Andorinhão-pálido em recuperação no CERVAS. Foto: Artur Oliveira

Associação ALDEIA recuperou mais de 15.500 animais selvagens em 15 anos

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Há 15 anos que a associação ALDEIA gere dois hospitais para a vida selvagem, um em Olhão e o outro em Gouveia. Por lá passaram 28.713 animais, 15.516 dos quais puderam ser tratados e devolvidos à natureza.

O RIAS (Centro de Recuperação e Investigação de Animais Selvagens), em Olhão, e o CERVAS (Centro de Ecologia, Recuperação e Vigilância de Animais Selvagens), em Gouveia, começaram a receber animais selvagens a precisar de ajuda em 2009. O trabalho tem sido feito graças a uma parceria com o Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF) e graças ao apoio da ANA – Aeroportos de Portugal / Vinci.

Bufo-real num túnel de voo no CERVAS. Foto: Gonçalo da Costa

Passados 15 anos, a ALDEIA – organização não governamental criada em 2003 no Nordeste Transmontano – tem 10 técnicos a trabalhar nos dois centros e é a associação que recebe mais animais e com maior área geográfica coberta em Portugal.

Desde 2009, os dois centros receberam um total de 37.334 animais (28.713 vivos), tendo sido possível devolver à Natureza 15.516, o que corresponde a 54% de taxa de devolução à Natureza, informou a ALDEIA à Wilder. Só em 2024 foram libertados 1.032. A origem geográfica da maioria dos animais inclui os distritos de Faro, Beja, Leiria, Coimbra, Aveiro, Viseu e Guarda. 

No total, nos dois centros ingressaram mais de 300 espécies diferentes, desde aves e mamíferos a répteis e anfíbios.

Exame físico a camaleão no RIAS. Foto: RIAS

O andorinhão-pálido (Apus pallidus) foi a espécie que ingressou com maior frequência no CERVAS, situado em pleno Parque Natural da Serra da Estrela. Nestes 15 anos, este centro recebeu 657 andorinhões-pálidos. A seguir surgem o mocho-galego (Athene noctua – 617), a águia-d´asa-redonda (Buteo buteo – 538), a coruja-do-mato (Strix aluco – 450) e coruja-das-torres (Tyto alba – 426).

Já no RIAS, situado no Parque Natural da Ria Formosa, as espécies mais frequentes foram outras: a gaivota-de-patas-amarelas (Larus michahellis – 7.210), gaivota-d´asa-escura (Larus fuscus – 3.213), ouriço-cacheiro (Erinaceus europaeus – 961), andorinha-dos-beiras (Delichon urbicum – 944) e pardal-comum (Passer domesticus – 931).

Cerca de 90% do total de ingressos são aves. Segundo Ricardo Brandão, coordenador do CERVAS, isto explica-se porque, “por um lado porque esta é a Classe com mais espécies, dentro das que habitualmente entram nos centros de recuperação, e também porque, de uma forma geral, há uma percepção positiva em relação a este grupo por parte da sociedade, em contraponto por exemplo com o grupo dos répteis ou anfíbios, que faz com que as pessoas tentem ajudar os animais que encontram, entregando-as nos centros de recuperação”. Além disso, “quando estão incapacitadas de voar por doença, debilidade ou traumatismos, as aves são muito mais vulneráveis e fáceis de encontrar do que outros grupos de fauna”. 

As causas de ingresso mais comuns no RIAS foram doença (5.266), queda do ninho / órfão (5.022), síndrome parético (4.219), trauma (2.786) e debilidade / desnutrição (2.495); enquanto que no CERVAS as causas foram queda do ninho / órfão (2.540), atropelamento (1.676), trauma (1.040), cativeiro e captura ilegais (826) e colisão com estruturas (614). 

Cria de ouriço no RIAS. Foto: RIAS

Nestes 15 anos, a taxa de devolução à natureza foi de 54%. Segundo os responsáveis dos dois centros, esta percentagem varia de ano para ano e em função dos grupo de espécies e/ou causa de ingresso. 

“Há causas de ingresso, como a electrocussão, que têm resultados positivos inferiores a 20% devido à gravidade das lesões (queimaduras, digestão de tecidos por parte de larvas de moscas, etc) ou o atropelamento (30-40%), devido às fracturas múltiplas, lesões neurológicas”, explicam. E depois “há grupos de aves, como por exemplo os andorinhões ou as rapinas nocturnas, que podem registar resultados superiores a 70-80% de sucesso de devolução à Natureza”.

