O Parque Nacional da Peneda-Gerês foi criado há 50 anos e as celebrações decorrem até 8 de Maio de 2021. Até lá, Miguel Dantas da Gama, profundo conhecedor desta área protegida, vai aproximar-nos deste recanto único no nosso país.
Espaços naturais intocáveis, detentores de um valor intrínseco, independentemente do interesse e da utilidade que possam ter para o Homem. Preservá-los, libertos de qualquer usufruição humana que não seja justificada para o seu estudo, tendo como objectivo a salvaguarda da sua integridade, a perenidade dos valores naturais que encerram, dos seus ecossistemas, das plantas e animais selvagens que os integram, esteve na origem, há mais de um século, do movimento preservacionista, uma corrente também ideológica, cujos primeiros passos foram dados nos Estados Unidos da América.
Entre os seus percursores, destaca-se o escritor, naturalista e ensaísta John Muir (1830-1914), fundador do Sierra Club, uma das primeiras e mais prestigiadas organizações não-governamentais de ambiente que em 1992 já comemorava cem anos de existência.
A ele muito se deve a ideia dos parques nacionais e o surgimento das primeiras áreas protegidas com este estatuto, precisamente na América do Norte. É reconhecida a sua intervenção e a forte influência dos seus escritos que levaram a que o presidente Theodore Roosevelt criasse o Parque Nacional de Yosemite (1890), depois de Yellowstone, o primeiro no mundo, em 1872.
A preocupação de produzir legislação para assegurar uma proteção integral de territórios bravios de elevado interesse natural, salvaguardando-os de uma usufruição humana agressiva era pois já evidente nos finais do séc. XIX.
O conservacionismo surgiu de algum modo como um contraponto ao preservacionismo, considerado por muitos uma ideia radical alimentada por «ecoloucos». Gifford Pinchot, primeiro presidente do Serviço Florestal dos Estados Unidos, é considerado uma figura central no desenvolvimento do movimento que haveria de ampliar-se até alcançar o muito lato conceito do ambientalismo contemporâneo. Defendem que a natureza deve ser usufruída pelo Homem desde que de uma forma sustentada. Os seus recursos podem ser explorados, se controladamente. Entre os seguidores desta abordagem que hoje prevalece e se intensifica em todo o mundo, para se opor à visão capitalista e egocêntrica assente no princípio de que nada faz sentido existir se não for para servir o Homem, há quem se atreva a afirmar que uma intervenção conservacionista pode até ser mais eficaz na sustentabilidade dos ecossistemas do que se estes permanecerem intocados!
Não sendo objectivo desta crónica aprofundar, nem mesmo confrontar estas várias correntes de pensamento, importa no entanto realçar que as duas visões a que correspondem níveis de proteção diversos estiveram presentes na ideia inicial norte-americana e que mais tarde foi disseminada por todo o mundo. Proteger integralmente redutos de natureza preciosa e paralelamente permitir que o Homem usufrua, sem pôr em causa um património que deve permanecer preservado para usufruição também das gerações futuras.
Exatamente neste mesmo conceito se inspirou quem se bateu pela criação do Parque Nacional da Peneda-Gerês (PNPG). De extensão bem menor que os seus congéneres americanos, nele foi necessário criar uma zona envolvente, hoje definida como Área de Ambiente Rural, onde residem cerca de dez mil pessoas. Mas no interior desta, na Área de Ambiente Natural, tentou-se então recriar essa filosofia assente em diferentes graus de proteção consoante a importância dos valores naturais presentes.
As hoje denominadas Áreas de Proteção Total deveriam ser os tais espaços «intocados» pelo Homem que os primeiros preservacionistas reclamaram há mais de cem anos e que agora mais do que nunca se impõe sejam respeitados. Santuários envolvidos por áreas onde a usufruição humana é consentida sobre determinadas regras e que no PNPG se designam Áreas de Proteção Parcial. Mas se digo deveriam é porque na realidade não são, contrariando o plano de ordenamento aprovado para esta área protegida, que para eles definiu também uma função de estudo, admitindo para esse efeito e como uma única «profanação» possível destes «verdadeiros laboratórios vivos» a visita de investigadores, de cientistas.
No momento em que decorre o período de evocação do quinquagésimo aniversário do nosso único parque nacional, o qual se iniciou em 11 de outubro de 2020, dia em que se completaram cinquenta anos após a sua inauguração e que culminará em 8 de Maio de 2021, o momento importante em que o mesmo meio século terá passado sobre a promulgação do decreto que criou a Peneda-Gerês, – efeméride a que esta crónica e as próximas, até maio do próximo ano, se associam – importa reclamar a salvaguarda integral destes diminutos espaços no coração do PNPG e que cinco décadas depois continuam a servir de pasto para o gado e também por isso, periodicamente alvo de queimadas.
O apelo é tão mais importante quando sob a capa da defesa e do amor pela natureza, também a reboque da corrente conservacionista, que admite o uso racional dos recursos e, por isso, a integração do homem nos espaços naturais atribuindo-lhe o poder de intervir e reconhecendo-lhe o saber de bem gerir, se investe cada vez mais em facilitar o avanço da nossa espécie e o reforço do seu impacto sobre todos os bens naturais. Passadiços, pontes suspensas, baloiços, tudo vai servindo para nos impormos sobre o Meio, não dando tréguas aos restantes seres vivos, invadindo os últimos espaços onde os fomos encurralando. Mesmo nas áreas ditas protegidas. Ou principalmente no seu interior porque fora delas onde também devíamos investir para recuperar, conservar e preservar, pouco sobra que motive essa «aproximação» do Homem à Natureza.
O Parque Nacional da Peneda-Gerês foi criado a 8 de Maio de 1971. Hoje abrange os concelhos de Arcos de Valdevez, Melgaço, Montalegre, Ponte da Barca e Terras de Bouro. As matas do Ramiscal, de Albergaria, do Cabril, todo o vale superior do rio Homem e a própria serra do Gerês são um tipo de paisagem que dificilmente encontra em Portugal algo de comparável.