A Wilder falou com Antonina dos Santos, coordenadora do GelAVista, e dá-lhe a conhecer os principais resultados obtidos por este projecto de ciência cidadã.
O ano de 2019 foi “bastante diferente em relação aos padrões que vínhamos a observar”, explica Antonina dos Santos, que está à frente deste projecto do Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA).
Desde Fevereiro de 2016 que o GelAVista reúne e estuda informação, com base nas contribuições de cidadãos, sobre as espécies de medusas e de outros organismos gelatinosos na costa portuguesa. Desde então obtiveram mais de 5.800 avistamentos registados comunicados por um total de 800 observadores, muitos deles turistas e estrangeiros residentes em Portugal.
Para já, em 2019 sabe-se que houve “um número superior de avistamentos da maior parte das espécies”, tanto em Portugal Continental como nos Açores e Madeira, indica a coordenadora do GelAVista.
Um exemplo é a caravela-portuguesa (Physalia physalis), que esteve no “top 3” dos avistamentos em Portugal Continental. Houve mesmo vários alertas de ajuntamentos destes organismos perigosos para a saúde humana, como aconteceu em Maio e Dezembro.
Tal como a medusa Velella velella (conhecida como “veleiro”) – outra do “top 3” – a caravela-portuguesa foi também muito observada ao longo do ano. “Especialmente em Julho, mês em que não tínhamos tido ainda qualquer registo destas espécies nos anos anteriores.”
O mesmo sucedeu com a Catostylus tagi, conhecida por medusa-do-Tejo e também entre as três mais observadas: “Foi avistada todo o ano, não se tendo verificado a ausência entre Abril e Maio, habitual em anos anteriores”.
Mais águas-vivas e uma novidade na Madeira
Já na Madeira, houve um maior número de avistamentos de águas-vivas (Pelagia noctiluca) – uma medusa bioluminescente e muito urticante – num período mais alargado do que noutros anos. Foi a espécie ali mais avistada.
Também aqui se avistaram mais caravelas-portuguesas do que noutros anos. Extremamente urticantes, os tentáculos das caravelas podem chegar aos 30 metros de comprimento. Ocorreram principalmente entre Fevereiro e Julho, com maior incidência em Maio.
Ainda na Madeira, há uma medusa que surge cada vez mais: “A medusa-ovo-estrelado (Phacellophora camtschatica), espécie para a qual já existia um registo em 2018, mas que no corrente ano foi observada diversas vezes, entre Abril e Setembro.”
Esta medusa com campânula de tom amarelado semelhante à cor da gema do ovo – daí o seu nome comum – alimenta-se de outras medusas. Tem um poder urticário muito fraco, pelo que muitas vezes podem ver-se pequenos camarões a “apanhar boleia” na sua campânula.
Também nos Açores, a caravela-portuguesa foi avistada com uma frequência maior: uma média de 40 avistamentos comunicados por mês entre Maio e Agosto, quando noutros anos eram cerca de 10. Esta foi aliás a espécie mais comum no arquipélago.
Águas-vivas no Verão, veleiros na Primavera e Inverno
Com base nos dados transmitidos por observadores ao longo de quase quatro anos, o GelAVista tem também conseguido “perceber algumas tendências na sazonalidade”, acrescenta Antonina dos Santos.
Por exemplo? “Observam-se espécies que ocorrem principalmente nos meses mais quentes, como a Chrysaora hysoscella e a Pelagia noctiluca (água-viva), e outras espécies para as quais temos registos ao longo de praticamente todo o ano, como no caso da Catostylus tagi (medusa-doTejo).”
Em contrapartida, explica a coordenadora do GelAVista, a Velella velella (veleiro) está mais visível “nos meses de Inverno e Primavera, que geralmente correspondem a alturas de maior agitação marítima e regimes de ventos mais fortes, os quais constituem a principal força motriz para a sua dispersão”.
Ainda assim, são necessários mais dados e mais anos de observações para que seja possível perceber as tendências de ocorrência destas espécies, avisa a coordenadora do GelAVista. Tal como para confirmar a influência das alterações climáticas, por exemplo.
Apps GelAVista são uma das prioridades
Quanto aos próximos anos do GelAVista, desenvolver novas aplicações para ‘smartphones’ nos sistemas Android e iOS é uma das prioridades do projecto. Para já, existe “uma aplicação para sistemas Android, que permite o envio de avistamentos de forma mais fácil.”
A equipa pretende também continuar a divulgar os dados obtidos junto do público em geral, o que inclui a realização de encontros anuais com os observadores. O mais recente aconteceu em Novembro no Funchal, ilha da Madeira.
Outro objectivo: continuar a “partilhar o conhecimento com a comunidade científica, para a qual existem ainda muitas questões por resolver sobre a ecologia destes organismos”, adianta Antonina dos Santos.
Além da participação em congressos e encontros científicos, nacionais e internacionais, “com os dados recolhidos continuamos a preparar e publicar artigos científicos, acerca da biologia e ecologia das espécies de organismos gelatinosos que ocorrem na costa portuguesa.”
A equipa do GelAVista, no âmbito do IPMA, conta com cinco investigadores e técnicos responsáveis pela produção de ciência a partir dos dados enviados por observadores. Na Madeira, a equipa do projecto trabalha na Estação de Biologia Marinha do Funchal. Quanto aos Açores, o GelAVista conta com a colaboração do Observatório do Mar dos Açores.
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