Há mais de quatro anos que os répteis e anfíbios da região de Évora têm como guardiões um grupo de biólogos da Universidade de Évora. Saiba o que é o HerpEbora e porque se dedica a estes animais, que já foram mais comuns.
WILDER: Quando foi criado este grupo e porquê?
Equipa do HerpEbora: O HerpEbora surgiu em 2020 para consolidar o trabalho que já era feito no distrito de Évora com anfíbios e répteis. Foi uma forma que encontrámos para chamar a atenção para estes dois grupos que frequentemente caem no esquecimento da conservação em Portugal e destacar a sua riqueza na região.
W: Quem faz parte deste grupo? Na vossa página do Facebook falam em “três gerações de biólogos da Universidade de Évora”
Equipa do HerpEbora: A Universidade de Évora tem uma forte componente em Herpetologia, ciência que estuda os anfíbios e répteis, através do Professor Doutor Paulo Sá Sousa, e dos vários projetos que se têm focado nestes dois grupos como alvo para diversas ações, como o LIFE Charcos e o LIFE LINES. O Professor Paulo Sá Sousa, membro honorário do HerpEbora, foi um dos responsáveis pelo interesse sobre estes grupos, pela forma exemplar e cativante como leciona as suas aulas, tendo sido professor dos restantes membros: Marco (2004), Luis (2006) e André (2013). O Marco e o Luis conheceram-se durante a licenciatura e na altura foram dois dos membros fundadores do Herpetonúcleo, um núcleo de estudantes que nutriam interesse sobre anfíbios e répteis. O André juntou-se mais tarde tendo realizado o seu projeto de licenciatura no Projeto LIFE LINES onde o Luis era bolseiro. A paixão partilhada e cumplicidade levou a que os três se juntassem regularmente em atividades e saídas de campo, tendo surgido a ideia de construirmos algo mais estruturado.
W: Qual o vosso objectivo e que tipo de acções fazem?
Equipa do HerpEbora: Os nossos objetivos são a conservação das espécies e a sensibilização e educação das pessoas. Na área da conservação procuramos conhecer a distribuição das espécies no distrito de Évora e identificar locais particularmente interessantes para proteção. Este conhecimento permite responder mais rapidamente a ameaças e priorizar os locais identificados, por exemplo, no estabelecimento de micro-reservas municipais ou privadas. Também procuramos ajudar a comunidade científica, contactando com vários especialistas nacionais e internacionais e ajudando nos seus projetos, como recentemente no projeto de monitorização das populações de víboras na Península Ibérica.
A sensibilização das pessoas permite reduzir conflitos e salvar animais que apesar de protegidos continuam a ser perseguidos. Através deste contacto permite passar a palavra sobre a importância destas espécies e resgatar animais que de outra forma seriam mortos.
Neste momento, por razões profissionais, temos os nossos membros um pouco mais divididos pelo país, com o Luis a residir no distrito do Porto. Mas isto tem nos criado oportunidades de chegar a mais pessoas, contactar com outros entusiastas, aproveitando para realizar saídas mais regulares noutras zonas do país como o Parque Nacional da Peneda-Gerês e a Serra de Montemuro.
Mais recentemente temos também realizado expedições a Marrocos com o objetivo de contribuir para o conhecimento da distribuição das espécies, sensibilizar a população para a importância das espécies e resgatar muitos dos animais que ficam presos em algibes (cisternas para armazenamento de água) e que acabam por ter um triste fim. Realizamos um total de três expedições onde observamos 57 espécies de anfíbios e répteis das cerca de 120 que ocorrem no país, e salvamos mais de 300 animais presos.
W: Como comentam a situação da conservação dos anfíbios e répteis em Portugal?
Equipa do HerpEbora: Como referido anteriormente, estes dois grupos caem facilmente no esquecimento. Apesar da sua importância, da proteção que todas as espécies têm a nível europeu e das descobertas de novas espécies, algumas delas endémicas do nosso país, não há investimento na sua investigação ou conservação. O seu aspeto diferente e os mitos associados, não ajudam mesmo dentro da comunidade científica. Houve uma tentativa de reativar uma associação nacional que zelasse pela sua proteção, mas infelizmente não teve sucesso. E o resultado é não ter havido uma atualização, a nível nacional, do estatuto de conservação das nossas espécies (duas endémicas do nosso país), como aconteceu recentemente para tantos grupos. Para além de trabalhos e projetos ocasionais realizados pelas universidades ou ONG, as redes sociais têm tido um papel muito importante na sensibilização. A criação de vários grupos dedicados, como o “Anfíbios & Répteis de Portugal” (o descendente do blog https://anfibioserepteis.blogspot.com/) e o “Cobras de Portugal” no Facebook, onde em comunidade se procura esclarecer muitas dúvidas que as pessoas colocam, tem ajudado a evitar a morte de muitos animais. Contudo, também temos o outro lado da moeda com vários grupos sem administradores com conhecimento e pessoas leigas que têm ajudado a espalhar desinformação e más práticas, o que pode causar acidentes e consequentemente danos nos animais.
