Nestas últimas semanas de confinamento global, chegaram-nos de todo o lado imagens de animais selvagens «invadindo» espaços há muito tomados pelos humanos.
Não apenas em vias onde os turistas normalmente circulam em parques e reservas naturais, mas também em maiores ou menores aglomerados urbanos, principalmente de regiões onde a ocupação humana é mais ordenada, as fronteiras estão melhor definidas e a convivência entre pessoas e vida selvagem é mais harmoniosa e por isso próxima, levando a que um alívio da nossa presença fosse mais facilmente aproveitado pelos animais silvestres.
As imagens que de todo o mundo partiram e que foram encaradas com alguma surpresa e curiosidade, acolhidas com simpatia, algumas até com comoção, deviam fazer-nos pensar. Nesta trégua, só possível porque foi forçada, tornou-se mais evidente quanto é enorme a pressão que exercemos sobre tudo o resto que nos rodeia, quanto é enorme o temor que o homem gera nos seres selvagens. Na maior parte dos casos, quando mais os molestamos, onde até por desporto os continuamos a abater, não é de temor que falamos mas de verdadeiro terror.
Múltiplos estudos e pareceres de peritos e científicos de que também a WILDER tem dado eco, apontam o homem como o causador desta pandemia que apenas contra nós se abateu. A progressiva destruição da natureza, reduzindo, fragmentando, aniquilando ecossistemas e «habitats» e encurralando os seres vivos que deles fazem parte, o comércio e o consumo de espécies selvagens, o desrespeito pela diversidade das comunidades de vida selvagem, pela forma como evoluíram nas diferentes regiões da Terra, tudo facilitado por uma globalização sem controlo, aceleraram a vida progressivamente mais artificial e desligada da natureza que continuamos a levar, concentrados em grandes aglomerados urbanos onde nos rodeamos de animais de companhia, subservientes e em muitos casos obrigados a um confinamento perpétuo.
Passados os dias de surpresa e de maior medo, a «economia» que sustenta o nosso estilo de vida volta a reclamar a retoma do inadiável «crescimento» sem o qual dizemos que não é possível viver e com que vamos continuar a empurrar os problemas para o futuro, agravando as consequências, estreitando o caminho que nos poderia permitir uma saída.
Não damos conta de que quanto maior for a arrogância, a ganância e o egocentrismo com que nos impomos, menores serão os meios disponíveis para emendar a mão no sentido de evitar a destruição do mundo de que dependemos. O tempo para o empreender, dizem os peritos, vai-se tornando mais escasso.
Apesar dos avisos, cada vez mais sérios, que nos alertam não apenas para o risco de outras pandemias potencialmente mais perigosas e incontroláveis, mas principalmente para as consequências das alterações climáticas das quais, nestes dias, tivemos sinais ainda mais evidentes – ainda que estranhamente, já que foi pela efémera e momentânea suspensão da escalada dos danos que causamos ao planeta – estamos ávidos por voltar aos mesmos vícios de que não queremos abdicar. Consumir, consumir mais, volta a ser a palavra de ordem para o regresso à «normalidade».
Pouco a pouco vamos voltar ao «viver um dia de cada vez». Depois, logo se vê. Os motores da nossa vida voltarão a ser intervenções que sustentam a forma como egoisticamente pretendemos levá-la, continuando a ignorar que quem controla tudo é a Natureza. Concretizando. Por cá a construção de um novo aeroporto que foi tema central de debate, rapidamente deixou de o ser não apenas porque andamos todos preocupados com o vírus, mas porque a natureza nos fez ver como, de repente, um projecto «estrutural» se pode tornar irrelevante e desprezável.
Se a população humana continuar a crescer de uma forma exponencial, com os que são «ricos» a continuarem a conviver bem com a pobreza da maioria e muitos dos pobres a exigirem ser «ricos» da mesma forma, ficaremos cada vez mais reféns de uma tragédia anunciada.
O decrescimento de que se fala e que se afigura a única solução, não tem a ver apenas com a necessidade de inversão do percurso que a humanidade vem trilhando. Se a dimensão do planeta não varia, a vida que ele sustenta só é possível se assente em equilíbrios a que todos os seres vivos são obrigados a sujeitar-se na sua luta diária para sobreviver. Todos, excepto nós, humanos. Mas se na mesma busca pela sobrevivência não nos soubermos controlar a nós próprios, a natureza encarregar-se-á de o levar a cabo. E prosseguirá o seu caminho. Um dia, talvez sem nós.