Desde há 40 anos que não há registo de casais reprodutores da maior espécie de lontra do mundo em território argentino. Uma família de quatro destes mamíferos foi agora libertada no Gran Parque Iberá, área protegida no noroeste do país.
Esta espécie de lontra é considerada carismática, curiosa e também a maior do mundo. Pode medir até 1,8 metros e pesar 33 quilos e esta é a primeira ação de reintrodução numa área de onde tinha desaparecido devido à intervenção humana, informou a Rewilding Argentina, um dos vários parceiros deste projeto que começou a ser planeado em 2017. A libertação destas quatro lontras na província de Corrientes está ligada a um projeto de rewilding coordenado por esta organização não governamental argentina.
Dois dos animais agora libertados tinham nascido e sido criados em cativeiro: Nima, nascida em 2020 no Zoo-Aquário de Madrid, que forma um casal com Coco, proveniente do Zoo de Givskud, na Dinamarca. Ambos têm duas crias nascidas em novembro de 2024 já na Argentina, quando estavam no recinto de pré-libertação a serem preparados para a reintrodução na natureza.
Nima, a candidata perfeita
“A Nima tinha um caráter tímido e não muito sociável com os humanos, o que para o projeto de reintrodução fazia dela uma candidata perfeita”, comentou Eva Martínez, veterinária do Zoo de Madrid, citada pela agência noticiosa EFE Verde. “Este é um dos finais felizes que perseguimos nos jardins zoológicos: conseguir que uma espécie ameaçada regresse à natureza.”
A lontra-gigante (Pteronura brasiliensis), também chamada de ariranha, está classificada como Em Perigo de extinção pela Lista Vermelha da União Internacional para a Conservação da Natureza. Está hoje presente em vários países da América do Sul, incluindo a Colômbia, Peru, Bolívia, Equador, Venezuela e Paraguai e também na Amazónia e no Pantanal brasileiros. Nalguns destes países, foi durante muito tempo fortemente caçada para aproveitamento da pele, o que quase a levou à extinção até a caça ser proibida nos anos 1970.
Já na Argentina, a última vez que a espécie foi avistada foi em 1986, e desde então foi dada como extinta localmente devido à caça ilegal e ao desaparecimento dos seus habitats.
O principal predador
O projeto de rewilding de que esta lontra faz agora parte prevê a reintrodução de outras espécies nativas no Gran Parque Iberá, uma vasta área no noroeste argentino que inclui um parque regional com 600.000 hectares e ainda um parque nacional, criado em 2018, com 158.000 hectares. Esta área protegida está associada a uma das maiores bacias hidrográficas da América do Sul.
“A lontra-gigante é o principal predador aquático destas zonas húmidas e a sua dieta compõe-se quase totalmente de peixe, pelo que a sua presença contribui de forma significativa para manter os ecossistemas saudáves, em especial os sistemas hídricos que habita”, comentou Sebastián Di Martino, diretor de conservação da Rewilding Argentina, numa nota publicada por esta ONG. “Ao reintroduzirmos a lontra-gigante na Argentina, podemos começar a restaurar a conetividade entre populações isoladas e ajudar a recuperar esta espécie-chave no coração da América do Sul.”
Esta família de quatro lontras foi o primeiro dos grupos da espécie a serem libertados, no âmbito de um processo que se iniciou há oito anos e tem envolvido uma preparação complexa, descreve a Rewilding Argentina. Em causa estão várias tarefas que têm sido cumpridas desde 2017: a busca de casais reprodutores, o estabelecimento de regras de controlo sanitário e de transporte de animais desta espécie, o desenho dos recintos de quarentena e dos recintos de aclimatação (pré-solta), a alimentação com peixes vivos para estas lontras aprenderem a pescar sozinhas na natureza e ainda a conceção de um arnês que vai permitir a monitorização à distância destes mamíferos, depois da sua libertação.
O projeto de reintrodução da lontra-gigante na Argentina conta com o trabalho conjunto do governo da Província de Corrientes, a administração dos Parques Nacionais da Argentina, a Rewilding Argentina, o Projeto Ariranha do Brasil e o Programa Ex Situ de Lontra-Gigante da Associação de Jardins Zoológicos e Aquários Europeus. Também inclui a colaboração de várias entidades que doaram as lontras, incluindo os zoos de Budapeste (Hungria), Madrid (Espanha), Halle (Alemanha), Givskud (Dinamarca), Eskilstuna (Suécia), Doué La Lontaine (França) e Los Angeles (EUA).