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Cientistas estudam como estes escaravelhos não voadores cruzaram o Estreito de Gibraltar para a Península Ibérica

26.05.2022

Este estudo, agora publicado, mostra que o Estreito de Gibraltar funcionou como barreira geográfica mas também como rota de dispersão para algumas espécies de escaravelhos não voadores do género Pimelia.

Uma equipa de investigadores, entre eles cientistas do Museu Nacional espanhol de Ciências Naturais (MNCN-CSIC), estudou a distribuição geográfica deste grupo de escaravelhos na zona do Estreito de Gibraltar. Quiseram entender como algumas espécies cruzaram para a Península Ibérica.

Os resultados, publicados num artigo na revista Zoological Journal of the Linnean Society, foram divulgados ontem pelo MNCN.

Os escaravelhos do género Pimelia são escuros, de tamanho médio e não têm asas. Por isso, têm pouca capacidade de dispersão.

Imagens: MNCN/CSIC

“No estudo propusemos vários cenários que poderiam explicar os diferentes padrões de distribuição, desde introduções humanas mais recentes até eventos naturais pontuais e periódicos”, explicou, em comunicado, David Buckley, investigador da Universidade Autónoma.

Por um lado, os autores defendem que a dispersão geográfica destes escaravelhos através do Estreito poderia ter sido impulsionada por eventos naturais recorrentes ou episódicos numa região profundamente afectada pela actividade sísmica. Os ventos ou as aves costeiras, como as gaivotas, poderiam ter transportado ovos, larvas ou até adultos de escaravelhos que, no caso de se estabelecerem com sucesso, teriam dado lugar a uma nova população europeia. Além disso, a dispersão à superfície da água em bolsas de vegetação, associadas a tsunamis ou fortes correntes marinhas, teria desempenhado um papel importante na colonização transcontinental. Igualmente, a descida do nível do mar do Estreito durante os períodos glaciares, provavelmente deixou massas de terra expostas que teriam servido de corredores para algumas populações.

Por outro lado, a equipa de investigadores avaliou a influência actual da actividade humana na distribuição das populações costeiras. “Nas últimas duas décadas registou-se um aumento da extracção e comércio de areias, promovido pela rápida expansão urbana”, lembrou Paloma Mas-Peinado, investigadora do MNCN. “O resultado é que há escassez de areia e erosão costeira, o que traz consequências directas nas espécies que habitam estas zonas e um impacto imediato nas não voadoras”, explicou.

Como evoluíram os escaravelhos Pimelia?

O género de escaravelhos Pimelia diversificou-se durante mais de 31,2 milhões de anos, mostrando diferentes padrões de colonização depois da abertura do Estreito de Gibraltar há cinco milhões de anos.

Os investigadores estudaram os três sub-géneros (dos 14 descritos para este género) que têm populações de ambos os lados do Estreito: MagrebmeliaAmblyptera Amblypteraca.

A análise sugere que o Estreito representou uma forte barreira geográfica para o sub-género Magrebmelia, cujas populações situadas do outro lado do Estreito se separaram há 11,8 milhões de anos sem que haja indícios de dispersão transcontinental desde então. Ainda assim, favoreceu a dispersão dos sub-géneros Amblyptera Amblypteraca.

“Conseguimos comprovar como a história geológica levou a que cada linhagem de espécies ecologicamente semelhantes de Pimelia tivessem diferentes histórias evolutivas, dentro da mesma área geográfica”, salientou Mas-Peinado. “Os resultados indicam-nos que não convém generalizar ou extrapolar modelos evolutivos.”

Para este trabalho, a equipa recolheu amostras de ambos os lados do Estreito para estimar o alcance da distribuição e a base histórica da diversificação do género Pimelia, utilizando ferramentas moleculares.

“O uso destas ferramentas foi eficaz para distinguimos os casos nos quais a abertura do Estreito funcionou ou não como barreira física para a dispersão entre a Europa e a África, originando diferentes populações de cada lado do Estreito, ou populações homogéneas de ambos os lados desse Estreito”, concluiu Mario García-París, também investigador do MNCN.

Helena Geraldes

Sou jornalista de Natureza na revista Wilder. Escrevo sobre Ambiente e Biodiversidade desde 1998 e trabalhei nas redacções da revista Fórum Ambiente e do jornal PÚBLICO. Neste último estive 13 anos à frente do site de Ambiente deste diário, o Ecosfera. Em 2015 lancei a Wilder, com as minhas colegas jornalistas Inês Sequeira e Joana Bourgard, para dar voz a quem se dedica a proteger ou a estudar a natureza mas também às espécies raras, ameaçadas ou àquelas de que (quase) ninguém fala. Na verdade, isso é algo que quero fazer desde que ainda em criança vi um documentário de vida selvagem que passava aos domingos na televisão e que me fez decidir o rumo que queria seguir. Já lá vão uns anos, portanto. Desde então tenho-me dedicado a escrever sobre linces, morcegos, abutres, peixes mas também sobre conservacionistas e cidadãos apaixonados pela natureza, que querem fazer parte de uma comunidade. Trabalho todos os dias para que a Wilder seja esse lugar no mundo.

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