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Foto: Pexels/Pixabay

Parlamento português aprova moratória à mineração em mar profundo

14.03.2025

Portugal torna-se o primeiro país da Europa a ter uma moratória formalmente aprovada à mineração em mar profundo. As ONGA WWF Portugal, Sciaena e SOA saúdam a priorização da proteção do oceano pelo Parlamento apesar do contexto de crise política. 

As Organizações Não Governamentais de Ambiente WWF Portugal, Sciaena e Sustainable Ocean Alliance (SOA) congratulam a Assembleia da República pela aprovação hoje em plenário do texto final de uma proposta que estabelece uma moratória sobre a mineração em mar profundo em águas nacionais até 2050.

O texto foi apresentado pela Comissão de Ambiente e Energia e consolida quatro Projetos de Lei apresentados pelo PAN, PSD, Livre e PS, que foram discutidos e aprovados na generalidade em janeiro.

Esta aprovação significa que esta proposta passará finalmente a lei e que Portugal se torna assim o primeiro país da Europa a ter uma moratória formalmente aprovada à mineração em mar profundo, apesar da instabilidade política dos últimos anos.

“Este é um passo pioneiro e fundamental para salvaguardar o oceano, um suporte crítico da vida no planeta, esperando-se que esta decisão inovadora sirva de inspiração a outros países que já iniciaram processos nesse sentido ou que possam vir a iniciar brevemente”, comentou, por seu lado, a Fundação Oceano Azul em comunicado.

Um Projeto de Lei do PAN para estabelecer uma moratória à mineração em mar profundo em águas nacionais já tinha sido aprovado na generalidade mas a discussão na especialidade não chegou a terminar devido à  queda do Governo no final de 2023. “O mesmo poderia ter acontecido com as novas propostas que culminaram no texto hoje aprovado, dada a nova crise política das últimas semanas, que resultou na queda do Governo. Priorizando a proteção do oceano mesmo em contexto de crise política, o Parlamento fez hoje história ao garantir que o texto final da moratória à mineração em mar profundo em águas nacionais é aprovado antes do fim dos trabalhos parlamentares previsto para terça-feira, sendo agora esperado que a lei seja promulgada pelo Presidente da República”, segundo um comunicado da WWF Portugal.

“Mesmo em tempos de crise política, o Parlamento demonstrou que a proteção do oceano é uma responsabilidade inadiável. Os partidos que votaram a favor da moratória e que garantiram que esta votação acontecesse em contra-relógio antes da dissolução efetiva da Assembleia da República deixam-nos uma mensagem clara e que deve ficar bem registada: esta moratória não é apenas uma medida ambiental, mas uma decisão estratégica para a preservação dos recursos marinhos para as futuras gerações”, disse, em comunicado, Bianca Mattos, coordenadora de políticas da WWF Portugal.

“Independentemente do cenário político, há compromissos que devem ser respeitados e tendo em conta o contexto global nesta matéria, Portugal envia agora um forte sinal à comunidade internacional, de respeito pelo princípio da precaução”, comentou Catarina Abril, técnica de Pescas e Clima da Sciaena.

Segundo a WWF Portugal, “a mineração em mar profundo destina-se a extrair minérios como cobre, cobalto, níquel ou manganês do fundo do mar, com maquinaria pesada a operar em condições muito adversas e arriscadas (elevada profundidade e sujeitas a grande pressão), destruindo localmente ecossistemas no mar profundo e perturbando outros a largas centenas de quilómetros em redor”.

“Apesar do pouco conhecimento científico sobre estes habitats de mar profundo e os potenciais impactos desta atividade, sabe-se que se a indústria avançar, a intensidade e os métodos de mineração poderão destruir habitats completos, extinguir espécies e comprometer os benefícios dos ecossistemas para a Humanidade, prejudicando também as populações locais, principalmente as comunidades costeiras, sob o falso pretexto da transição energética.”

Também a Fundação Oceano Azul lembra os perigos. “A informação científica sobre os impactos da mineração em mar profundo é ainda limitada. Não obstante, alguns estudos já conhecidos indicam que, não só as espécies do mar profundo são particularmente sensíveis, como também a mineração do mar profundo pode causar danos irreversíveis, causando o desaparecimento da biodiversidade das zonas de exploração e de extensas áreas à sua volta, a modificação irreversível dos habitats dos fundos marinhos, e a perturbação ou desaparecimento dos serviços do ecossistema que dependem de um oceano saudável.”

Apesar dos alertas da sociedade civil e dos cientistas sobre os impactos desta prática, a Autoridade Internacional dos Fundos Marinhos (ISA) está a avançar na criação de um ‘Código Mineiro’ para regular a extração de minerais no fundo do oceano. Em julho de 2023, representantes do Governo anunciaram na reunião do Conselho da ISA que Portugal defende uma “pausa precaucionária” no avanço desta atividade em águas internacionais, dada a ausência de regulamentação e devido ao conhecimento científico insuficiente. No entanto, os sucessivos Governos não tinham aplicado ainda o mesmo princípio precaucionário às águas sob jurisdição nacional declarando numa moratória em toda a área marítima nacional, o que protegeria uma grande percentagem dos mares europeus – falha que a nova lei virá colmatar.

“Esta medida precisa de ser complementada, pelo menos, com uma rede de áreas marinhas protegidas ecologicamente coerente, verdadeiramente nacional, e com gestão e monitorização efetiva, de forma a poder cumprir adequadamente a meta de proteção de 30% do seu mar e de 10% de proteção estrita do mesmo até 2030, e com a inclusão adequada dos ecossistemas marinhos e costeiros no Plano Nacional de Restauro da Natureza”, defendeu a WWF Portugal.

Helena Geraldes

Sou jornalista de Natureza na revista Wilder. Escrevo sobre Ambiente e Biodiversidade desde 1998 e trabalhei nas redacções da revista Fórum Ambiente e do jornal PÚBLICO. Neste último estive 13 anos à frente do site de Ambiente deste diário, o Ecosfera. Em 2015 lancei a Wilder, com as minhas colegas jornalistas Inês Sequeira e Joana Bourgard, para dar voz a quem se dedica a proteger ou a estudar a natureza mas também às espécies raras, ameaçadas ou àquelas de que (quase) ninguém fala. Na verdade, isso é algo que quero fazer desde que ainda em criança vi um documentário de vida selvagem que passava aos domingos na televisão e que me fez decidir o rumo que queria seguir. Já lá vão uns anos, portanto. Desde então tenho-me dedicado a escrever sobre linces, morcegos, abutres, peixes mas também sobre conservacionistas e cidadãos apaixonados pela natureza, que querem fazer parte de uma comunidade. Trabalho todos os dias para que a Wilder seja esse lugar no mundo.

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