Alexander von Humboldt recolheu, com o seu colega naturalista Aimé Bonpland, cerca de 60.000 plantas e milhares de animais durante a sua famosa expedição pela América Latina entre 1799 e 1804. Alguns destes espécimes eram então exibidos e descritos para a Ciência pela primeira vez. Um destes curiosos exemplares era o macaco-barrigudo de cauda amarela (Lagothrix flavicauda).
Os exemplares desta espécie de macaco não foram colecionados diretamente por Humboldt ou Bonpland. O que lhes veio parar às mãos, em 1802, foram as peles destes animais que eram usadas pelos muleteiros peruanos para cobrir as selas das suas mulas. Humboldt nunca teve a oportunidade de ver este macaco vivo. Mas ainda assim conseguiu aperceber-se de que se tratava de uma nova espécie.
Nos 125 anos depois de Humboldt ter descrito a espécie, em 1812, tudo o que era sabido sobre esta espécie era o seguinte: 1) era usado tradicionalmente pelos muleteiros peruanos para cobrir as selas das suas mulas; 2) tinha riscas amarelas na cauda e tufos de pêlo púbico amarelo; 3) e que, segundo Humboldt, era uma espécie de macaco pertencente a outra família (popularmente conhecidos como macacos bugio, guariba ou barbado). Os macacos bugio (howler monkeys em inglês) são conhecidos pelos seus uivos. O nosso macaco-barrigudo (woolly monkey em inglês) não produz uivos de qualquer espécie. A sua vocalização assemelha-se mais a um latido de cão. Mas Humboldt não tinha possibilidade de saber isto tendo analisado apenas as suas peles.
Em 1925 e 1926, quando se acreditava que a espécie estaria provavelmente extinta, dois colecionadores profissionais de animais conseguiram capturar cinco macacos-barrigudos de cauda amarela. Mas não se aperceberam do que tinham em mãos e os animais foram considerados, erradamente, uma nova espécie. Este feito causou amplo debate e discussão entre naturalistas.
Entretanto, parece que a espécie tinha voltado a desaparecer. Mais nada se sabia sobre esta enigmática espécie além de alguns espécimes expostos em museus de História Natural. Tanto quanto o mundo sabia, estava extinta. Outra vez.
Missão (quase) impossível
O ano era 1974. O dia era 26 de Abril, um dia depois da revolução dos cravos. No entanto, fora de Portugal havia uma equipa de biólogos que estava preocupada com algo diferente. Estes peritos tinham iniciado uma expedição considerada quase impossível: a re-descoberta do macaco-barrigudo de cauda amarela, uma espécie que para muitos já se tinha extinguido duas vezes.
Russell Mittermeier e a sua equipa de biólogos vindos do Peru e da Colômbia iniciaram a sua expedição de 12 dias pela Amazónia Peruana onde, há 50 anos, os colecionadores profissionais tinham obtido os últimos exemplares conhecidos. A busca não foi completamente em vão, porque a equipa conseguiu obter peles e crânios de um caçador que cruzou seu caminho. Mas não havia ainda rasto de macacos vivos. No penúltimo dia da expedição, crianças da região disseram-lhes que um soldado mantinha um macaco-barrigudo de cauda amarela juvenil em sua casa como animal de estimação. Não era um macaco no seu habitat natural, mas estava vivo.
A descoberta foi título de vários artigos de jornais, particularmente no Peru. Tinha sido uma manobra para criar alguma atenção nos media e informar a população acerca do maior mamífero endémico do Peru que estava prestes a desaparecer se nada fosse feito.
No rasto do macaco
Em 2016 fui à floresta da Amazónia e embrenhei-me num trilho por caminhos traiçoeiros e montes cobertos de lama. Estava lá com a ajuda de uma ONG local, a Neotropical Primate Conservation (NPC), que faz investigação e trabalho de conservação com as três espécies de macacos endémicos no Peru. Queria ver o macaco-barrigudo de cauda amarela no seu habitat natural.
Depois de seguir os latidos dos macacos durante algum tempo, descobrimos o primata que procurávamos e que muitos antes de nós haviam considerado como extinto por duas vezes em dois séculos, no seu meio natural. A espreitar pelos galhos das árvores, mesmo sobre as nossas cabeças, estavam os macacos-barrigudos de cauda amarela. Ficaram quietos e parecia que nos estavam a estudar. Um sorriso formou-se automaticamente nos meus lábios, olhando para aqueles macacos que, com todo o seu esplendor, carregavam aqueles suas peles lustrosas e aveludadas com um toque de amarelo aqui e acolá. Há algo de especial em conseguir ver criaturas como estas no seu meio selvagem, passeando-se de ramo em ramo floresta adentro.
Eventualmente habituaram-se à nossa presença e retomaram as suas atividades. Eu tentava observar os macacos e tudo aquilo que me rodeava, tentando absorver o máximo possível.
A floresta emanava mistério, com um céu cinzento e as ocasionais chuvadas intensas contribuindo para o sentimento; os macacos eram sublimes, com uma aparência majestosa, sabendo como exibir as suas impressionantes caudas; e as pessoas que os seguiam, estudavam, e admiravam, sentiam-se gratas por poder partilhar estes momentos tão especiais com aqueles animais. Eu considerava-me uma dessas pessoas, afortunado por ter a oportunidade de testemunhar tais coisas. No entanto, não deixa de ser estranho pensar que animais tão impressionantes que aparentavam reinar nas copas das árvores estão com dificuldade em sobreviver.
Haviam passado cinco horas desde o momento em que primeiro pus os pés na lama naquele dia e que comecei à procura de macacos. E ali estavam eles, silhuetas negras a saltar para a frente e para trás em movimentos acrobáticos no cimo das árvores, num dia de nuvens cinzentas. Comigo estava um guia, certificando-se que nada de mal me acontecia a mim ou aos macacos.
Mais de dois séculos depois de terem sido descobertos pela Ciência ocidental, estes incríveis macacos continuam a enfrentar as mesmas ameaças.
Recentemente, Mittermeier disse não acreditar que a espécie consiga sobreviver mais duas décadas. Mas a comunidade conservacionista está a fazer esforços tremendos para salvaguardar o bem-estar da espécie e tentar evitar a sua extinção. Este pequeno grupo de pessoas, cuja força e devoção é equiparável à de um exército, estão a dedicar as suas vidas a esta causa, à preservação destes animais e à mudança da percepção negativa que muitos continuam a ter para com um dos mamíferos mais raros do mundo. Contra todas a expectativas, estes macacos continuam a ter uma hipótese.
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Henrique Bravo Gouveia é biólogo dedicado à comunicação de Ciência. Nos próximos 12 meses é um dos cronistas da Wilder, com a série “Lonely Creatures”. Este é o nome da organização não governamental de Ambiente que criou recentemente.
Através de uma rede de biólogos e fotógrafos, esta associação recolhe informação acerca das espécies ameaçadas – classificadas pela UICN como Criticamente Em Perigo, Em Perigo ou Vulneráveis – e conta as suas histórias, mostrando como são fascinantes. E importantes.