“Os animais selvagens são muito resistentes, pelo que ingressam nos centros ainda com vida, mas em condições muito precárias, porque quando são apanhados é porque estão mesmo muito mal. Mais de metade dos animais que morrem é nas primeiras 24 ou 48 horas de ingresso devido a situações debilitantes que já não é possível reverter. Além de que,  mesmo que tentemos dar as melhores condições aos animais, estes continuam a estar em cativeiro, fechados numa caixa ou instalação, em stress, sem ter a possibilidade de fugir. Na verdade, muitas vezes morrem devido ao stress.”

Outra questão importante é a idade dos animais que dão entrada nos centros. “Uma das principais causas de ingresso em quase todos os centros são as crias e os órfãos. Estamos a falar de animais muito sensíveis, com sistemas imunes imaturos que, muitas vezes, chegam com condições associadas (predação, debilidade, trauma, etc.) e que ainda por cima não estão com os progenitores. Mesmo que tentemos dar o melhor de nós, nunca seremos tão eficientes como os seus progenitores. Vemos aves que pesam só algumas gramas que caem de um ninho a muitos metros de altura, mamíferos de olhos fechados que saíram da toca esfomeados porque a mãe não voltou.”

As histórias que ficam na memória

Nestes 15 anos, há casos mais marcantes e difíceis de esquecer. Ricardo Brandão, do CERVAS, lembrou a recuperação de um grifo de Ruppell, “por ter sido uma das espécies mais raras que ingressou no centro e por ter sido possível seguir os movimentos da ave na sua migração para África após a devolução à Natureza e durante os anos seguintes, pois foi marcada com um emissor GPS por parte da Vulture Conservation Foundation.

Libertação de grifo recuperado no CERVAS. Foto: CERVAS

No caso do RIAS, Maria Casero, médica veterinária, destaca “a primeira águia-cobreira recuperada por eletrocussão, os primeiros bebés ouriços recém-nascidos recuperados e libertados e a primeira lontra bebé que o RIAS recebeu e que libertou”. Salientou ainda as gaivotas, “não só porque são as aves que mais ingressam no RIAS, mas também porque com elas aprende-se muito sobre recuperação de aves selvagens, criando conhecimento para aplicar em muitas outras situações”. A médica veterinária do RIAS está a desenvolver uma tese de doutoramento que aborda o síndrome parético nestas espécies tão pouco apreciadas pelo público mas que nos últimos anos têm estado a diminuir de forma alarmante.

Mas o trabalho destes hospitais vai mais longe e inclui ainda a educação ambiental, principalmente através da organização de momentos de devolução à Natureza de animais recuperados. Estas acções, dizem, “têm um enorme potencial pedagógico”. No total foram envolvidas 141.952 pessoas, maioritariamente crianças.

Em 15 anos foram feitas ainda 1.540 actividades com escolas (palestras, oficinas, saídas de campo, entre outras), que envolveram 46.071 pessoas.

Libertação de um gavião pelo CERVAS. Foto: CERVAS

Ambos os centros têm também algumas áreas abertas ao público que foram visitadas por 53.521 pessoas e onde foram organizados eventos que envolveram 91.060 pessoas. No total, as actividades com o público envolveram 303.104 pessoas.

Todos este trabalho foi possível graças a uma extensa rede de parcerias e apoios institucionais e particulares, sendo de destacar o Fundo Ambiental (desde 2019), municípios como Gouveia, Fornos de Algodres, Sabugal, Manteigas, Olhão, Faro, Loulé, Albufeira, S. Brás de Alportal, Vila do Bispo, Castro Marim, Portimão ou empresas como a REN, Mota-Engil ATIV, Águas do Algarve, entre muitas outras entidades.

Helena Geraldes

Sou jornalista de Natureza na revista Wilder. Escrevo sobre Ambiente e Biodiversidade desde 1998 e trabalhei nas redacções da revista Fórum Ambiente e do jornal PÚBLICO. Neste último estive 13 anos à frente do site de Ambiente deste diário, o Ecosfera. Em 2015 lancei a Wilder, com as minhas colegas jornalistas Inês Sequeira e Joana Bourgard, para dar voz a quem se dedica a proteger ou a estudar a natureza mas também às espécies raras, ameaçadas ou àquelas de que (quase) ninguém fala. Na verdade, isso é algo que quero fazer desde que ainda em criança vi um documentário de vida selvagem que passava aos domingos na televisão e que me fez decidir o rumo que queria seguir. Já lá vão uns anos, portanto. Desde então tenho-me dedicado a escrever sobre linces, morcegos, abutres, peixes mas também sobre conservacionistas e cidadãos apaixonados pela natureza, que querem fazer parte de uma comunidade. Trabalho todos os dias para que a Wilder seja esse lugar no mundo.

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