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Corvinas não se ouvem bem umas às outras por causa do ruído dos barcos

18.08.2021

Debaixo de água, o mundo não é tão silencioso como podemos julgar. As corvinas fazem sons e precisam de se ouvir umas às outras para comunicar. Mas o ruído dos barcos está a afectar a audição destes animais, revelam investigadores portugueses.

A equipa que estudou os xarrocos no estuário do Tejo estudou também as corvinas, no âmbito do projecto FishNoise. Os resultados desta sua investigação foram agora publicados na revista científica Marine Pollution Bulletin e mostram como a comunicação acústica das corvinas é afectada pelo ruído dos barcos.

Os investigadores quiseram estudar a reacção das corvinas (Argyrosomus regius) daquele estuário à passagem de barcos, através de mudanças nos coros de acasalamento.

“Muitos peixes produzem sons para comunicar, principalmente durante a época de reprodução”, na Primavera, explicam os investigadores em comunicado enviado ontem à Wilder.

Corvinas no Oceanário de Lisboa. Foto: Dguendel/WikiCommons

“As corvinas e outras espécies da mesma família são dos peixes mais reconhecidos por produzirem sons. Sabe-se, por exemplo, que antigamente era comum muitos pescadores aproximarem o ouvido ao casco do barco para conseguirem comprovar a presença destas espécies através do som e, já em 1870, Júlio Verne (no livro Vinte Mil Léguas Submarinas) descreve o canto destas espécies como um “concerto que um coro de vozes humanas seria incapaz de igualar”.

Quase todos os dias da primavera, antes do pôr-do-sol, cardumes de corvina compostos por muitos indivíduos recriam um coro bastante intenso que se prolonga por horas. “Este coro está associado à reprodução e pensa-se que o grande aumento do ruído causado por diversas atividades humanas poderá perturbar este comportamento.”

Segundo os investigadores, o ruído subaquático é uma das formas de poluição introduzidas no ambiente marinho mais crónicas.

A equipa começou por avaliar a capacidade auditiva das corvinas e depois viu como o ruído dos barcos pode afectá-las.

Passagem de barcos no local estudado. Foto: FishNoise

“O ruído dos barcos sobrepõe-se a muitas das frequências acústicas usadas por esta espécie”, explicou, em comunicado, Manuel Vieira, primeiro autor do estudo, a desenvolver o seu doutoramento no Centro de Ecologia, Evolução e Alterações Ambientais – cE3cna Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa (Ciências Lisboa) e no Centro de Ciências do Mar e do Ambiente – MARE-ISPA.

“Assim, na presença de um barco a 50-100 m, estimamos que a distância a que dois indivíduos conseguem comunicar entre si reduza em quase 90%”, acrescentou o investigador. “Esta redução na capacidade de comunicar pode ter influência na reprodução da espécie, já que a desova ocorre enquanto os animais estão ativamente a produzir o coro.”

Para descobrir se o coro é afetado na presença de barcos, os investigadores estudaram os coros produzidos por estes animais selvagens ao longo de quatro meses, nas margens da zona da Base Aérea do Montijo. “Apurámos que o coro diminui de energia e muitos indivíduos param de produzir vocalizações na presença de barcos”, referiu Manuel Vieira.

De acordo com os investigadores, este estudo vem reforçar a importância de promover acções de monitorização e mitigação da poluição sonora nas águas costeiras e áreas protegidas.

Este estudo foi coordenado por Paulo Fonseca, investigador do Centro de Ecologia, Evolução e Alterações Ambientais – cE3cna Ciências ULisboa, e Maria Clara Amorim, investigadora da Ciências ULisboaMARE-ISPA, e promovido pelo projeto FISHNOISE (PTDC/BIA-BMA/29662/2017) financiado pela POCI+ PORLisboa / FCT – Fundação para a Ciência e Tecnologia. Contou também com a parceria da investigadora Marilyn Beauchaud da Universidade de Jean Monnet (França).


Ouça aqui e aqui os sons das corvinas e dos barcos.


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Helena Geraldes

Sou jornalista de Natureza na revista Wilder. Escrevo sobre Ambiente e Biodiversidade desde 1998 e trabalhei nas redacções da revista Fórum Ambiente e do jornal PÚBLICO. Neste último estive 13 anos à frente do site de Ambiente deste diário, o Ecosfera. Em 2015 lancei a Wilder, com as minhas colegas jornalistas Inês Sequeira e Joana Bourgard, para dar voz a quem se dedica a proteger ou a estudar a natureza mas também às espécies raras, ameaçadas ou àquelas de que (quase) ninguém fala. Na verdade, isso é algo que quero fazer desde que ainda em criança vi um documentário de vida selvagem que passava aos domingos na televisão e que me fez decidir o rumo que queria seguir. Já lá vão uns anos, portanto. Desde então tenho-me dedicado a escrever sobre linces, morcegos, abutres, peixes mas também sobre conservacionistas e cidadãos apaixonados pela natureza, que querem fazer parte de uma comunidade. Trabalho todos os dias para que a Wilder seja esse lugar no mundo.

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