Por último, não serve de nada termos leis se não as implementamos. É necessário investir mais na formação das entidades competentes para que possam proceder de forma profissional e segura para todos os intervenientes (pessoa e animal). E a justiça tem de ser aplicada quer na proteção das espécies quer nos habitats de que elas dependem. Dando o exemplo do Alentejo, temos neste momento assistido a uma alteração drástica do tipo de culturas praticadas na região. A intensificação agrícola, com a plantação de monoculturas intensivas (e super-intensivas de regadio), cria desertos de biodiversidade destruindo os valores culturais pelo que a região era conhecida (montados e culturas cerealíferas) e mesmo habitats prioritários para a conservação a nível europeu, como é o caso dos Charcos Temporários Mediterrânicos (habitat 3170*) e que são fundamentais para várias espécies de anfíbios e outras espécies como os Triops que neste momento se encontram Em Perigo a nível nacional.
W: Quais as espécies que mais vos preocupam a nível de conservação?
Equipa do HerpEbora: Tanto nos anfíbios como nos répteis temos tido várias alterações nas espécies presentes no nosso país. Essas espécies requerem estudos mais aprofundados para estudar a sua ecologia para que possamos antever ameaças. Particularmente nas duas espécies de anfíbios endémicas de Portugal: sapinho-de-verrugas-verdes-ocidental (Pelodytes atlanticus) e tritão-de-ventre-laranja-meridional (Triturus maltzani). As espécies com requisitos ecológicos particulares, nomeadamente as endémicas da região noroeste da Península Ibérica, necessitam de melhor monitorização face às alterações climáticas e mudanças no território. Na nossa área de atuação preocupa-nos principalmente a víbora-cornuda (Vipera latastei), confirmada a sua presença nesta zona pelo Marco, devido ao isolamento e características da população, e o sardão (Timon lepidus) que no espaço de 15 anos tem vindo a desaparecer de muitas zonas onde o encontrávamos facilmente e em bom número, sendo atualmente uma espécie muito rara na região.
W: Como podem os cidadãos envolver-se nas vossas actividades?
Equipa do HerpEbora: Todas as nossas atividades são publicadas nas redes sociais do Facebook e Instagram. Costumamos ter algumas atividades regulares como as Noites das Criaturas das Trevas, onde nos juntamos à iniciativa nacional com a realização de várias atividades próximas do Halloween. Ao longo do ano vamos participando em outras atividades na região, como o Bioblitz realizado na Herdade da Mitra, ou a colaboração com o grupo Terras D’Ossa – Associação de Desenvolvimento Local ou a Associação Clube Xzen.
W: O que podem os cidadãos fazer para ajudar a conservar anfíbios e répteis?
Equipa do HerpEbora: Todos aqueles que têm algum tipo de curiosidade ou até, por ventura, receio destes animais, devem procurar por informação credível e participar em atividades de educação ambiental, para perderem os medos e conhecerem as nossas espécies. É através do conhecimento que todas as nossas dúvidas e fantasias podem ser compreendidas.
Para as pessoas que tiverem terrenos com muros de pedra, devem deixar os espaços por entre as pedras, não os cimentando, para permitir que os animais se abriguem neles. Se tiverem espaço na sua propriedade, até podem criar charcos temporários ou permanentes (sem peixes) que vão servir de refúgio, zona de transição, alimentação e local de reprodução para inúmeras espécies, incluindo os anfíbios. Podem ainda criar morouços (amontoados de pedras) e/ou deixar troncos e amontoados de vegetação nas hortas e quintais, que irão servir igualmente de abrigos a várias espécies, nomeadamente aos anfíbios e répteis.
Devem ainda ter atenção à condução, principalmente em noites chuvosas, reduzindo a velocidade especialmente nas proximidades de zonas húmidas (charcos, rios e ribeiras) e assim evitar o atropelamento de anfíbios. Evitar a utilização de pesticidas nas hortas recorrendo ao controlo biológico. Muitas das consideradas pragas agrícolas vão servir de alimento a várias espécies de répteis e anfíbios.
Em caso de conflito contactar as entidades competentes responsáveis (SEPNA, BRiPA) ou pedir ajuda nos grupos especializados.
Agora é a sua vez.
Se tiver alguma dúvida ou precisar de ajuda sobre estes grupos pode enviar uma mensagem para o HerpEbora nas redes sociais ou um email para [email protected]