A natureza é um “ângulo morto” na Economia. Mas já não nos podemos dar a esse luxo. A Natureza tem de estar no coração da forma como fazemos Economia, defende uma análise independente sobre a economia da Biodiversidade, coordenada pelo professor Sir Partha Dasgupta da Universidade de Cambridge e divulgada a 2 de Fevereiro.
Encomendada pelo Governo britânico em 2019, e publicada antes da Convenção para a Diversidade Biológica este ano na China, a Análise, com 600 páginas, deverá ajudar a definir a agenda para o plano ambiental a 25 anos do Governo britânico.
A Análise Dasgupta descreve a natureza como “o nosso bem mais precioso” e conclui que a Humanidade tem feito uma má gestão colectiva deste portfólio mundial, com as nossas necessidades a exceder em muito a capacidade da Natureza em disponibilizar os “bens e serviços” dos quais dependemos para viver.
As últimas décadas de prosperidade humana tiveram um custo ecológico “devastador”. A Análise Dasgupta salienta estimativas recentes que sugerem que precisamos de 1,6 planetas para manter o actual modo de vida da humanidade.
Este documento também afirma que o Produto Interno Bruto (PIB) já não serve o seu propósito de avaliar a riqueza económica das nações. Dasgupta argumenta que o PIB se “baseia numa aplicação defeituosa da Economia” que não inclui a “depreciação dos activos” como a degradação da biosfera.
“O meu objectivo geral é a reconstrução da Economia de forma a incluir a Natureza como um ingrediente”, explicou, em comunicado, Dasgupta.
“O crescimento económico e o desenvolvimento verdadeiramente sustentáveis significam o reconhecimento de que a nossa prosperidade a longo prazo depende de reequilibrarmos a nossa procura de bens e serviços da Natureza com a sua capacidade para os produzir.”
Dasgupta afirma que Economia sustentável quer dizer que “levamos em conta o impacto total das nossas interações com a Natureza, em todos os níveis da sociedade. A Covid-19 mostrou-nos o que pode acontecer quando não fazemos isso”.
Mas esta pandemia pode ser apenas a ponta do iceberg se continuarmos a explorar as espécies e a invadir os habitats, alerta a Análise.
O primeiro-ministro britânico Boris Johnson já saudou este documento, dizendo que torna claro que “proteger e melhorar a natureza precisa de mais do que boas intenções, precisa de acção concertada, coordenada”.
“Este ano é crucial para determinar se podemos, ou não, travar e reverter a preocupante tendência de declínio galopante da biodiversidade”, comentou Boris Johnson.
“Se nos preocupamos com o nosso futuro comum, todos devíamos ser, em parte, naturalistas”
A Biodiversidade está a declinar mais depressa do que alguma vez aconteceu na História da Humanidade. Desde 1970 registámos um declínio médio de cerca de 70% das populações de mamíferos, aves, peixes, répteis e anfíbios. Um milhão de espécies de animais de plantas – quase um quarto do total mundial – estão hoje ameaçadas de extinção.
Além do seu valor intrínseco – e incalculável – a Biodiversidade dá-nos “dividendos” que nos alimentam e protegem: recursos piscícolas, insectos que polinizam as nossas culturas, regeneração dos solos, água potável e regulação das inundações. Para não referir os valores culturais e espirituais que enriquecem as nossas vidas.
“A completa ausência destes serviços dos ecossistemas nos balanços nacionais do deve e do a ver só tem levado à intensificação da destruição do mundo natural”, segundo a Análise. Como a destruição de uma floresta para construir um centro comercial, por exemplo. O PIB regista um aumento no capital produzido mas não a depreciação do “capital natural” que absorve o dióxido de carbono, que cria habitat para os preciosos polinizadores, que dá ar puro e locais de lazer, o que nos ajuda a manter saudáveis e alivia os custos com os cuidados de saúde. Estas perdas acarretam custos económicos.
A Análise argumenta que a crise da extinção das espécies que vivemos põe em causa a “produtividade, resiliência e adaptabilidade” da Natureza. Por sua vez, isto põe em risco as nossas economias, bem-estar e meios de subsistência. “A Natureza é a nossa casa”, disse Dasgupta. “Uma boa Economia exige que a passemos a gerir melhor.”
É preciso, segundo o estudo, mudarmos em três frentes.
Primeiro, a Humanidade precisa garantir que a procura não excede a capacidade de oferta sustentável. Temos urgentemente de aumentar a oferta mundial de “activos naturais”. Recomendações incluem a expansão e a melhoria da gestão das Áreas Protegidas e políticas que “desincentivem” formas de consumo destrutivas.
Depois, temos de adoptar métricas diferentes para o sucesso económico. Isto exige passar para uma medida “inclusiva” da riqueza, que injecte capital natural nos balanços nacionais.
Por fim, a Análise Dasgupta apela à transformação das nossas instituições e sistemas – em especial os das finanças e da educação – para permitir estas mudanças e defendê-las para as gerações futuras. Algumas propostas passam por sistemas de pagamento para os países mais pobres conseguirem proteger os ecossistemas vitais que albergam – como a Amazónia –, por coimas ou “rendas” pelo uso de regiões para além fronteiras, como as pescas nos oceanos, e por integrar o mundo natural nas políticas educativas. “Os sistemas educativos deveriam introduzir estudos de Natureza desde os primeiros momentos da nossa vida e revisitá-los nos anos que passamos no Secundário e nas Universidades”, escreve Dasgupta.
“No final do dia, cada um de nós tem de ser um juíz das suas próprias acções. E isso só pode acontecer se criarmos uma afectividade pela Natureza e pelos seus processos”, acrescenta. “Se nos preocupamos com o nosso futuro comum e com o futuro comum dos nossos descendentes, deveríamos todos ser, em parte, naturalistas.”
Sir David Attenborough já veio dizer que esta Análise é “a bússola de que precisamos urgentemente”. “A Economia é uma disciplina que molda decisões com as maiores consequências e por isso interessa-nos a todos. A Análise Dasgupta põe, finalmente, a Biodiversidade no seu centro”.
Pode ler aqui a Análise Dasgupta (em Inglês).
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