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lobo ibérico
Foto: Joana Bourgard

Animais de estimação e vida selvagem

22.03.2018

A recente promulgação da lei que vai permitir aos animais de estimação acederem a espaços comerciais fechados, nomeadamente a restaurantes, na companhia dos seus donos, é a mais recente conquista de quem reclama direitos para os animais domésticos.

 

Este argumento, aliado à crença de muitos dos que os possuem, acharem que por este facto também são defensores da natureza, porque gostam de animais, porque têm um cão, um gato ou um canário, bem como a ideia de que ampliando os direitos dos seres vivos com dono, torna a espécie humana menos egocêntrica e ainda todo um conjunto de sinais desta “humanização” crescente dos animais domesticados, suscitam-me preocupações que vejo com interesse partilhar. Mas também gosto de cães e de gatos e também a isso se deve esta crónica.

Comecemos pelo amor à natureza autoproclamado por muitos dos que possuem animais de companhia, recorrendo ao animal de estimação, por excelência. De uma forma directa ou indirecta, todos os cães têm origem no lobo. Sabe-se lá que o que os nossos antepassados mais recuados fizeram ao nobre carnívoro para que dele pudessem emanar os primeiros bichos, domados para nos servirem. Consegue-se imaginar. Mas o que (ainda) hoje fazemos aos lobos é uma realidade conhecida. E cruel. Uma atrocidade que não vejo na agenda nomeadamente dos partidos que se identificam com a natureza e os animais. E enquanto os cães adquirem mais direitos, os lobos veem recuar a legislação que os (des)protege, como escrevi numa crónica anterior. Quem promove a proliferação de gatos, principalmente muitos daqueles ditos abandonados, não imagina o quanto eles podem ser prejudiciais para a vida selvagem, tanto em redor das nossas aldeias como nos centros urbanos, nos quintais e espaços comuns dos condomínios onde vivemos. As aves passeriformes são as principais vítimas.

O argumento de que se tratarmos bem os animais domésticos tornamo-nos seres menos egocêntricos, é dos que mais me incomoda. Na Natureza, onde viviam livres, onde viviam de facto, capturamo-los. De mil e uma maneiras, há muito ou pouco tempo, necessariamente sempre à força, prendemo-los, retiramos-lhes a capacidade de saberem sobreviver livres, manipulamo-los, tornamo-los dependentes de nós, de um dono. Para quê? Para se sentirem mais confortáveis e protegidos no nosso meio? E qual o critério que prevalece quando os avaliamos? Espertíssimos! «Ao meu cão, só lhe falta falar»! Mais uma vez, para quê? Para uma infinidade de tarefas a nosso favor. Localização de pessoas desaparecidas, acidentadas ou procuradas pela justiça, detecção de drogas, apoio de invisuais, transporte de correio ou de outra carga humana, nossa defesa, mitigação da solidão em que muitos vivem e ainda para, no exercício da caça, uma diversão para o homem de hoje, facilitarem o abate dos animais selvagens que estão na sua origem. E como lhes retribuímos este infindável rol de serviços? A vida nas grandes urbes tornou-se uma correria frenética. Saímos de casa pela manhã e muitos de nós só regressam já perto da hora de jantar. Deixar um cão só, num apartamento, com acesso a uma varanda, na melhor das hipóteses, é o mesmo que manter uma ave numa pequena gaiola. Mas será que levá-lo agora a um restaurante é uma conquista? Para ele, ou para o seu dono? O que responderia, um cão, ou um gato, ou outro qualquer animal de estimação à pergunta se gostaria de passar a poder ver o seu dono, com a família ou os amigos, comer num ambiente estranho e no meio de grande reboliço? Ou a passar as tardes num centro comercial?

Não está em causa a importância da atitude ou a nobreza de sentimentos de quem luta para que os animais que foram obrigados a rodearem-nos, sejam bem tratados e respeitados. O que preocupa é o incentivo a uma cultura de afastamento dos cidadãos principalmente dos que vivem nos centros urbanos, da natureza e da vida selvagem que os rodeia, dentro e fora das cidades, num processo agravado por iniciativas que mais uma vez revelam o carácter egoísta e sobranceiro com que a nossa espécie olha toda a restante vida no planeta.

Também aqui se confere um grande negócio instalado. De fabricantes de rações e de uma infindável oferta de artefactos que tornam os animais de estimação mais apelativos aos olhos de quem os transaciona, das clinicas veterinárias e de outros serviços que outrora só se imaginavam para os humanos. Cabeleireiros, campos de férias, hotéis… O que se seguirá nesta humanização de cães e gatos e de muitos outros animais, incluindo exóticos, alguns dos quais, escapando-se do cativeiro, ou abandonados por donos cansados de os aturar, criam sérios problemas à natureza nativa?

Tudo gravita em torno dos donos dos animais de estimação e dos seus direitos. E como se acautelam os direitos dos que não os têm? Dos que não os querem adquirir, muitas vezes por entenderem que não teriam condições dignas para os manter, mas que não se livram de serem incomodados em casa, de dia e de noite, pelos animais dos seus vizinhos e nas ruas conspurcadas, consequência do desrespeito pelo espaço público e pela falta de civismo manifestada por detentores de animais que só raramente são sancionados pelas autoridades municipais.

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