Ana Pêgo passeia pelas praias do concelho de Cascais em busca de plástico que converte em arte para nos fazer pensar sobre o presente e o futuro dos oceanos. Esta bióloga marinha criou o projecto “Plasticus maritimus”, um inventário de lixo artístico que ganha vida graças a um jogo de tamanhos, formas e cores – desde um esqueleto de baleia-de-barbas feito de embalagens de plástico branco às bóias de pesca dos EUA e a bonequinhos que marcas de gelado davam como brindes há 40 anos.
Desde pequena que Ana Pêgo, 44 anos, se lembra de passar muito tempo com os pés na areia. “Morava ao lado da praia das Avencas, em Cascais, e todos os dias, depois da escola, dizia aos meus pais que ia ver como estava a praia”, recorda esta licenciada em Biologia Marinha e Pescas, na Universidade do Algarve (UAlg).
Há já vários anos que colecciona coisas que encontra no areal, quer sejam tesouros naturais ou lixo marinho. Após trabalhar como técnica do Laboratório Marítimo da Guia (Cascais) durante algum tempo, decidiu enveredar pela via da educação ambiental e “o trabalho tem surgido naturalmente”.
Desde 2013 utiliza as suas coleções de fauna e lixo marinho como ferramentas pedagógicas em ateliers para crianças, escolas e famílias na Fundação Calouste Gulbenkian e quando visita escolas em Cascais.
Privilegia sempre dados nacionais atuais. “Apesar de, neste momento, não estar envolvida na investigação científica, vou-me mantendo em contacto com vários colegas meus. Por exemplo, em vez de mostrar imagens de uma tartaruga do oceano Pacífico, prefiro uma dos Açores, tendo em conta que já há registos de ingestão de plástico por parte destes animais.”
“A aliança entre a ciência e a arte resulta porque o conhecimento científico torna-se muito mais apelativo quando abordado de forma lúdica.” Foi assim que surgiu a ideia da escultura Balaena Plasticus.
Há muitos anos seguidora do trabalho do fotógrafo de natureza Luís Quinta, as fotografias do lixo na praia da Fonte da Telha, em 2014, despertaram-lhe a atenção. “Não o conhecia pessoalmente, mas decidi contactá-lo para partilharmos informação”.
Passado um mês e meio, estava concluído um projeto da autoria de Ana Pêgo e Luís Quinta: um esqueleto de baleia-de-barbas, feito com 250 peças de plástico branco. Para criarem esta instalação, com cerca de 10 metros de comprimento, apanharam vários materiais na orla costeira de Almada e Cascais, nomeadamente garrafões de lixívia, embalagens de iogurte e esferovite.
“A Balaena Plasticus foi apoiada pela Câmara Municipal de Almada e exposta, pela primeira vez, na Praça da Liberdade, no âmbito da “Semana Verde””, uma iniciativa que o município promove todos os anos, entre finais de maio e o Dia Mundial do Ambiente (5 de junho), para sensibilizar a população para questões ambientais.
Porém, não ficou por aqui. Esta instalação esteve também no Centro de Monitorização e Interpretação Ambiental da Costa de Caparica, no âmbito da exposição “Mar Sem Lixo, Oceanos de Vida“, e na exposição internacional “Lixo Marinho: um Problema Global” do projeto europeu MARLISCO (Marine Litter in European Seas: Social Awareness and CO-Responsibility).
“Eu e o Luís fomos ainda apanhados de surpresa quando soubemos que o nosso projeto tinha sido premiado com o “B Green Innovation Award”, no Greenfest2015” – o maior evento nacional de sustentabilidade que este ano já vai para a sua 9ª edição.
Esta baleia “teve um impacte bastante significativo, superando as expetativas que tínhamos inicialmente”. O rosto das pessoas revela o seu choque e admiração. Perguntavam “O quê? Isto tudo foi apanhado na praia?”.
