Sem anilhas ou outras formas de marcação é extremamente difícil distinguirmos um chapim-real de outro. Agora, investigadores descobriram como a inteligência artificial pode ajudar a reconhecer individualmente as aves pequenas.
Distinguir aves pequenas como o chapim-real (Parus major), o tecelão-sociável (Philetairus socius) ou o tentilhão-zebra (Taeniopygia guttata) pode ser uma dor de cabeça mas tem grande importância para responder a questões cruciais nas áreas da ecologia, biologia evolutiva e conservação, tais como a de como conservar as espécies face às alterações climáticas.
Tudo se baseia na capacidade de monitorizar indivíduos ao longo da sua vida e através de gerações. Esta tarefa acaba por ser um grande desafio porque exige que os investigadores sejam capazes de distinguir entre os diferentes indivíduos de uma população.
Em algumas espécies, como nos leopardos e nas girafas, o padrão na pelagem permite reconhecer cada indivíduo. No entanto, na maioria das espécies é preciso usar identificadores visuais, como as anilhas com diferentes cores e códigos, colocadas nas patas das aves.
“Apesar destes métodos estarem bem consolidados, muitas vezes a recolha e a análise de dados são muito demoradas, suscetíveis a erros e podem (apesar de sempre mitigado ao máximo) induzir algum stress nos animais”, segundo um comunicado divulgado ontem pelo CIBIO-InBIO (Centro de Investigação em Biodiversidade e Recursos Genéticos, InBIO Laboratório Associado da Universidade do Porto).
A solução pode estar à vista, segundo um artigo publicado na revista Methods in Ecology and Evolution por uma equipa internacional.
André Ferreira (primeiro autor do estudo), Liliana Silva e Rita Covas, investigadores do CIBIO-InBIO, participaram no artigo que demonstra, pela primeira vez, que a Inteligência Artificial pode ser usada para treinar sistemas de aprendizagem de máquina de forma a reconhecer individualmente as aves.
“Demonstramos que os computadores podem reconhecer individualmente dezenas de aves de forma consistente, mesmo quando nós próprios não conseguimos distinguir estes indivíduos”, explicou André Ferreira, investigador do CIBIO-InBIO e do CEFE-CNRS em Montpellier (França), no comunicado. “Ao fazê-lo, o nosso estudo apresenta um método que permite ultrapassar uma das maiores limitações no estudo das aves selvagens – a identificação individual de aves de uma forma fiável.”
O trabalho implicou a recolha e catalogação de milhares de imagens de três pequenas espécies de aves muito estudadas em ecologia comportamental que depois foram utilizadas para treinar e testar modelos de IA (Inteligência Artificial). Foram utilizadas duas populações selvagens de tecelão-sociável (Philetairus socius) e do chapim-real (Parus major) e uma população mantida em cativeiro de tentilhão-zebra (Taeniopygia guttata). Após o processo de treino, os modelos permitiram o reconhecimento de novas imagens com uma precisão superior a 90% nas espécies selvagens e superior a 87% nos tentilhões-zebra mantidos em cativeiro.
Para o desenvolvimento deste método de IA, os investigadores recorreram à tecnologia Deep Learning, um tipo de aprendizagem que tenta imitar um cérebro humano e que funciona através de redes neuronais artificiais para classificar imagens, reconhecer a voz e detectar objectos. Na ecologia, este tipo de métodos nunca foi testado fora do laboratório em animais tão pequenos como as aves.
Este estudo apresenta um procedimento completo para utilização da IA na identificação individual de aves, envolvendo a recolha de fotografias catalogadas, o treino e o teste dos modelos de aprendizagem.
No entanto, os modelos desenvolvidos só são capazes de reconhecer aves a partir de novas imagens, desde que as aves já tenham sido identificadas previamente. Isto significa que se novas aves se juntarem à população de estudo, o computador não será capaz de as identificar.
Também é desconhecido se o desempenho dos modelos varia ao longo do tempo, considerando que a aparência das aves poderá mudar.
Os autores indicam que estas duas limitações podem ser ultrapassadas utilizando um conjunto de dados suficientemente grande obtido durante um longo período de tempo, uma tarefa que já está a ser levada a cabo pela equipa de investigação.
“O desenvolvimento de métodos de identificação automática e não invasiva de animais completamente não marcados e não manipulados pelos investigadores representa um grande avanço neste campo de investigação. Em última análise, há muito espaço para encontrar novas aplicações para este sistema e responder a perguntas que pareciam inalcançáveis no passado”, refere André Ferreira.