Há duas áreas científicas, aparentemente distintas, que contam a história da evolução da nossa biodiversidade: a biologia e a geologia. A primeira, famosa pela Teoria da Selecção Natural de Darwin, dispensa apresentações. Mas a geologia está longe de ter um papel secundário.
Além da paleontologia, associada aos fascinantes dinossauros, a geologia abarca um outro domínio fundamental para quem estuda a história da vida: a geodiversidade, que representa a variedade de elementos e de processos geológicos da Terra. Ao estudarem esses processos geológicos que nos trazem os testemunhos da evolução, os cientistas tentam ler os pequenos contos que formam o livro da vida.
Mas por vezes esses contos estão incompletos, recebendo o nome de Espécies Lázaro. Trata-se de espécies que estavam consideradas extintas, por vezes depois de milhões de anos de ausência no registo fóssil, e que são ressuscitadas aquando da sua redescoberta.
O mais famoso conto incompleto é sem dúvida o do Celacanto (Latimeria chalumnae). Este peixe de grande porte, que atinge cerca de dois metros de comprimento, é conhecido no registo fóssil desde há 360 milhões de anos (Ma) e considerava-se extinto há 65 Ma.
Em 1938, um exemplar foi capturado acidentalmente por uma embarcação de pesca na foz do rio Chalumna, na costa Este da África do Sul. O capitão do barco, Hendrik Goosen, decidiu contactar o museu local da cidade de East London devido ao aspecto bizarro do peixe. A diretora de então, Marjorie Courtney-Latimer, reconheceu a importância do achado e encaminhou o peixe para um dos mais conceituados ictiologistas do século XX, James Leonard Brierley Smith.
Em honra da diligência de Marjorie, o novo Celacanto foi baptizado de Latimeria. Desde a sua descoberta que muitos outros indivíduos foram já observados e estudados, realçando as características que tornam este peixe único. Há uma que tem especial interesse: o Celacanto tem barbatanas semelhantes a membros e que são suportadas internamente por osso, apresentando um movimento sincronizado com um padrão igual ao dos tetrápodes (vertebrados com quatro membros).
Esta característica tem alimentado a discussão do mundo científico em torno da posição taxonómica do Celacanto. Os seus parentes actuais mais próximos são os peixes pulmonados, considerados também os parentes vivos mais próximos dos tetrápodes. [Das seis espécies actuais de peixes pulmonados, talvez o género africano Protopterus seja o mais familiar, devido ao bizarro comportamento de se enterrar para hibernar durante a estação seca.]
No entanto, várias características do Celacanto sugerem que a sua colocação taxonómica deverá ser ainda mais próxima do ancestral das espécies com quatro membros.
A distribuição deste peixe resume-se à região Este de África, entre a África do Sul e a Tanzânia, passando por Madagáscar e as Ilhas Comoro. Habita águas temperadas, de fundo rochoso, normalmente entre os 100 e os 300 metros de profundidade, alimentando-se principalmente de cefalópodes e de outros peixes. E a sua reprodução é ovovivípara, como acontece em várias espécies de tubarão: o ovo desenvolve-se internamente, com a fêmea a libertar recém-nascidos totalmente formados após cerca de um ano de gestação.
Uma nova espécie de Celacanto foi entretanto capturada em Sulawesi, Indonésia, em 1998, e batizada de Latimeria menadoensis. Embora à vista não se encontrem quaisquer diferenças entre os celacantos da Indonésia e os da costa africana, análises genéticas demonstraram que são duas espécies distintas. As duas populações separaram-se, muito provavelmente, há vários milhões de anos.
[divider type=”thin”]Sobre o autor:
Gonçalo Prista é doutorando da Universidade de Lisboa, em Ciências do Mar, e membro da Sociedade de História Natural de Torres Vedras. Trabalha nas áreas de paleoceanografia e paleontologia.
O celacanto é o tema da sua primeira crónica, numa série dedicada às Espécies Lázaro.