Travar e depois reverter a perigosa perda de biodiversidade na qual vivemos exige bem mais do que uma expansão do sistema mundial de áreas protegidas na terra e no mar, avisou hoje um grupo de cientistas.
Mais de 50 cientistas de 23 países entregaram hoje aos Governos uma síntese dos avanços da Ciência sobre 21 objectivos no rascunho da Estrutura Mundial para a Biodiversidade pós-2020. Este documento está a ser negociado no âmbito da Convenção da ONU para a Diversidade Biológica e deverá ser adoptado no final deste ano numa cimeira mundial da biodiversidade na China.
“A meta de proteger 30% de toda a terra e mar é importante e está a atrair muita atenção”, comentou Paul Leadley, investigador na Universidade Paris-Saclay, França, em comunicado. “Expandir as áreas protegidas também é um bom começo se for bem feita. Mas é muito pouco para o que é preciso fazer para travar e reverter a perda da biodiversidade.”
Paul Leadley alerta para as evidências que mostram que “iremos falhar, mais uma vez, e não conseguiremos cumprir os ambiciosos objectivos internacionais para a biodiversidade se houver demasiado foco nas áreas protegidas, à custa de outras acções urgentes para resolver as ameaças à biodiversidade”.
Este grupo de cientistas – coordenado pelo bioDISCOVERY, um programa da organização Future Earth, e pelo Group on Earth Observations Biodiversity Observation Network (GEO BON) – defende um conjunto de mudanças “transformadoras”, incluindo reduções massivas de subsídios agrícolas e pesqueiros prejudiciais, grandes reduções no excesso de consumo e manter a subida das temperaturas nos 1.5ºC.
O sucesso depende da redução de todas as causas directas da perda de biodiversidade, desde as alterações do uso dos solos e dos mares e da exploração directa dos organismos às alterações climáticas, poluição, espécies exóticas invasoras e das formas como todas estas se relacionam.
“Os Governos estão a debater-se com a escala e profundidade das ‘mudanças transformadoras’ necessárias para dobrar a curva em prol da biodiversidade e, por vezes, parecem incapazes de lhes fazer frente. Mas mudanças profundas são necessárias e irão beneficiar muito as pessoas a longo prazo”, acrescentou Paul Leadley.
Lynne Shannon é professora na Universidade da Cidade do Cabo (África do Sul) e responsável do bioDISCOVERY. Para ela, o ponto essencial é que “não há nenhuma ligação única entre uma acção e um determinado objectivo; em vez disso, existem muitas relações entre eles. Precisamos reconhecer a complexidade das relações entre objectivos, metas e prazos e planear as acções de forma integrada”.
Os investigadores defendem que a acção deve ser coordenada em todas as escalas (local, nacional e internacional), em ecossistemas naturais e geridos, e o progresso avaliado frequentemente.
Isto porque, dizem, as metas mundiais são importantes na medida em que dão um enquadramento para a acção. Mas será a forma como essas metas são implementadas e como as acções são coordenadas que vai determinar o sucesso ou o fracasso.
Pedem ainda um investimento substancial numa melhor monitorização para orientar uma acção eficaz. “Existem lacunas gigantes na monitorização da biodiversidade”, dizem estes investigadores. “A maioria dos cerca de mil milhões de registos de biodiversidade terrestre foram recolhidos em países desenvolvidos e num raio de 2.5 quilómetros de estradas. Menos de 7% do mundo está amostrado.”
Por fim, salientam a importância de agir já – no restauro, por exemplo, de florestas, recifes de coral e recursos pesqueiros – para evitar perdas irreversíveis e para conseguirmos colocar a biodiversidade no caminho da recuperação até meados deste século.
“Quanto mais cedo agirmos, melhor”, disse Maria Cecilia Londoño Murcia, do Instituto Humboldt, na Colômbia. “Os resultados positivos para a biodiversidade podem demorar décadas. Por isso precisamos agir imediatamente se queremos atingir os objectivos mundiais até 2050.”