Quebra-ossos. Foto: Francesco Veronesi/Wiki Commons

Reintrodução do quebra-ossos: um ano de 2025 a meio-gás

12.05.2025

Apenas cinco abutres poderão ser libertados esta temporada em França, um número abaixo do habitual, reflexo de uma temporada de reprodução em cativeiro na Europa anormalmente fraca.

O quebra-ossos (Gypaetus barbatus) é uma grande rapina que quase desapareceu por causa de perseguição humana, redução de herbívoros selvagens e alteração das práticas agrícolas. 

É o abutre mais ameaçado da Europa, onde se estima que existam hoje pouco mais de 200 casais, 130 dos quais em Espanha. Em Portugal, a espécie está dada como extinta.

Em França, trabalha-se para trazer de volta esta espécie. Enquanto alguns indivíduos ainda subsistiam nos Pirinéus no final dos anos 1960, os programas de reintrodução permitiram, inicialmente, reconstituir um núcleo populacional nos Alpes e depois no Maciço Central. Desde os anos 1980, mais de 420 quebra-ossos já foram reintroduzidos na Europa.

A equipa do projecto LIFE Gyp’Act (2022-2028) mobiliza-se por estes dias para a nova temporada de reintroduções na natureza.

Depois de cinco anos consecutivos marcados pelo cumprimento dos objectivos fixados entre seis e 10 indivíduos, 2025 anuncia-se um ano mais modesto, com três jovens abutres que serão libertados na região de Aveyron (na Ocitânia) a 27 de Maio e 10 de Junho e outros dois na região de Drôme (na Auvérnia-Ródano-Alpes) a 12 de Junho.

Estas cinco aves nasceram em zoos e num centro de reprodução na Finlândia, Alemanha, República Checa, França e Espanha (Andaluzia), no âmbito de uma rede europeia de reprodução em cativeiro.

Em 2024 foram libertadas seis quebra-ossos em França. Mas este ano, a temporada de reprodução em cativeiro foi “complicada”, com um sucesso reprodutor anormalmente fraco, segundo a Liga Francesa para a Protecção das Aves (LPO, Ligue Française pour la Protection des Oiseaux). Ainda que as primeiras eclosões tenham sido precoces (desde 28 de Janeiro), houve uma série de complicações ao longo do tempo: perda de abutres e taxas elevadas de infertilidade. Na verdade, cerca de 40% dos ovos produzidos em toda a rede europeia de reprodução em cativeiro revelaram-se inférteis. Mesmo os centros que têm tido mais sucesso em outros anos também foram afectados. Alguns casais historicamente mais produtivos não puseram um único ovo este ano, o que influencia as reintroduções na natureza e o reforço das populações selvagens na Europa.

“Apesar deste contexto difícil, o compromisso das equipas continua intacto e cada abutre libertado representa um avanço precioso na conservação desta espécie emblemática das nossas montanhas”, escrevem os responsáveis pelo LIFE Gyp’Act.

Uma população francesa ainda vulnerável

“Com menos de 100 casais reprodutores estáveis em França, a espécie continua hoje extremamente frágil e os esforços para a conservar devem ser continuados e reforçados”, escreve a equipa do LIFE Gyp’Act.

Ainda que estritamente protegidos por lei, os quebra-ossos continuam a ser ameaçados pela caça furtiva, linhas eléctricas, parques eólicos e o turismo de alta montanha.

A 20 de Janeiro deste ano, o corpo sem vida do Rei del Causse, um macho de três anos reintroduzido em Maio de 2022 no âmbito do LIFE Gyp’Act, foi encontrado em Lozère. As análises não permitiram identificar as causas da morte.

Este quebra-ossos tornou-se conhecido graças às suas espantosas viagens pela Europa e ao seu espírito explorador incansável. Em 2023 foi encontrado esgotado e depois resgatado no norte de Alemanha, situação que se repetiu em 2024 na Polónia. De ambas as vezes foi levado de volta para a sua “casa” em França.

A sua morte este ano foi conhecida graças aos dados transmitidos pelo seu colar GPS, que deram conta da sua inactividade fora do habitual.

“O Rei del Causse só tinha três anos mas a sua história vai marcar por muito tempo aqueles que cruzaram o seu caminho. Continuará a ser o símbolo de uma ave livre, curiosa, resiliente e uma esperança para a reintrodução dos quebra-ossos nas nossas montanhas.”

Helena Geraldes

Sou jornalista de Natureza na revista Wilder. Escrevo sobre Ambiente e Biodiversidade desde 1998 e trabalhei nas redacções da revista Fórum Ambiente e do jornal PÚBLICO. Neste último estive 13 anos à frente do site de Ambiente deste diário, o Ecosfera. Em 2015 lancei a Wilder, com as minhas colegas jornalistas Inês Sequeira e Joana Bourgard, para dar voz a quem se dedica a proteger ou a estudar a natureza mas também às espécies raras, ameaçadas ou àquelas de que (quase) ninguém fala. Na verdade, isso é algo que quero fazer desde que ainda em criança vi um documentário de vida selvagem que passava aos domingos na televisão e que me fez decidir o rumo que queria seguir. Já lá vão uns anos, portanto. Desde então tenho-me dedicado a escrever sobre linces, morcegos, abutres, peixes mas também sobre conservacionistas e cidadãos apaixonados pela natureza, que querem fazer parte de uma comunidade. Trabalho todos os dias para que a Wilder seja esse lugar no mundo.

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