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Pode o macaco berbere regressar a Portugal?

14.02.2023
Macaca sylvanus. Foto: Böhringer Friedrich/WikiCommons

Daniel Veríssimo, um economista fascinado pela natureza, desafia-nos a pensar no regresso desta espécie que em tempos pré-históricos viveu na Península Ibérica. É a 12ª espécie sobre a qual escreve nesta série para a Wilder.

O macaco berbere (Macaca sylvanus), espécie Em Perigo de extinção segundo a União Internacional para a Conservação da Natureza (UICN), vive ao longo do Norte de África, nas zonas montanhosas da cordilheira do Atlas em Marrocos, nas colinas do Mediterrâneo Argelino e no enclave europeu de Gibraltar. No passado, em tempos pré-históricos, existia também na Europa, da Grã Bretanha à da Roménia, da Península Ibérica aos Balcãs.

Macaca sylvanus. Foto: Böhringer Friedrich/WikiCommons

No passado, as alterações climáticas na última Idade do Gelo, a perda de habitat e a competição com o ser humano extinguiram o macaco do continente europeu. Hoje, destruição de habitat, fogos florestais, cães vadios, caça e captura ilegal são ameaças crescentes para os macacos no Norte de África. A única população a aumentar é a de Gibraltar. 

O macaco berbere vive em grupos liderados por matriarcas com várias dezenas de indivíduos. Os machos (16 kg, 50 – 60 cm) são maiores do que as fêmeas (11 kg, 40 – 45 cm) e as crias demoram 4 a 5 anos para chegar à idade adulta. Em estado selvagem podem viver até cerca de 20 anos. Têm uma dieta generalista: comem frutos frescos, frutos secos, bagas, cogumelos, erva, folhas e, em algumas situações, insetos e anfíbios.

Apesar de num primeiro olhar parecer estranho, o macaco berbere, pelos padrões clássicos, é mais nativo da Península Ibérica do que outras espécies já presentes e aceites, o caso da gineta é claro. Muito provavelmente introduzida pelos Árabes ou Cartagineses, fugiu para o meio natural e hoje é uma espécie relativamente comum de Norte a Sul, é o símbolo desta revista e até é uma espécie recuperada e devolvida à natureza. É uma questão de perspetiva, tempo e familiaridade mais do que análises rígidas.

Para além de analisar montanhas de dados, os conservacionistas precisam de criar novas ideias. O regresso do macaco bérbere pode preparar o habitat para a chegada do urso, pela capacidade de espalhar sementes de vários tipos de fruta. Pode ser mais uma presa potencial para o lince, o lobo e para a águia real. Os cadáveres são comida para abutres e os esqueletos tem um bom tamanho para os quebra ossos. Pode ajudar espécies de plantas a adaptarem-se às alterações climáticas como a alfarrobeira ou o catapereiro que podem beneficiar da dispersão feita pelos macacos. Pode até ajudar o coelho a sobreviver a doenças ao aumentar a quantidade de fruta e bagas (vitaminas e minerais) disponíveis no ecossistema e servir de alerta na presença de predadores. Mais um animal para criar oportunidades para uma grande variedade de insetos. Cada animal desempenha um papel no ciclo da vida, inúmeras vezes de maneiras surpreendentes e esquecidas. O macaco reforça a dispersão de sementes de bagas e frutas, uma peça chave na produtividade de todo um ecossistema.

Macaca sylvanus. Foto: Gzen92/WikiCommons

O abandono da atividade agrícola em terras marginais de Norte a Sul do país pode ser usado para dar espaço à natureza. Em países em desenvolvimento, com menos recursos, populações coexistem com várias espécies de primatas; lugares na América do Sul, em África e na Ásia, até países desenvolvidos como o Japão, partilham a paisagem com primatas. Porque não pode a Europa coexistir com macacos?

Já existem na Península Ibérica, provavelmente numa das piores zonas, num parque verde urbano, no enclave isolado de Gibraltar, onde comem gelados, batatas fritas e guloseimas que os turistas lhes dão, não haverá sítios melhores?