Da Balaena Plasticus à criação do Plasticus maritimus
“Desde que comecei a explorar a temática do lixo marinho, tenho-me vindo a aperceber da assustadora falta de informação acerca do assunto. Infelizmente, muitas pessoas não têm noção da quantidade de lixo e dos objetos que vão parar ao mar e às nossas praias”, lamenta Ana Pêgo.
O facto de o projeto da Balaena Plasticus ter sido bem-sucedido veio impulsionar as pesquisas da bióloga marinha e o seu repertório de lixo marinho não tem parado de crescer, a juntar aos fósseis e restos de fauna marinha que coleciona desde criança.
“No final de 2015, o meu blog abordava, quase exclusivamente, a questão do lixo marinho e senti necessidade de criar um espaço que se dedicasse especificamente a este problema. Decidi inventar um nome científico para o plástico que tem invadido mar e áreas costeiras de todo o mundo e assim nasceu a página de facebook Plasticus maritimus”, explica a bióloga marinha.
O que, numa fase embrionária, “servia apenas para mostrar o que ia apanhando nas praias de Cascais, ganhou outra dimensão quando o número de visualizações e os comentários começaram a justificar o facto de comunicar a inglês”.
E além de partilhar o que vai encontrando e de esclarecer dúvidas que possam surgir (a propósito do objeto ou sua origem), Ana tem a oportunidade de se manter atualizada relativamente ao que está a aparecer noutros pontos do mundo.
Graças ao Plasticus maritimus, tem acompanhado diversas iniciativas e estabelecido contactos além-fronteiras. “A propósito das coisas que tenho encontrado, já falei com pessoas do Canadá, Inglaterra, França e Holanda e, de facto, têm sido ajudas preciosas para desvendar muitos mistérios”.
Lixo marinho, o contador de histórias
“Além dos contactos que podem ser importantes em termos profissionais – como é o caso de estudos de regurgitações de gaivotas que estão a ser desenvolvidos fora de Portugal, e aos quais já disponibilizei fotografias – explorar o passado dos objetos que encontro tem-me dado muito gozo”, reconhece a bióloga marinha.
No final de cada passeio, para selecionar o que vai para o contentor do lixo e o que leva para casa, Ana pensa na utilidade que o objeto poderá vir a ter no futuro. Garrafas, peças de lego, balões, esferovite, isqueiros e bonecos monocromáticos de antigas coleções de gelados Rajá e Olá, dos anos 60/70, são apenas alguns exemplos de objetos de plástico que lava, limpa e organiza.
No início deste ano, a fotografia do tinteiro que Ana Pêgo encontrou no Cabo Raso – o primeiro a ser registado em Portugal continental – apareceu num artigo da BBC, a propósito de um contentor de tinteiros HP que caiu ao mar em 2014 e se espalhou por vários pontos da Europa.
E mais histórias surpreendentes de objetos que tem descoberto não faltam, nomeadamente uma bóia da pesca do espadarte de Nova Jersey; um saco de água potável de emergência da Marinha russa ou o impressionante caso da PEN – perdida há cerca de um ano, mas ainda com os vídeos e as fotografias que permitiram devolvê-la ao dono, que a foi buscar durante a exposição do Plasticus maritimus no Paredão D’as Artes, em Cascais.
Apesar de fazer “beachcombing” todo o ano, considera que o verão não é das melhores épocas para quem quer ir em busca de tesouros perdidos e não o lixo que as pessoas deixam, propositadamente, na praia. “No inverno, temos marés vazias maravilhosas para andar a passear e explorar à vontade”, acrescenta.
Ultimamente, Ana Pêgo tem visto mais pessoas a limpar as praias e verifica que se dinamizam, com maior frequência, ações de limpeza. “No entanto, mais do que limpar, temos de arranjar, rapidamente, alternativas ao plástico descartável, muitas vezes, não reciclável e tão perigoso para os ecossistemas marinhos”, alerta.
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Este texto foi editado por Helena Geraldes.