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Maçaroco-de-porto-santo. Fotos: Paulo Ventura Araújo

Flora-On Madeira: Saiba porque estas nove plantas madeirenses são consideradas incríveis

16.12.2022

A Wilder falou com João Farminhão, da Sociedade Portuguesa de Botânica, que nos desvenda a singularidade destas e de outras espécies do arquipélago, moldadas pela insularidade e pela evolução geológica da Terra ao longo de milhões de anos.

O novo portal Flora-On Madeira, irmão mais novo do Flora-On Portugal Continental e do Flora-On Açores, foi lançado este sábado, com informação sobre todas as plantas nativas do arquipélago português. Incluídas estão também 172 espécies endémicas destas ilhas, único lugar do mundo onde existem naturalmente.

Com a ajuda do investigador João Farminhão, perceba porque é que tantas plantas madeirenses deslumbram os especialistas em botânica, e a forma como a história destas espécies se entrelaça com a evolução geológica do planeta, há muitos milhões de anos.

1. Dedaleira-gigante (Digitalis sceptrum)

Dedaleira-gigante. Foto: Cristina Estima Ramalho

Ao contrário das dedaleiras continentais, que têm caules finos, esta espécie de dedaleira é descendente de uma planta herbácea de origem mediterrânica que desenvolveu uma base lenhosa, como uma pequena árvore. Essa característica própria desta e de outras plantas das ilhas oceânicas é apelidada de “lenhosidade insular” e deve-se desde logo à ausência de grandes predadores herbívoros, explica João Farminhão. Ao longo de milhões de anos, plantas como esta dedaleira-gigante, que pode atingir mais de dois metros de altura, “tiveram mais espaço para crescer e menos competição com outras espécies”. Esta “erva gigante” é assim um dos vários exemplos de gigantismo insular.

2. Aipo-da serra ou aipo-do-gado (Melanoselinum decipiens)

Aipo-da-serra ou aipo-do-gado. Foto: Miguel Porto

O aipo-da-serra é outro caso de gigantismo insular. Esta espécie de cenoura gigante pode chegar aos quatro metros de altura, indica o investigador ligado à Sociedade Portuguesa de Botânica. Em 2020, um estudo científico concluiu que esta descendente de uma cenoura selvagem já teria evoluído para um porte arbustivo há 1,3 milhões de anos, graças – mais uma vez – à ausência de competição por luz solar e ao facto de não existirem herbívoros no arquipélago.

3. Gerânio-da-Madeira (Geranium maderense)

Gerânio-da-Madeira. Foto: Paulo Ventura Araújo

Este é o maior gerânio do mundo e um parente próximo da erva-de-são-roberto, sendo outro bom exemplo do fenómeno da lenhosidade insular. “Temos a sorte de ter espécies incríveis como esta na Madeira”, sublinha o investigador do Jardim Botânico da Universidade de Coimbra. Apesar do seu gigantismo, que se traduz num diâmetro de 1,80 metros, esta planta foi encontrada pela primeira vez apenas em 1934, pelo padre José Gonçalves da Costa, que nessa data “deu com este gerânio a crescer nas escarpas do Noroeste da ilha”. Anos depois, em 1940, foi descrita informalmente, e só em 1969 foi descrita formalmente para a ciência, por um especialista inglês no género Geranium. “É uma planta relativamente frequente nos jardins da Madeira e também pode ser vista em Sintra e em Lisboa, por exemplo no Jardim Botânico da Universidade de Lisboa.” Mas em estado selvagem, hoje é conhecida só uma única população, no Nordeste da ilha.

4. Leituga ou serralha-gigante (Sonchus fruticosus)

Leituga. Foto: Carlos Aguiar

Este “dente-de-leão com esteróides”, como o descreve João Farminhão, é “uma serralha que atinge quatro metros de altura” e pertence àquela que é conhecida como a “aliança dos Sonchus lenhosos”. Aliança é como os botânicos frequentemente se referem a um grupo de plantas do mesmo género que se formaram devido a uma “explosão de novas espécies num arquipélago” (radiação evolutiva), explica. “Isso acontece quando uma planta chega a um arquipélago onde existem muitos nichos ecológicos disponíveis, dando então origem a novas espécies que ocupam todos esses espaços que até então estavam vagos.” Desta aliança fazem parte cerca de 30 espécies do género Sonchus espalhadas pelas ilhas da Macaronésia (Madeira, Canárias e Cabo Verde), das quais cinco no arquipélago madeirense. “Esta espécie é de facto extraordinária”, sublinha o mesmo responsável, que explica que nem todos os Sonchus desta aliança resultaram em casos de gigantismo.

