A ilha de Utila, pertencente às Honduras, está localizada nas Caraíbas e é o local que deu origem a Robison Crusoé, ou pelo menos é essa a lenda que corre pela ilha. Utila dá também o seu nome a vários animais endémicos, entre eles uma iguana.
Com areias brancas e águas turquesa, poucos são os que se preocupam em procurar animais. Mas esta pequena ilha com 45 km2 tem três espécies diferentes de iguanas. Duas delas estão presentes um pouco por toda a América Central, mas a iguana de Utila (Ctenosaura bakeri) está confinada aos mangais da sua ilha e, portanto, ameaçada devido à pequena área a que tem acesso.
Os mangais são dos ecossistemas mais ricos em biodiversidade à face da Terra, a par dos recifes de corais e florestas tropicais. Estas florestas de árvores com raízes dentro de água, além de albergarem uma grande quantidade de espécies, providenciam também um sistema natural de defesa contra furacões, tsunamis e outras intempéries. Na ilha de Utila, os mangais ocupam cerca de 8 km2 estando presentes um pouco por toda a parte, mas provavelmente não por muito tempo.
A nossa iguana é uma de apenas duas espécies de répteis conhecidas que habita exclusivamente em mangais. Pode atingir os 76 centímetros de comprimento (com cauda) e alimenta-se daquilo que encontra: frutos, folhas e ocasionais insetos. Nem sempre foi assim, mas uma das outras espécies de iguana (Ctenosaura similis) que habita na ilha, consideravelmente maior em tamanho, foi empurrando a iguana de Utila para áreas menos inacessíveis, devido à sua superioridade e agressividade. Uma iguana bully.
Desde que foi descoberta como uma nova espécie, em 1901, até 1994, pensa-se que poderá ter sido mesmo erradicada do seu habitat e ter estado perto da extinção. Durante muitas décadas, a iguana de Utila foi caçada pela sua carne e os ovos eram apanhados assim que depositados. Devido à sua restrição em termos de habitat, o número de indivíduos desceu abismalmente, até que foi necessária uma intervenção e implementar um sistema de reprodução assistida.
Hoje pensa-se que existam menos de 5.000 indivíduos a viver livremente nos mangais. Um número que pode parecer mais do que suficiente para garantir a sobrevivência de uma espécie durante gerações, mas que é volátil ao mais simples dos distúrbios. Uma tempestade mais forte do que o normal, baixas de temperatura imprevisíveis, um vírus inesperado, um simples fator pode ser o suficiente para dizimar a espécie e fazê-la desaparecer.
A iguana deixou de ser um dos pratos favoritos da população local mas outros perigos surgiram. A destruição dos mangais para dar lugar a resorts de luxo ou a estradas, assim como a poluição constante que chega a todas as partes da ilha, são alguns dos exemplos. O desaparecimento da pouca área a que as iguanas chamam “casa” é provavelmente a maior ameaça e mesmo com indivíduos criados em ambientes controlados (como zoos ou centros de reprodução) a sua reintrodução será difícil.
Quem estiver determinado a ver a iguana em todo o seu esplendor, poderá fazê-lo em dois sítios na ilha, considerados ideais para tal. O primeiro é uma estação de investigação que está responsável pela monitorização da espécie na ilha, mas também pela sua reprodução in-situ e a consequente libertação dos indivíduos nos mangais. Um género de mini-zoo com uma série de jaulas e incubadoras focado especificamente na conservação da iguana de Utila.
O segundo sítio é dentro da floresta de mangais. Uma vez que se encontram dentro de água, a melhor forma de se chegar ao coração da floresta é de kayak. E foi isso que decidi fazer. Agarrando num daqueles kayaks que mais se assemelham a tijolos flutuantes e florescentes, em que a manobrabilidade é quase impossível, lá fui feliz e contente pagaiando pelos canais de Utila com mangais de um lado e de outro, seguindo o meu guia e voluntário na estação de iguanas à espera de ver uma iguana no topo de uma árvore.
Não demorou muito. Como se estivesse a apontar para a coisa mais banal do mundo, o meu guia levanta o braço na direção da iguana e diz: “Está ali uma.” E prossegue sem nunca abrandar o ritmo.
Uma torrente de sensações: excitação, incredulidade, confusão, felicidade. A iguana estava a repousar num tronco de árvore da mesma cor, um castanho acinzentado, provavelmente a apanhar a sua dose diária de raios solares, camuflando-se na perfeição. Estava a tentar apreciar o momento e observar um pouco mais de perto a iguana quando vi o meu guia já longe, a conduzir o seu kayak para as profundezas da floresta.
Uma segunda e terceira iguana pousaram para nós e o guia sempre a reagir do mesmo modo pouco eufórico. Por volta da quinta ou sexta iguana, já as conseguia distinguir no meio dos troncos e folhas que dissimulavam os répteis sem que necessitasse de ajuda. Que espécie incrível, era o que me passava pela cabeça. Deixar o conforto de árvores assentes em terreno normal para se refugiar num local mais inóspito em que são necessárias adaptações fisiológicas e comportamentais para lidar com o alto nível de salinidade e a falta de alimento. E, no entanto, estas iguanas são pontualmente consumidas pela sua carne e o seu terreno destruído.
Esta, como muitas outras espécies, está criticamente ameaçada, podendo desaparecer de um dia para o outro e o mundo nem se aperceberia. A falta de informação e despreocupação para com o Ambiente é uma das maiores ameaças à nossa natureza.
Todos os habitantes e visitantes da ilha deviam fazer uma viagem de kayak (mas nuns mais aerodinâmicos) pelos mangais para se aperceberem da incrível natureza que os rodeia e o porquê de preservar tais lugares em vez de dar prioridade à construção de infraestruturas desnecessárias ou a poluição desses mesmos sítios.
Os devaneios dissipam-se, o ritmo das pagaiadas volta a aumentar, a busca por mais iguanas continua.
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Henrique Bravo Gouveia é biólogo dedicado à comunicação de Ciência. Nos próximos 12 meses é um dos cronistas da Wilder, com a série “Lonely Creatures”. Este é o nome da organização não governamental de Ambiente que criou recentemente.
Através de uma rede de biólogos e fotógrafos, esta associação recolhe informação acerca das espécies ameaçadas – classificadas pela UICN como Criticamente Em Perigo, Em Perigo ou Vulneráveis – e conta as suas histórias, mostrando como são fascinantes. E importantes.