434 km² respectivamente) para albergar as mesmas proporções de população.

A perda de habitats é um problema que muitas espécies enfrentam. O facto de o cartaxo-das-canárias precisar de mais espaço para manter a mesma proporção de população deixa esta ave numa situação muito vulnerável, em especial em situações ambientais muito limitativas.

As encostas de Fuerteventura, aqui na estação húmida e na estação seca, são o habitat preferido do cartaxo-das-canárias. Foto: Luis M. Carrascal

“Um aspecto especialmente preocupante é a menor eficácia das Zonas de Protecção Especial para as Aves (ZPE) na conservação da espécie”, salienta Carrascal. “Enquanto que em 2005-2006 mais de 60% da população estava dentro das ZPE, em 2024 essa percentagem diminuiu para 52%, apesar da superfície protegida ter aumentado ligeiramente”, acrescentou. “Esta situação, aliada às previsões climáticas que prevêem uma maior aridez nas Ilhas Canárias, aumenta a incerteza sobre a viabilidade futura da espécie.”

Os investigadores defendem que o seguimento das espécies endémicas insulares é crucial para a sua conservação, especialmente quando falamos de aves que vivem em territórios muito reduzidos e têm populações pequenas. “Estas espécies são particularmente vulneráveis, como mostra o facto de que 50% de todas as espécies ameaçadas do mundo vivem em ilhas, apesar de estas apenas representarem 7% da superfície terrestre”, segundo o comunicado do Museu.

Para avaliar o seu estado de conservação, é fundamental analisar as alterações nas suas populações e áreas de distribuição, considerando tanto as alterações do habitat causadas pela actividade humana como os efeitos das alterações climáticas.

Helena Geraldes

Sou jornalista de Natureza na revista Wilder. Escrevo sobre Ambiente e Biodiversidade desde 1998 e trabalhei nas redacções da revista Fórum Ambiente e do jornal PÚBLICO. Neste último estive 13 anos à frente do site de Ambiente deste diário, o Ecosfera. Em 2015 lancei a Wilder, com as minhas colegas jornalistas Inês Sequeira e Joana Bourgard, para dar voz a quem se dedica a proteger ou a estudar a natureza mas também às espécies raras, ameaçadas ou àquelas de que (quase) ninguém fala. Na verdade, isso é algo que quero fazer desde que ainda em criança vi um documentário de vida selvagem que passava aos domingos na televisão e que me fez decidir o rumo que queria seguir. Já lá vão uns anos, portanto. Desde então tenho-me dedicado a escrever sobre linces, morcegos, abutres, peixes mas também sobre conservacionistas e cidadãos apaixonados pela natureza, que querem fazer parte de uma comunidade. Trabalho todos os dias para que a Wilder seja esse lugar no mundo.

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