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Lince-ibérico. Foto: Programa de Conservação Ex-Situ do Lince-Ibérico

Cercados da Malcata vão receber linces excedentes de centros de reprodução

29.05.2024

Ao mesmo tempo que está a recuperar a paisagem para receber o lince-ibérico, a Serra da Malcata vai instalar dois cercados para receber os animais excedentes dos centros de reprodução em cativeiro. O director de Conservação no ICNF gostava de os ver a funcionar ainda este ano.

Talvez ajudada pela famosa campanha “Salvemos o Lince e a Serra da Malcata” – organizada pela Liga para a Protecção da Natureza (LPN) de 1 de Junho de 1979 a 1 de Março de 1980 -, a Serra da Malcata é uma das zonas de Portugal historicamente mais ligadas ao lince-ibérico (Lynx pardinus).

Lince-ibérico. Foto: Programa de Conservação Ex-Situ/arquivo

Aninhada junto à fronteira com Espanha, nos concelhos do Sabugal e de Penamacor, terá sido um dos últimos redutos desta espécie no nosso país antes de esta ter entrado numa situação de pré-extinção no início dos anos 2000.

Em 1980, existiriam na Malcata cerca de 30 linces adultos. Além destes, apenas mais duas zonas com estes felinos existiam então em Portugal: serras do Algarve e zona de Barrancos. Em 2000, Pedro Sarmento, então biólogo na Reserva Natural da Serra da Malcata e hoje coordenador e responsável técnico do programa in situ para o lince-ibérico, afirmou ao jornal Público que existiriam apenas um ou dois linces, no máximo.

O regresso do lince à Malcata está a ser preparado há décadas. Foi criada a Reserva Natural da Serra da Malcata, a 16 de Outubro de 1981, e suspensos os trabalhos de plantação de eucaliptos e de pseudotsugas (espécie americana) para fabricar pasta de papel que, ainda assim, destruíram 2000 dos 5000 hectares previstos. Foram vários os projectos para tentar reforçar as populações de coelho-bravo naquela serra, esforços que ainda hoje continuam por parte dos municípios de Penamacor e de Sabugal.

Apesar de a Serra da Malcata ainda não reunir as condições para ser uma das áreas de reintrodução de linces, vai criar dois cercados naturalizados onde serão colocados os animais que vivem há anos em centros de reprodução em cativeiro mas que já não estão em idade reprodutora.

“Não vamos fazer um novo centro de reprodução na Malcata. Tratam-se de dois cercados, um no Sabugal, outro em Penamacor, para receber os animais excedentes dos centros de reprodução que temos de colocar em algum lado”, disse à Wilder Carlos Albuquerque, director do Departamento de Conservação da Natureza e Biodiversidade no Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF).

“São animais que continuam bastante vigorosos mas que já não são viáveis para reintrodução, pois passaram muito tempo em cativeiro.”

Carlos Albuquerque confessou que gostaria de ver os dois cercados a funcionar ainda este ano, quando se comemoram os 10 anos de reintroduções de linces na natureza em Portugal. Estas começaram, em Portugal, a 16 de Dezembro de 2014, mais concretamente no Vale do Guadiana, com Katmandú e Jacarandá.

Foto: Programa de Conservação Ex-situ/Arquivo

A medida, acrescentou, pretende “ser um indutor de políticas locais de conservação e de atitudes das pessoas mais propensas à recuperação da paisagem”, algo que, sublinhou, vai beneficiar mais espécies além do lince-ibérico.

“É um incentivo para os agentes responsáveis pelo território intensificarem as medidas de conservação e para ajudar as pessoas da região a apropriarem-se do lince na Malcata”, acrescentou.

Os cercados, maiores do que os existentes nos centros de reprodução e que poderão receber no máximo um casal cada um – isto porque os linces são animais territoriais -, serão utilizados para estudar os linces, “nomeadamente formas de adaptação” ao meio, através de câmaras de video-vigilância, disse ainda. Este projecto poderá contar com parcerias diversas, nomeadamente com o sector da Academia da região.

“Com isto o lince não vai voltar à Malcata amanhã. Mas talvez volte mais tarde”, comentou também.

Critérios para a reintrodução

Hoje estima-se que existam cerca de 290 linces-ibéricos a viver na natureza em Portugal. Estão distribuídos pelos concelhos de Serpa, Mértola, Castro Verde, Alcoutim e Almodôvar. Segundo contou anteriormente à Wilder Pedro Sarmento, coordenador e responsável técnico do programa in situ para o lince-ibérico, “existe um lince isolado no concelho de Castelo Branco e pelo menos dois em Ferreira do Alentejo”.

A par da expansão natural da espécie, com alguns casos já registados, o território do lince pode ser reconquistado através de reintroduções de animais nascidos em cativeiro.

“Para que um dado território possa ser considerado apto para nele ser iniciado um processo de reintrodução de lince-ibérico, tem que previamente ser alvo de um conjunto alargado de avaliações”, explicou anteriormente à Wilder João Alves, técnico superior do Departamento de Conservação da Natureza e Biodiversidade do ICNF.

Estas vão desde a “existência de extensão e continuidade de habitat adequado, em termos qualitativos e quantitativos, níveis adequados de população da presa preferencial do lince – coelho-bravo – que permitam alimentar os exemplares libertados e a sua descendência, inexistência de patologias infeciosas noutras espécies de fauna que interagem com os linces e que podem constituir risco de insucesso, baixa presença nesse território de vias de comunicação com tráfego considerável ou de outros objectos físicos que possam constituir fatores de risco elevado de mortalidade (atropelamento, afogamento, etc.), até à aceitação social das populações que aí residem ou que aí têm uma atividade económica que possa ser conflituante com a presença do lince ibérico de modo permanente e em termos quantitativos significativos”.

Como “espécie em expansão, o lince precisa de novos territórios e há-de chegar à Malcata, aonde já existiu”, comentou Carlos Albuquerque.

Em cerca de 20 anos, a população de lince-ibérico passou de menos de 100 exemplares contabilizados em 2002 a mais de 2000 em 2023.

Helena Geraldes

Sou jornalista de Natureza na revista Wilder. Escrevo sobre Ambiente e Biodiversidade desde 1998 e trabalhei nas redacções da revista Fórum Ambiente e do jornal PÚBLICO. Neste último estive 13 anos à frente do site de Ambiente deste diário, o Ecosfera. Em 2015 lancei a Wilder, com as minhas colegas jornalistas Inês Sequeira e Joana Bourgard, para dar voz a quem se dedica a proteger ou a estudar a natureza mas também às espécies raras, ameaçadas ou àquelas de que (quase) ninguém fala. Na verdade, isso é algo que quero fazer desde que ainda em criança vi um documentário de vida selvagem que passava aos domingos na televisão e que me fez decidir o rumo que queria seguir. Já lá vão uns anos, portanto. Desde então tenho-me dedicado a escrever sobre linces, morcegos, abutres, peixes mas também sobre conservacionistas e cidadãos apaixonados pela natureza, que querem fazer parte de uma comunidade. Trabalho todos os dias para que a Wilder seja esse lugar no mundo.

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