Fotos: Fernanda Gamito

O coração da Gardunha não é de ferro

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Para que servem os “selfie-spots” quando tudo à nossa volta é um miradouro e a Natureza o fundo perfeito?, interroga-se a leitora da Wilder Fernanda Gamito, que por estes dias subiu ao coração desta serra de pedra dura e paisagens imensas.

A meio da subida ao alto da Gardunha, um ventinho Norte vai dissipando a neblina que, desde o amanhecer, envolve a encosta onde está Castelo Novo. O caminho de terra batida, que primeiro se adivinhou, na bruma, desvenda-se agora, curva após curva, em crescente claridade, ladeado por sons de água corrente e fragas imponentes que aparentam, por vezes, precários equilíbrios. No topo, aguarda-nos a surpresa de um sol radioso e um céu azul celeste, acima de todas as nuvens, que ilumina a manhã.

Enormes rochas de granito na serra

Espreitando para Sul, nas escadinhas entalhadas no velho miradouro da pedra, confirma-se que o novelo nevoento persiste sobre a aldeia histórica que deixámos para trás. A Norte, um cobertor de nuvens brancas estende-se sobre a Cova da Beira. Aqui no alto, reinam a água límpida que escorre por todos os declives e regatos e os musgos, líquenes e pequenos cogumelos em harmoniosos tapetes de veludo verde presos aos pedregulhos que cintilam ao Sol, por efeito da Mica, o mineral que salpica de brilhos os veneráveis granitos. À nossa volta, a pedra dura rachada em formas enigmáticas, pela ação do tempo e dos elementos,  marca a imensidão da paisagem.

Um ribeiro ladeado por vegetação e árvores despidas de folhas

A sinalética vai indicando miradouros, mas todos os pontos do caminho são já miradouros, todas as vistas nos fazem respirar fundo. São assim completamente escusadas as estruturas artificiais que se sucedem. Rampa metálica, baloiço e sobe-e-desce, “coração” de ferro forjado e “selfie-spot”, iguais a tantos outros, perturbam uma paisagem natural única. O pequeno promontório do “coração da Gardunha” parece um local de sacrifício: estevas e giestas foram recentemente  decepadas, para dar mais espaço aos fiéis dos auto-retratos. E, junto ao “baloiço da Gardunha”, lá está o caixote do lixo e lixo sem caixote, em plena “Paisagem Protegida Regional” e território integrante da Rede Natura 2000. 

Paisagem pedregosa, vista a partir de uma placa que diz Castelo Velho

Nestes dias de Dezembro, não há por aqui ninguém que possa aproveitar de todos estes “spots”, além das animadas cotovias que esvoaçam sobre o sítio de interesse geológico do Castelo Velho, ignorantes das modas digitais. Para pedras, animais e plantas, o tempo passa com tempo. Aqui e ali, flores extemporâneas e inusitadas de esteva, tojo e giesta, e até de cravina-brava (Dianthus lusitanus), vão anunciando vagarosamente a Primavera que há-de vir, daqui a poucos meses, em manchas coloridas sobre as encostas.  

Uma pequena flor com três petalas rosa, parecendo faltar uma pétala

O vento mudou entretanto e o nevoeiro vem de novo subindo do lado da Cova da Beira. Entre a rocha eterna e a luz efémera, o nosso tempo é quase nada e esgota-se depressa. É este o sinal para terminarmos a visita e voltarmos a descer, seguindo a água, sempre presente nesta Serra. Se a Gardunha tivesse um coração, não seria de ferro forjado, mas de água, saltitando acelerado, neste Inverno chuvoso, nas fontes e riachos ou precipitando-se, selvagem, em cascatas e ribeiras, numa vontade interminável de vida.

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