O investigador brasileiro Carlos David de Santana fez um estudo de cinco anos que resultou na descoberta de duas novas espécies de enguias-eléctricas para a Ciência.
Uma das novas espécies, a Electrophorus voltai, consegue dar uma descarga que vai até 860 volts – quatro vezes a voltagem de uma tomada doméstica de 220 volts – a maior voltagem já associada a um animal. Até agora, o recorde era de 650 volts.
A Electrophorus voltai foi assim chamada para homenagear o físico Alessandro Volta, criador da bateria eléctrica.
A outra espécie descoberta é a Electrophorus varii, cujo nome pretende homenagear o zoólogo Richard P. Vari, investigador do Instituto Smithsonian, que morreu em 2016.
As duas espécies vivem nos rios Xingu e Tapajós. Por enquanto não são consideradas ameaçadas, mas a actual crise ambiental na Amazónia pode mudar isso.
“O rio Xingu está a ser destruído pela hidroeléctrica de Belo Monte, que vai afectar as populações de [enguia-eléctrica] poraquê que vivem no Xingu”, afirma Santana, investigador do Museu Nacional de História Natural do Smithsonian, em declarações à BBC Brasil. “A biodiversidade da Amazónia está sob ameaça como um todo. É realmente uma pena que isto esteja a acontecer, com tantas espécies ainda por descobrir.”
A descoberta acaba de ser publicada na revista Nature Communications. A investigação fez parte de um projecto da Fundação de Amparo à Pesquisa do estado de São Paulo (Fapesp), que financia expedições a lugares remotos para encontrar, descrever e saber mais sobre as espécies. Teve ainda o financiamento da National Geographic Society e apoio de instituições como o Museu de Zoologia da Universidade de São Paulo.
O poraquê é uma enguia-eléctrica que vive na América do Sul e pode chegar aos 2,5 metros de comprimento. Nesta região, são conhecidas cerca de 250 espécies de enguias-eléctricas que produzem descargas fracas, usadas para navegação e comunicação, mas o poraquê é a única que consegue emitir descargas fortes.
Estas descargas são usadas por esta enguia para caçar e para se defender e são produzidas por três órgãos eléctricos no corpo. Mas apesar de serem descargas fortes, em especial a da espécie Electrophorus voltai, não são por norma letais para os humanos, explicou o investigador brasileiro. Isto, admitiu, a não ser que a descarga seja feita ao mesmo tempo por vários desses animais.
Praticamente iguais, mas afinal diferentes
Mas se até agora os cientistas acreditavam que se tratava de uma única espécie, a Electrophorus electricus, uma análise mais detalhada revelou que há diferenças de ADN que justificam a existência de mais duas espécies diferentes.
Carlos David de Santana examinou a genética de 107 destes animais recolhidos por ele e por colegas ao longo de seis anos, no rio Amazonas, e encontrou também diferenças físicas subtis, indica em comunicado o Museu de História Natural do Smithsoninan.
“O facto de duas novas espécies terem sido descobertas 250 anos depois da primeira do grupo ter sido descrita é um exemplo da enorme biodiversidade que existe na Amazónia”, diz Santana. “E não só da Amazónia. Nós só conhecemos uma pequena porção da biodiversidade do planeta. E conhecemos ainda menos a biologia destas espécies”, acrescentou. “Não podemos deixar que isto seja destruído, é uma perda muito grande a longo prazo.”
O investigador salienta que muitos dos componentes dos medicamentos que hoje se comercializam são derivados de plantas e animais descobertos através de pesquisas com estas espécies. “Cada uma delas é um depósito genético imenso.”
O novo espécime será levado para o Museu Natural de História Natural do Smithsonian, em Washington.