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Correlophus ciliatus. Foto: Monika Szczypel

Lagartos de pequenas ilhas: um jogo de escondidas com a ciência

19.07.2016

Nas crónicas passadas conhecemos histórias de espécies que renasceram do registo fóssil. Agora entraremos no mundo das Espécies Lázaro por excelência, ou seja, aquelas que descobrimos vivas, mais tarde declarámos extintas, e que terminámos por reencontrar cheias de vida.

 

Essas histórias são incríveis! E são as que alimentam a imaginação de quem ainda procura o tigre-da-Tâsmania (também conhecido como Tilacino), ou o sirénio de Steller (um mamífero marinho da mesma ordem dos dugongos e dos manatins), ou até o Megalodonte, o tubarão-branco-gigante.

Vamos conhecer pequenas histórias desde as plantas aos mamíferos, mas começaremos pelos répteis. Estes trazem-nos uma mão cheia de reencontros em apenas duas regiões insulares: a Nova Caledónia e as Canárias.

Como é o caso do lagarto Phoboscincus bocourti, da família Scincidae (lagartos sem membros ou com membros reduzidos) e endémico da Île des Pins, uma pequena ilha da Nova Caledónia, no Oceano Pacífico.

 

Phoboscincus bocourti. Foto: Caut et al 2013
Phoboscincus bocourti. Foto: Caut et al 2013

 

Esta espécie, descrita em 1876 pelo naturalista francês Paul Louis Antoine Brocchi, foi considerada extinta pois nenhum outro exemplar foi encontrado. Só existia um espécime colectado por um habitante da Nova Caledónia, chamado Balanza, em 1870. Acontece que, mais de 100 anos depois, em 2003, este lagarto foi oficialmente reencontrado na mesma ilha.

O lagarto da fotografia de cima (publicada neste artigo da revista científica PLoS ONE em 2013) é o represente desta espécie que, apesar do seu tamanho, cerca de 50 cm, conseguiu passar despercebida durante mais de um século. Isto até uma equipa do Museu Nacional de História Natural de França ter fotografado e filmado um exemplar já em pleno século XXI.

Curiosamente, conquanto as espécies desta família sejam normalmente omnívoras, a dentição deste lagarto sugere que é carnívoro, podendo alimentar-se de outros lagartos, pequenas aves e ovos.

Da Nova Caledónia chega mais um renascimento, o de um gecko gigante reencontrado também na Île des Pins. Em 1866 este lagarto foi descrito pelo zoólogo francês Alphone Guichenot, que o baptizou de Correlophus ciliatus, com o nome da espécie associado à estrutura encristada que se encontra sobre os olhos destes répteis (ciliatus, do latim – cílios, pestanas).

 

Correlophus ciliatus. Foto: Monika Szczypel
Correlophus ciliatus. Foto: Monika Szczypel

 

A espécie acabou por ser considerada extinta pois nenhum outro exemplar foi encontrado até que alguns exemplares foram redescobertos em 1944, após uma tempestade tropical. Desde então a espécie tem sido amplamente reproduzida em cativeiro e é comum como animal de estimação.

Hoje conhece-se bem o habitat e os hábitos da espécie, o que ajuda a compreender o longo período sem avistamentos. Esta espécie ocorre num território de 1600 km2 entre a ilha Gran Terre e a Île des Pins (Nova Caledónia), vivendo entre os 150 e os 1000 metros acima do nível do mar. Sendo uma espécie de floresta tropical, ocorre em áreas da Nova Caledónia onde o clima é mais fresco.

Uma particularidade taxonómica desta espécie prende-se com o género a que pertence. No século XIX, Guichenot colocou a sua descoberta no género Correlophus, que marcava um novo género para a ciência. Outra espécie endémica da Nova Caledónia, descoberta em 1913 (C. sarasinorum), foi colocada também neste género da família Diplodactylidae. Mais tarde ambas foram consideradas como pertencendo a um outro género, também ele de geckos gigantes, o género Rhacodactylus.

No entanto, estudos filogenéticos recentes levaram à descoberta de uma nova espécie de gecko na Nova Caledónia em 2012 (C. belepensis) e vieram demonstrar que Alphone Guichenot tinha razão ao criar o novo género. Estas três espécies tornaram-se então as representantes deste novo/velho género para a ciência.

Voamos agora para as Ilhas Canárias onde três lagartos jogaram às escondidas com os cientistas durante anos. El Hierro, La Palma e La Gomera são as três ilhas deste arquipélago onde o jogo do gato e do rato se foi desenvolvendo.

As histórias de La Palma e El Hierro cruzam-se. A espécie Gallotia simonyi, um lagarto com cerca de 60 cm de comprimento, havia desaparecido da ilha de El Hierro na década de 1930 devido à excessiva captura para fins científicos e comerciais e à predação por gatos e gaivotas.

Em 1974, um herpetólogo amador alemão, Werner Bings, descobriu uma população sobrevivente na ilha de El Hierro, que mais tarde veio a ser classificada como uma subespécie da outrora considerada extinta, G. simonyi machadoi. A sua população actual é inferior a 500 indivíduos e é tida como criticamente ameaçada na Lista Vermelha da União Internacional para a Conservação da Natureza (UICN).

Em La Palma eram conhecidos restos fósseis que indicavam claramente a existência de uma espécie de lagarto distinto nesta ilha. De acordo com os restos conhecidos, a espécie teria um tamanho próximo dos 50 cm e a sua extinção teria ocorrido em tempos históricos.

Os estudos sobre os restos esqueléticos conhecidos foram evoluindo e chegou a ser considerada a hipótese de se tratar da mesma espécie da ilha de El Hierro. No entanto, em 2002 foi considerada uma espécie distinta, Gallotia auaritae.

Ainda sem confirmação da sua existência actual, a espécie é considerada desde 2008 como Criticamente em Perigo pela UICN. A decisão deveu-se a indícios da presença de indivíduos na ilha, bem como uma fotografia de um lagarto, apresentada por Luís Enrique Mínguez e colegas num artigo de 2007, que não se assemelhava a nenhum outro conhecido da região.

Em La Gomera a história é mais simples. Relatos relativos a uma espécie grande de lagarto existiam em documentação até ao século XIX, mas depois nem uma só referência. Em 1985 a espécie foi descrita por Rainer Hutterer, um zoólogo alemão do Museu Alexander Koenig, a partir de restos fósseis recentes e assumiu-se que a espécie se teria extinto em tempos históricos.

Em 1999, uma equipa espanhola de biólogos, liderada por Juan Carlos Rando, descobriu exemplares numa região de difícil acesso na ilha, as arribas de Valle Gran Rey. Apenas 6 indivíduos foram identificados, mas foi o suficiente para confirmar a espécie Gallotia bravoana como parte do mundo dos vivos.

Hoje sabe-se que a sua população é inferior a 100 indivíduos no estado selvagem e umas dezenas em cativeiro. A UICN classificou a espécie como Criticamente em Perigo e existe um programa de recuperação apoiado por reprodução em cativeiro e pela protecção que a legislação internacional confere à espécie. No entanto, o sucesso do programa depende fortemente do controlo da população de gatos selvagens nas regiões que circundam a população de G. bravoana.

 

 

[divider type=”thick”]Sobre o autor:

Gonçalo Prista é doutorando da Universidade de Lisboa, em Ciências do Mar, e membro da Sociedade de História Natural de Torres Vedras. Trabalha nas áreas de paleoceanografia e paleontologia.

Desde Fevereiro este investigador escreve para a Wilder sobre as Espécies Lázaro. Pode ler e reler aqui a sua série de crónicas “Extintas por engano”.

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