Trazer de volta animais como lobos, castores, ursos e bisontes pode melhorar significativamente a situação dos ecossistemas um pouco por todo o mundo, concluiu uma análise financiada pelas Nações Unidas.
Este novo trabalho, publicado agora na revista científica Ecography, descobriu que a reintrodução de apenas 20 espécies de grandes mamíferos pode ajudar a restaurar a biodiversidade a nível mundial.
A reintrodução dessas espécies nas suas áreas históricas de distribuição, onde antigamente estavam naturalmente presentes, poderá ser o suficiente para que estes animais aumentem a área que habitam para cobrir cerca de um quarto do planeta, indica uma nota publicada pelo Museu de História Natural, no Reino Unido.
Por sua vez, essa recuperação ajudaria a restaurar ecossistemas, a travar emissões de carbono em excesso e a aumentar as populações de outras espécies, consideram os cientistas que participaram neste estudo, promovido pelo UNEP – Programa das Nações Unidas para o Ambiente e pela organização não governamental RESOLVE.
“Os nossos resultados oferecem esperança e uma abordagem para que se reverta a diminuição de grupos de fauna intacta através de programas de restauro proactivos e estratégicos”, afirmou o autor principal do artigo, Carly Vynne, ligado ao UNEP.
“Estamos a assistir um movimento activo de financiamento e de atenção virados para o restauro de ecossistemas e a aplicação de soluções baseadas na natureza”, indicou o mesmo responsável. “Também precisamos de assegurar que os esforços de conservação e restauro trazem consigo diversidade e abundância de vida na Terra e que ajudam a restaurar grupos completos de espécies naturalmente presentes.”
Em causa está aquilo que é hoje conhecido como ‘rewilding’, que se traduz na tentativa de trazer um ecossistema de volta a um estado natural em que se consegue regular a si próprio.
Mas as opiniões sobre o que seria um “estado natural” variam, nota o Museu de História Natural. “Alguns sugerem uma linha de partida de 1500 d.C., enquanto outros advogam a restauração dos ecossistemas para um estado similar a como eram na última Idade do Gelo, há 12.000 anos.”
Por outro lado, as estratégias de ‘rewilding’ podem ter os seus problemas, como o facto de as condições para alguns ecossistemas já não existirem mais ou a reintrodução de grandes mamíferos provocar receios nos habitantes da região.
É o caso dos lobos, por exemplo, que no entanto “podem ter um impacto significativo no ambiente através do controlo de grandes populações de herbívoros, permitindo que as plantas e as espécies necrófagas tenham espaço para crescer”.
Já os herbívoros têm um papel importante na dispersão de sementes e no controlo dos fogos, entre outras coisas.
A equipa de investigadores decidiu analisar onde é que a reintrodução de grandes mamíferos poderia ter mais impacto e como é que isso seria alcançado. De um total de 298 espécies de grandes mamíferos, concluíram que apostar em 20 espécies-chave – 13 herbívoros e sete predadores – já pode ajudar a biodiversidade mundial a recuperar. Em causa estão animais como o lobo, o lince, o urso, o castor, o tigre, o bisonte-europeu e o alce, entre outros.
Os cientistas dividiram também o mundo em 730 ecoregiões, ou seja, áreas com comunidades naturais distintas. Compararam depois o número de grandes mamíferos em cada uma e compararam esses dados com os registos históricos.
Resultado? Apenas seis por cento dos lugares estudados têm comunidades de grandes mamíferos tal como existiam há 500 anos. De forma geral, só 16% da superfície da Terra contém comunidades de mamíferos que de alguma forma estão intactas.
A equipa tentou depois descobrir quais são as ecoregiões que seriam mais facilmente restauradas: a maior parte do Norte da Ásia, Norte do Canadá, tal como pares da América do Sul e de África foram consideradas as mais adequadas, uma vez que seria necessário um número reduzido de mamíferos para recuperar os ecossistemas para um estado natural.
Já na Europa, a reintrodução e conservação de de animais como o castor, o bisonte e o lobo poderia ajudar a expandir as populações de grandes mamíferos de volta para 35 regiões onde ficaram perdidas.
Ainda assim, antes de avançar com essas medidas, são necessárias várias acções, avisam os autores do estudo. Por exemplo, controlar as ameaças para os grandes mamíferos, como a destruição de habitats e a caça.
As conclusões desta nova análise vão contribuir para o debate sobre a importância da biodiversidade no âmbito da Conferência COP15, que se vai realizar na China ainda este ano.
“As nossas recomendações podem não ser para já as adequadas para todas as pessoas no terreno”, reconhece outro dos autores do artigo, Joe Gosling, ligado ao UNEP. “As avaliações realizadas a nível local vão considerar se pressões cinegéticas ou a falta de um nível adequado de presas significam que têm de ser resolvidas outras questões antes de se iniciar um programa de reintrodução.”
Ainda assim, “os nossos resultados mostram que existem enormes áreas do mundo que poderão ser adequadas para o restauro de grandes mamíferos se forem geridos os factores de mitigação”, sublinha o mesmo responsável, que lembra que esta é a Década das Nações Unidas para o Restauro de Ecossistemas. “Um restauro efectivo e vasto da natureza não será possível sem o compromisso de governos, suportados por organizadores chave para a conservação e por fontes de financiamento.”
Saiba mais.
Recorde os resultados mais recentes do programa de reintrodução do lince-ibérico em Portugal e Espanha, que apontam para o nascimento de pelo 70 crias em território nacional.