As zonas densas de medronheiros e azinheiras do Atlas, não são muito diferentes de áreas na serra da Malcata ou na serra de Aire e Candeeiros. As zonas de alfarrobeira, amendoeiras e sobreiros nas montanhas argelinas não são assim tão diferentes das serras do Algarve ou das terras quentes de Trás-os-Montes. As florestas de carvalho negral nas montanhas do Rift, são idênticas a zonas na Serra de São Mamede, às terras frias transmontanas ou ao Planalto do Côa. As zonas costeiras do mediterrâneo argelino, são idênticas às da serra da Arrábida. As zonas frias do Atlas com carvalhos, azevinho e castanheiros, são parecidas às da Peneda Gerês ou Serra da Estrela. Muitas das zonas em Portugal têm densidades populacionais menores, menos atividades na paisagem e menos ameaças para a espécie que as do Magreb. 

O Norte de África é um refúgio para a espécie mas na Europa existem melhores condições de habitat, com uma tendência de aumento devido às alterações climáticas. O sítio onde uma espécie ocorre hoje não é necessariamente o melhor sítio para a espécie existir e prosperar, é preciso olhar para os registos históricos e para os modelos climáticos. Em breve o macaco berbere pode ser conhecido por um novo nome mais apropriado, o macaco do Mediterrâneo.

Há condições de habitat para o macaco regressar? Sim, é uma espécie generalista e bastante adaptável. Há espaço para o macaco habitar? Sim, existem áreas protegidas que podiam albergar populações de macacos. Há populações de macaco que podem ser usadas para criar novas populações? Sim, em zoos, coleções privadas e de zonas com densidades altas. O estado ameaçado do macaco justifica a criação de novas populações? Sim, está ameaçado ao longo da sua distribuição atual e tem um estatuto de conservação de Em Perigo.

Para voltar a Portugal é fundamental implementar boas práticas de coexistência desde início. Macacos são animais selvagens que não devem ser alimentados e é importante manter distâncias; uma habituação dos macacos ao ser humano, pode levar a várias formas de conflitos

Macaca sylvanus. Foto: Scott Wylie/WikiCommons

Com o êxodo rural no interior do país, diminuição da atividade agrícola e regeneração de florestas e matos há oportunidades de Norte a Sul para devolver zonas à vida selvagem, para benefício de pessoas e natureza. O potencial do turismo de natureza é enorme e, se for bem feito, pode tornar aldeias desertas em aldeias fervilhantes de turistas.

Caminhar num trilho de terra batida, numa tarde morna de Outono, e ver um grupo de macacos entre azinheiras, medronheiros e sobreiros, a deliciar-se com medronhos grandes, vermelhos e já fermentados. Olhar para o grupo de macacos numa alegre macacada, já embriagados a desfrutar dos últimos ares quentes com cheiro a esteva do ano. Com abutres pretos a voar no céu, o barulho dos veados na brama e pegadas de lince na terra. Ser deslumbrado por um ecossistema mediterrâneo vivo e selvagem e compreender o porquê de o Mediterrâneo ser um dos pontos mais importantes para a biodiversidade do mundo. 

Numa altura em que as funções nos ecossistemas estão simplificadas e são desempenhadas por cada vez menos espécies, é urgente devolver complexidade através do restauro de populações de animais selvagens. O possível regresso do macaco coloca várias perguntas: conservar ecossistemas “congelados no tempo” ou restaurar ecossistemas com um olhar para o futuro? Olhar para o passado com um olhar rígido (desapareceu) ou com um olhar de oportunidade (desapareceu, será que pode voltar)? Preservar animais fechados em zoos e cercados ou preservar animais livres numa paisagem aberta e selvagem? 

“Primeiro estranha-se, depois entranha-se”. Apesar de à primeira vista o macaco berbere parecer algo bizarro, o regresso de macacos aos ecossistemas mediterrâneos de Portugal, da Península Ibérica e de outras zonas da Europa faz sentido.

O macaco do mediterrâneo pode regressar a Portugal.


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