5. Massaroco-de-Porto-Santo (Echium portosanctensis)

Massaroco-de-porto-santo. Fotos: Paulo Ventura Araújo

Os massarocos são outro exemplo de uma aliança, que neste caso é a “aliança das soagens gigantes” e é constituída por plantas com “inflorescências espectaculares”. Das 35 espécies presentes na Macaronésia, três podem ser encontradas no arquipélago da Madeira – incluindo o maçaroco-de-Porto-Santo, com porte arbustivo, que foi descrito para a ciência apenas em 2010, nota João Farminhão. “Tem flores brancas, enquanto os outros dois maçarocos que ocorrem no arquipélago têm flores roxas”, descreve. “Esta planta só existe nos picos do Porto Santo e tem uma área de distribuição muito limitada. É muito importante para as abelhas da ilha.”

6. Folhadeiro ou folhado (Clethra arborea)

Folhado. Foto: Carlos Aguiar

Já o folhado é uma das plantas relíquia da laurissilva, como se chamavam as florestas que cobriam a Europa há vários milhões de anos, antes de o clima mudar radicalmente. O folhado, o til e outras espécies da laurissilva sobrevivem hoje apenas nas ilhas da Macaronésia. Quanto ao folhado, aliás, “descobriu-se um fóssil de uma planta virtualmente semelhante, na Dinamarca, que aí terá existido há cerca de 15 milhões de anos”.

7. Ensaião da espécie Aeonium glandulosum

Ensaião Aeonium glandulosum. Foto: Paulo Ventura Araújo

Os ensaiões são plantas de origem africana encontradas na Madeira e nas Canárias, e muito localizadamente em Marrocos, cujos parentes mais próximos estão a milhares de quilómetros de distância – na região da África Oriental, mais concretamente nas montanhas da Etiópia. Mas como terão estas plantas do género Aeonium chegado à Madeira? João Farminhão explica que isso se deveu ao surgimento do Saara, que levou a que os antepassados dessas plantas ficassem separados uns dos outros, mantendo-se nas duas margens do maior deserto de areia do mundo graças ao clima mais húmido nessas zonas. Essas plantas, como ficaram distantes umas das outras, evoluíram ao longo do tempo para espécies distintas. Os botânicos chamam a isso “Rand Flora”, termo de origem alemã que significa “flora das margens”.

8. Orquídea-branca (Goodyera macrophylla)

Orquídea-branca. Foto: Américo Pereira

Já a orquídea-branca é uma das várias plantas madeirenses que têm os seus parentes mais próximos do outro lado do Atlântico, na América. Sobre esta “espécie raríssima”, Farminhão explica que um estudo filogenético publicado em 2021 levou os cientistas a concluir que o parente mais próximo da orquídea-branca está no México. Como terá essa espécie chegado ao arquipélago português? Acredita-se que isso terá acontecido, talvez, porque “as orquídeas têm sementes microscópicas, com um potencial de dispersão brutal”, adianta o mesmo responsável.

9. Violeta-da-Madeira (Viola paradoxa)

Violeta-da-madeira. Foto: Paulo Ventura Araújo

Quanto à violeta-da-Madeira, é uma planta de origem euroasiática. Não da região mediterrânica, como acontece com a dedaleira-gigante e o gerânio-da-Madeira, mas sim proveniente da Europa temperada. Esta planta “é parente de algumas violetas das altas montanhas do sul da Europa.”

Inês Sequeira

Foi com a vontade de decifrar o que me rodeia e de “traduzir” o mundo que me formei como jornalista e que estou, desde 2022, a fazer um mestrado em Comunicação de Ciência pela Universidade Nova. Comecei a trabalhar em 1998 na secção de Economia do jornal Público, onde estive 14 anos. Fui também colaboradora do Jornal de Negócios e da Lusa. Juntamente com a Helena Geraldes e a Joana Bourgard, ajudei em 2015 a fundar a Wilder, onde finalmente me sinto como “peixe na água”. Aqui escrevo sobre plantas, animais, espécies comuns e raras, descobertas científicas, projectos de conservação, políticas ambientais e pessoas apaixonadas por natureza. Aprendo e partilho algo novo todos os dias.

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