Nos últimos 20 anos, o número de alcateias decresceu no núcleo Alvão/Padrela, no planalto mirandês e a sul do Douro. Na área envolvente ao rio, a área de distribuição do maior carnívoro de Portugal também encolheu.
O relatório coordenado pelo Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF) avisa que Portugal não está a conseguir desenvolver todos os esforços necessários para que o estado de conservação do lobo-ibérico passe a ser favorável, apesar do compromisso assumido em termos europeus e nacionais.
De facto, os resultados obtidos durante o último censo sobre a espécie (2019/2021), finalmente divulgados, revelam que foram estimadas um total de 58 alcateias, quando no censo anterior estimava-se a existência de 63. Das alcateias agora detetadas, foram confirmadas 56, mas destas apenas 37 tinham reprodução confirmada, incluindo apenas três a sul do Douro – mais de metade das cinco encontradas nesta região, além de uma outra alcateia provável.
Para além do sul do Douro, onde a presença do lobo se estende das serras da Freita, Arada e Montemuro (distritos de Aveiro e Viseu) até ao distrito da Guarda, onde já é mais incerta, existem em território nacional outros três núcleos já delineados em trabalhos anteriores sobre a espécie: Peneda/Gerês, Alvão/Padrela e Bragança.
No entanto, apenas no caso da Peneda/Gerês, na região do Minho, houve deteção de novas alcateias face ao censo anterior, um resultado que poderá estar relacionado com uma subida dos esforços de amostragem mas também com o aumento de alimento disponível para esta espécie, devido ao crescimento no número de vacas que pastam sem qualquer vigilância nalgumas áreas.
Já no que respeita aos três núcleos restantes, a morte devida a causas humanas é apontada como o maior motivo na diminuição da presença deste predador. Com efeito, recorda o documento, os dados do Sistema de Monitorização de Lobos Mortos, gerido pelo ICNF, mostram que “o atropelamento tem constituído a principal causa de morte registada, logo seguida do laço e do tiro, encontrando-se tambem o envenenamento entre as causas de morte detetadas”. Aliás, apontam o mesmo relatório, “a mortalidade ilegal continua a constituir uma das principais ameaças à conservação desta espécie no nosso país”.
Ligado aos conflitos entre humanos e lobos parece estar o crescimento no número de bovinos criados em pastagens ao ar livre nas últimas duas décadas, mais exposto a ataques de lobo, o que aumenta a perseguição a este animal e “poderá estar a condicionar a sua recuperação em algumas zonas”, como é o caso da Beira Interior (sul do Douro).
Por outro lado, há cada vez menos áreas de matos e floresta, quer devido aos fogos e à prevenção dos mesmos, quer em consequência da conversão desses territórios para pastagem, agricultura e outros usos, o que reduz “a disponibilidade de zonas adequadas para refúgio e reprodução do lobo”, tal como as áreas necessárias para as presas selvagens de que este se costuma alimentar. Assim, apesar de hoje existirem mais veados, corços e javalis do que há 20 anos, a espécie continua a alimentar-se sobretudo de gado doméstico.
A desfavor de uma boa situação do lobo está também o aumento de parques eólicos e solares e de vias de comunicação, uma vez que levam à fragmentação de habitats e também facilitam o acesso de pessoas em zonas do Norte e Centro onde antigamente a espécie se conseguia refugiar.
Por fim, o aumento no número de cães errantes, aponta o relatório coordenado pelo ICNF, conduz a que o lobo seja muitas vezes dado como culpado de ataques a gado cujos responsáveis foram esses cães. Além do mais, esses animais são um foco de doenças contagiosas para a espécie e por vezes acontecem também casos de hibridação (reprodução cruzada). Até hoje, foram detetados três casos de hibridação.
Necessidade de mais áreas classificadas a sul do Douro
Além de várias ações já antes identificadas como necessárias, como a melhoria do sistema de compensações por ataques de lobo ao gado doméstico e a conservação e recuperação de habitat, o relatório do censo agora divulgado sublinha a necessidade de se avaliar a criação de novas áreas classificadas tendo em conta esta espécie, em especial a sul do Douro.
Isto porque até agora a legislação que estabelece a proteção estrita do lobo-ibérico em Portugal, justifica o documento, não tem dado os resultados esperados, não sendo suficiente “para garantir a conservação de áreas sensíveis em várias situações”.
Em segundo lugar, as metas europeias para as energias renováeis e a simplificação dos procedimentos de avaliação ambiental para a instalação de infraestruturas deste tupo “tornam fundamental uma identificação objetiva das áreas sensíveis para o lobo a proteger também nesse contexto”, sublinham os autores.
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