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Encontrados em Lisboa fósseis de mamífero marinho com milhões de anos

26.07.2016

Uma expedição de quatro paleontólogos da Sociedade de História Natural na Ameixoeira, em Lisboa, descobriu na semana passada fósseis de um mamífero marinho que ali viveu há entre 16 e 13 milhões de anos, quando o local era uma praia tropical.

 

“Encontrámos quatro costelas distintas de um sirénio”, mamífero marinho herbívoro, hoje representado pelo dugongo e os manatins, explicou à Wilder Gonçalo Prista, doutorando na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa (FCUL) e membro da Sociedade de História Natural, com sede em Torres Vedras.

As costelas foram descobertas durante as escavações que aconteceram de 18 a 21 de Julho num afloramento (porção de rocha do solo posta a descoberto) na Ameixoeira, freguesia de Santa Clara, na periferia Norte de Lisboa.

 

Afloramento na Ameixoeira. Foto:
Afloramento na Ameixoeira. Foto: Tesouros da Ameixoeira-SCML/SHN

 

“Esta foi a primeira escavação neste afloramento do Miocénico (período há entre 24 e 5 milhões de anos) e fomos à procura de fósseis, especialmente de mamíferos marinhos”, acrescentou este biólogo marinho. Hoje pode parecer estranho, mas a Ameixoeira já foi uma praia tropical, banhada por um mar quente.

A equipa – Bruno Silva, Gonçalo Prista, Marina Fiães e Cristina Rito – não sabia ao certo o que iria encontrar, mas as escavações revelaram-se frutuosas. As quatro costelas, encontradas em diferentes locais, “poderão pertencer a um único indivíduo” diz Gonçalo Prista, apesar de ainda serem precisos mais estudos. “Os sirénios do Miocénico na Europa rondavam os 2,5 metros de comprimento. Seriam muito parecidos com as espécies que se conhecem actualmente”, descreveu. Este seria um animal costeiro, que vivia em baixas profundidades e se alimentava nas pradarias marinhas. Provavelmente quando morreu, o mar levou-o até à praia, neste caso, a Ameixoeira. Gonçalo Prista acredita que o resto do animal “estará ali algures. Há boas possibilidades de encontrar vértebras e material de crânio, por exemplo.”

 

Trabalho no afloramento. Foto: Tesouros da Ameixoeira-SCML/SHN
Trabalho no afloramento. Foto: Tesouros da Ameixoeira-SCML/SHN

 

Este afloramento, num morro no meio de prédios, é um dos últimos redutos da Paleontologia marinha de Lisboa. “Quase todos os afloramentos desapareceram com a construção” na cidade alfacinha. E este pode ter mais riquezas paleontológicas além do sirénio. “Este afloramento representa diferentes momentos da região no tempo, por exemplo quando esta era uma região estuarina e, mais tarde, uma praia tropical.” O biólogo acredita que ali podem existir fósseis de crocodilos, tubarões e dentes de peixes, já que “tudo isso fazia parte da fauna da costa portuguesa durante o Miocénico”.

Durante as escavações os paleontólogos descobriram ainda uma grande quantidade de conchas de ostras e vieiras, alguns corais e ouriços-marinhos. Mas se os ossos do sirénio são densos e resistentes, os outros fósseis são bem mais frágeis. “Do coral só conseguimos extrair dois bocados, são muito frágeis”, exemplificou.

 

Ostra com processos de recristalização. Foto: Tesouros da Ameixoeira-SCML/SHN
Ostra com processos de recristalização. Foto: Tesouros da Ameixoeira-SCML/SHN

 

Esta expedição para compreender o ambiente de Lisboa no Miocénico Inferior e no Médio, deparou-se com um solo “extremamente rijo”. “Tivemos de usar martelos pneumáticos e pistolas de ar comprimido durante as escavações.”

Mas a equipa contou com a preciosa ajuda das várias crianças da Ameixoeira que os visitaram. “Eram muito curiosas e interessadas. Ainda tivemos alguma miudagem a picar pedra”, salientou Gonçalo Prista.

O envolvimento da comunidade local neste projecto faz parte da iniciativa Tesouros da Ameixoeira, coordenada pelo Centro Comunitário daquela localidade, pertencente à Santa Casa da Misericórdia de Lisboa. Segundo esta instituição, o projecto pretende divulgar e valorizar o património geológico, histórico e cultural da Ameixoeira e contribuir para mudar a imagem daquela freguesia.

“É muito importante juntar a Ciência à comunidade local e usar a riqueza fóssil para integrar a comunidade”, disse Gonçalo Prista, que não esquece o papel de Ana Ngom, Ana Melo Carvalhais (Santa Casa da Misericórdia) e Fátima Cunha, do Agrupamento de Escolas do Alto Lumiar, como os grande motores deste projecto.

 

Algumas das crianças da Ameixoeira ajudaram nos trabalhos. Foto: Tesouros da Ameixoeira-SCML/SHN
Algumas das crianças da Ameixoeira ajudaram nos trabalhos. Foto: Tesouros da Ameixoeira-SCML/SHN

 

Em Maio, mais de 100 alunos das escolas da Ameixoeira, entre os 10 e os 17 anos, visitaram os laboratórios da Sociedade de História Natural em Torres Vedras para aprender mais sobre fósseis. “Agora fomos nós ter com eles. E havia crianças que queriam fazer tudo e experimentar este trabalho”.

A partir de agora, começa a ser planeada a próxima fase de estudo paleontológico da Ameixoeira. “A princípio vamos arrancar com nova escavação na Páscoa de 2017”, adiantou o biólogo.

Helena Geraldes

Sou jornalista de Natureza na revista Wilder. Escrevo sobre Ambiente e Biodiversidade desde 1998 e trabalhei nas redacções da revista Fórum Ambiente e do jornal PÚBLICO. Neste último estive 13 anos à frente do site de Ambiente deste diário, o Ecosfera. Em 2015 lancei a Wilder, com as minhas colegas jornalistas Inês Sequeira e Joana Bourgard, para dar voz a quem se dedica a proteger ou a estudar a natureza mas também às espécies raras, ameaçadas ou àquelas de que (quase) ninguém fala. Na verdade, isso é algo que quero fazer desde que ainda em criança vi um documentário de vida selvagem que passava aos domingos na televisão e que me fez decidir o rumo que queria seguir. Já lá vão uns anos, portanto. Desde então tenho-me dedicado a escrever sobre linces, morcegos, abutres, peixes mas também sobre conservacionistas e cidadãos apaixonados pela natureza, que querem fazer parte de uma comunidade. Trabalho todos os dias para que a Wilder seja esse lugar no mundo.

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