Foi há uma década que Luís Afonso fotografou as suas primeiras orquídeas silvestres na natureza, mas só em 2016 iniciou a demanda agora transformada em livro: fotografar todas as espécies deste grupo de “criaturas maravilhosas”, como lhes chamava Charles Darwin, presentes no Parque Natural das Serras de Aire e Candeeiros.
O interesse de Luís Afonso por estas plantas tinha ganho fôlego um ano atrás, em 2015, alimentado por um amigo que lhe mostrara “umas orquídeas deveras especiais, numa das zonas limites do parque natural”, descreve o fotógrafo, no seu novo livro “Aires e Candeeiros: Campo de Orquídeas Silvestres”.
“Tal como Darwin, também eu fiquei embasbacado com a forma das Ophrys e ainda mais quando descobri e vivenciei as suas peculiares e inteligentes estratégias de reprodução”, recorda. “Foi amor à primeira vista”.
“Queria encontrá-las a todas, foi uma decisão apaixonada, pois nessa altura não sabia absolutamente nada sobre orquídeas”, contou Luís Afonso à Wilder. Ao longo do tempo foi aprendendo sobre os seus comportamentos peculiares. Algumas, explica o fotógrafo, imitam as formas de determinadas espécies de insectos – e mesmo o cheiro das suas feromonas – para iludirem esses machos, que assim se encostam a elas e transportam o pólen para outras orquídeas, ajudando à sua reprodução.
Embora a maioria das orquídeas mediterrânicas não produzam néctar, algumas fingem tê-lo, numa artimanha para iludirem os insectos e estes darem boleia aos grãos de pólen. O mesmo resultado é procurado de forma diferente por outras orquídeas, cujas flores em forma de tubo oferecem calor e abrigo a pequenas criaturas.
Determinado a conhecer melhor e a fotografar todas as orquídeas do PNSAC, Luís Afonso comprou guias especializados neste grupo botânico e dedicou-se à exploração da plataforma iNaturalist, para perceber que espécies poderia encontrar naquele espaço natural. Como nota no livro, são hoje aqui conhecidas cerca de 30 espécies de orquídeas silvestres, que juntamente com subespécies, híbridos e variedades chegam às 40 – aproximadamente metade das que estão registadas em Portugal continental. A época ideal para se observarem vai de Fevereiro a Maio, seguida por uma curta estação no Outono.
Aproveitando o facto de os pais morarem ali perto, no Entroncamento, o autor passou todo o tempo que podia a palmilhar os caminhos destas serras, um dos lugares de eleição em Portugal para os apaixonados por orquídeas silvestres, sempre armado com a máquina fotográfica.
Mas não se limitou a essas plantas tão sedutoras. Andou por olivais antigos e pelo planalto de Santo António, onde fotografou a rara gralha-de-bico-vermelho, esteve no carvalhal do Orçário e num choupal verdejante em Ourém, foi à lagoa grande do Arrimal e à ribeira da Fórnea, visitou a praia jurássica de São Bento, com os seus registos fósseis com milhões de anos, e as grutas dos Alvados e de Mira de Aire, estas últimas as maiores de Portugal.
As mais de 170 fotografias que publica no novo livro são também uma declaração de amor às muitas paisagens e sítios que percorreu. O amigo que lhe mostrou as primeiras “orquídeas deveras especiais”, Fernando Faria Pereira, assina o primeiro capítulo da obra, intitulado “Estórias de pedra e cal”, dedicado precisamente aos muitos aspectos fascinantes do PNSAC, desde o clima, a geografia, a fauna e a flora, aos sinais antigos da presença humana.
No segundo capítulo, Luís Afonso recorda como é que, desde há muito tempo, as orquídeas silvestres têm sido olhadas como as “rainhas da sedução”. Lembra-nos, por exemplo, que a segunda metade do século XIX ficou conhecida como o ‘Orchidelirium’, tal era o fascínio dos aristocratas europeus e as fortunas que pagavam por espécimes raros de orquídeas. E ficamos a conhecer a grande curiosidade de Darwin por estas plantas misteriosas.
Por fim, embarcamos numa visita com o fotógrafo português, à descoberta de 30 diferentes orquídeas silvestres do PNSAC. Desde a primeira a florir logo em Fevereiro, a orquídea-gigante Himantoglossum robertianum, com o seu porte generoso que chega facilmente aos 75 cm, ao moscardo-fusco (Ophrys fusca) – provável endemismo português – à flor-dos-macaquinhos (Orchis italica) e a várias espécies do género Serapias, entre muitas outras. A necessidade de publicar imagens que fizessem justiça à beleza das muitas orquídeas que o apaixonaram, admite, fez com que regressasse aos mesmos locais para tirar novas fotografias, anos depois das primeiras visitas.
O livro termina com uma chamada de atenção para a necessidade de Portugal dedicar mais recursos e projectos de conservação aos habitats onde vivem as orquídeas, até porque mais de uma dezena destas espécies foram consideradas em 2020 “claramente ameaçadas e condenadas ao desaparecimento dos campos portugueses, se nada for feito para as conservar”. Afinal, conquistar mais pessoas para a preservação destas plantas únicas no mundo é um objectivo assumido da nova obra, pois “só conseguimos proteger aquilo que amarmos de verdade”, escreve o autor.
Certo é que em Portugal já haverá alguns fãs e curiosos de orquídeas, pois pouco tempo depois de chegar ao mercado, este novo livro já esgotou. Haverá espaço para uma nova edição? Luís Afonso prefere não dar certezas. Nós esperamos que sim.
Saiba mais.
Recorde algumas das orquídeas favoritas deste fotógrafo de natureza. E descubra mais sobre o trabalho de Luís Afonso, aqui e aqui.