Esta zona húmida corre o risco de ser destruída devido à construção de um empreendimento comercial que ocupará uma grande parte do terreno. Mais de 20 movimentos e associações exigem que o processo volte atrás.
Foi há poucas semanas que um estudante com 20 anos colocou na plataforma iNaturalist as imagens de várias plantas aquáticas que tinha fotografado durante uma visita às Alagoas Brancas, uma zona húmida que está em risco de ser substituída por um empreendimento comercial, no concelho de Lagoa.
Desse passeio, resultou a descoberta de “uma rara comunidade de plantas associadas aos meios aquáticos, com várias espécies raras e ameaçadas”, anunciaram agora, num comunicado conjunto, mais de 20 movimentos e associações, que se juntaram para proteger o futuro das Alagoas Brancas.
“Tal não foi o espanto dos biólogos que, com base na informação constante na plataforma, se deslocaram ao local, e se depararam com a maior população nacional de Damasonium bourgaei, espécie Criticamente em Perigo em Portugal”, explica o comunicado. Com o nome comum estrela-dos-juncais, esta planta aquática rara só era até agora conhecida noutros dois locais do país: “num local ocorre uma planta isolada e noutro local são poucas dezenas de indivíduos”, adiantam. Ali nas Alagoas Brancas, terão sido observadas “centenas” de plantas do género Damasonium.
Além da estrela-dos-juncais, os biólogos também encontraram outras plantas raras como a espécie Cressa cretica e a elatina-de-pés-grandes (Elatine macropoda), e ainda “outras espécies que atestam o bom estado de conservação da comunidade, como Sporobulos aculeatus“.
“Esta é uma descoberta muito importante para nós”, disse à Wilder Ana Marta Costa, bióloga ligada à Associação Cívica Cidade da Participação. Do grupo de signatários fazem também parte muitas outras associações, incluindo a Almargem, A Rocha Portugal, Ecotopia Activa, FAPAS, Geota, Liga para a Protecção da Natureza, PAS – Plataforma Água Sustentável, PROBAAL, Quercus, SPEA – Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves, SPECO – Sociedade Portuguesa de Ecologia, Tagis e Zero.
Autoridades já foram informadas
Tanto o Instituto de Conservação da Natureza e Florestas (ICNF) como a Sociedade Portuguesa de Botânica e a Phytos- Associação Portuguesa de Ciência da Vegetação já foram informados sobre “esta significativa descoberta cidadã de grande valor florístico para a região e o país”.
A nível internacional, também a União Internacional para a Conservação da Natureza, organização internacional responsável pela classificação das espécies ameaçadas em todo o mundo, foi informada “sobre este novo registo de comunidades vegetais ricas em plantas do género Damasonium e a possibilidade de ocorrência de mais do que uma espécie deste género”, adiantam as associações”. “Urge a identificação por peritos no terreno, uma vez que duas das espécies estão desaparecidas a nível nacional e ameaçadas globalmente.”
“As Alagoas Brancas não são só mais um sítio alagadiço, são sim um local com um enorme património natural, e o único sítio do país onde se conhece esta comunidade vegetal”, sublinham as associações e movimentos que subscrevem a nota de imprensa, que recordam que “Portugal já foi multado pela Comissão Europeia por não classificar o seu território e não atingir as metas estabelecidas ao abrigo da Diretiva Habitats”.
Com base nesta informação, acreditam que a Câmara Municipal de Lagoa “pode alterar o plano director municipal (PDM) e justificar a alteração dos acordos já realizados com promotores imobiliários”. “Ainda vamos a tempo de salvar as Alagoas Brancas, e transformar o local numa área protegida, para usufruto dos lagoenses de hoje e das gerações futuras”, sublinham.
Uma longa história
Esta descoberta poderá significar uma nova reviravolta num processo que dura já há vários anos, desde que em 2013 foi aprovado um projecto de arquitectura para a construção de um ‘retail park’ nesta zona de charcos. Além das plantas aquáticas raras e ameaçadas agora anunciadas, as Alagoas Brancas são conhecidas como um refúgio importante para várias espécies, desde cágados nativos a aves e anfíbios, e como reserva de água doce, salientam ecólogos e biólogos portugueses.
Foi em 2017 que Ângela Rosa, agricultora biológica na zona de Tavira, visitou pela primeira vez as Alagoas Brancas, na cidade de Lagoa. Na altura, há quase seis anos, ficou impressionada pela “quantidade enorme de aves” que ali se abrigam, num cenário que se transfigura quando caem as primeiras chuvas grandes do Outono. “Foi maravilhoso ver as íbis-pretas a chegar, a abrigarem-se nas árvores, e observar os caimões a alimentarem-se, e também as galinhas-de-água”, recorda esta activista algarvia, que faz parte do movimento Salvar as Alagoas Brancas.
Proteger esta zona húmida de água doce com 8,5 hectares é o objectivo do movimento cívico, que tem tentado junto dos tribunais e do Governo que seja aprovada a suspensão das obras, e tem vindo a reunir assinaturas numa petição .
Os terrenos das Alagoas pertencem à empresa Edifícios Atlânticos, que os comprou para ali ser construído um edifício comercial. O projecto de arquitectura foi aprovado em 2013, sem a exigência de uma avaliação de impacte ambiental, e as obras que entretanto começaram – e foram entretanto suspensas – alteraram já uma parte do terreno. Em cima da mesa está a construção em 11 lotes de terreno, numa área com quase 5,7 hectares.
No entanto, Ângela Rosa e outros activistas que defendem esta zona natural acreditam que ainda é possível conseguir com que a construção do futuro ‘retail park’ seja transferida para outra área do município. “Encontrámos alguma abertura do presidente da Câmara Municipal nesse sentido”, afirmou à Wilder esta responsável, alguns dias depois de um encontro do movimento com Luís Encarnação, socialista que lidera o município.
Considerada uma das últimas zonas húmidas de água doce do Algarve, a zona das Alagoas Brancas, localizada dentro da área urbana da cidade de Lagoa, é tudo o que resta de uma antiga zona húmida mais vasta, que deu o nome à cidade. Apesar de pequena, alberga uma grande riqueza de vida selvagem, incluindo espécies protegidas a nível nacional e europeu. Aqui ocorre 1% da população reprodutora de camão (ou caimão) de Portugal, bem como 1% da população de íbis-preta da região do Mediterrâneo, Mar Negro e África Ocidental.
Para já, os trabalhos têm estado parados, à espera que avance a translocação de vários animais de espécies protegidas que ali se abrigam. Numa carta aberta enviada há uma semana ao ministro do Ambiente e da Acção Climática, Duarte Cordeiro, o grupo de 15 associações e movimentos pediu a protecção imediata da zona húmida e também que seja suspenso o empreendimento comercial. Isto porque existe “incumprimento do regime de Reserva Ecológica Nacional”, sublinharam na altura.