Conheça a riqueza da biodiversidade na ilha da Madeira e os projetos ligados à sua conservação, numa série publicada em parceria com a Associação Insular de Geografia.
Localizada no concelho de Câmara de Lobos, na Ilha da Madeira, a Área Protegida do Cabo Girão (APCG) é um dos mais recentes espaços protegidos da região. A 9 de março faz 7 anos da sua criação, justificada pelo registo de espécies marinhas e costeiras nativas, formações vegetais naturais de elevado interesse, zonas de nidificação e repouso da avifauna marinha, um dos mais admiráveis monumentos geológicos do arquipélago, bem como um património histórico, cultural e paisagístico particular.
Devido aos seus valores ecológicos e culturais, tornou-se pertinente atribuir diferentes classificações para salvaguardar as especificidades e exigências de cada unidade de intervenção, nomeadamente na sua parte marinha, o Parque Natural Marinho do Cabo Girão e na parte terrestre, o Monumento Natural e a Paisagem Protegida do Cabo Girão. Em comum, detêm objetivos de conservação dos recursos e serviços dos ecossistemas que, numa ótica de interesse público, possam fomentar o usufruto da área protegida, compatibilizando-o com os interesses ambientais e gestão sustentável.
O Parque Natural Marinho do Cabo Girão (PNMCG), categoria VI da IUCN (União Internacional para a Conservação da Natureza), tem como objetivo essencial a adoção de medidas que visem a proteção, valorização e uso sustentado do mar, através da integração harmoniosa das atividades humanas, contribuindo para garantir o bom estado ambiental do espaço marítimo do arquipélago.
Um dos grandes destaques do PNMCG são as comunidades maërl, algas calcárias de cor avermelhada que podem dar origem a campos extensos de algas. A importância ecológica dos fundos onde ocorrem estas comunidades deve-s, não só, à grande diversidade de fauna e flora que albergam e ao grande número de nichos ecológicos gerados pela estrutura tridimensional, como também constituem um dos maiores depósitos marinhos de carbono de origem biológica, desempenhando um papel fundamental no ciclo de carbono dos oceanos. Por serem organismos de crescimento lento, com taxas de crescimento que podem variar dos 0,1-0,15 até 1mm/ano, com uma longevidade muitas vezes superiores a 100 anos, e por serem particularmente vulneráveis a determinadas ameaças antropogénicas, integram algumas convenções comunitárias e internacionais.
Com o objetivo de recuperar os recursos piscícolas da área, aumentando a biodiversidade e proporcionando um local de abrigo para a reprodução da vida marinha, em 2018 foi criado o Recife Artificial do Cabo Girão, através do afundamento do antigo navio da Marinha Portuguesa, a Corveta Afonso Cerqueira. Posicionando-se entre os 24 e 32 metros de profundidade, a corveta não só se tornou um berçário para a ictiofauna, como também um hotspot para o mergulho recreativo, um exemplo da aliança entre a conservação da natureza e o desenvolvimento económico.
O Monumento Natural do Cabo Girão, categoria III da IUCN, contém zonas de elevado valor natural que importa preservar e salvaguardar devido à sua raridade, qualidades estéticas e relevância cultural. Em termos geológicos, a paisagem costeira do Cabo Girão é caracterizada por arribas talhadas em empilhamentos de depósitos piroclásticos de quedas e escoadas basálticas, cortadas por uma densa rede de filões. Tais estruturas geológicas são consideradas de grande valor vulcanológico, estratigráfico, científico e cultural. Esta proteção veio reforçar a já estabelecida com a classificação de geossítio CL02-Miradouro do Cabo Girão.
Devido às suas características geomorfológicas, as escarpas do Cabo Girão atuam como uma barreira física para as principais atividades humanas, impedindo a exposição das suas comunidades biológicas às principais ameaças e pressões antropogénicas. Consequentemente, estão presentes nestas arribas valores naturais de elevada importância para a conservação, com a particularidade de registo de espécies com distribuição espacial quase restrita ao Cabo Girão. Esta valência fez com que estas arribas fossem classificadas como Sítio de Importância Comunitária do Cabo Girão (PTMAD0011), em 2015.
A área classificada como Paisagem Protegida do Cabo Girão, categoria V da IUCN, foi criada para salvaguardar e valorizar o património cultural, onde a interação das pessoas com a natureza, tem produzido uma área de carácter distinto com grande valor estético. A classificação tem como principal objetivo a preservação da integridade desta interação tradicional, vital para a proteção, manutenção e evolução das Fajãs, terrenos cultiváveis situados à beira-mar, geralmente formadas por material desprendido das arribas.
De facto, a agricultura é uma das forças motrizes da paisagem madeirense. Desde o início da colonização que cada porção de terra arável foi apropriada, resultando num território moldado em socalcos onde perpetuam as técnicas agrícolas tradicionais até hoje. O isolamento das fajãs, oferecido pela arriba, impediu a mecanização da agricultura, fazendo com que as práticas agrícolas tradicionais persistissem até hoje no Cabo Girão. Esta paisagem em terraços multifuncionais garante a conservação da biodiversidade, bem como a preservação da água e do solo.
O Cabo Girão não deixa ninguém indiferente. Para além do seu afamado miradouro, é um espaço onde, contrariando as difíceis acessibilidades, ocorrem algumas atividades socioeconómicas, essencialmente ligadas ao sector primário e turístico, e atividades recreativas. Contudo, o conhecimento sobre a área protegida apresentava lacunas assinaláveis em aspetos essenciais para a sua gestão. O GIRO – Projeto de Valorização da Área Protegidado Cabo Girão foi criado em 2019, pela Associação Insular de Geografia, com o objetivo de preencher estas lacunas informativas e de dados, através de métodos tecnológicos eficientes, focando-se em três eixos: Diagnóstico e Monitorização; Valorização, Sensibilização e Capacitação; e Quadro de Governança e Sustentabilidade.
Numa primeira fase de diagnóstico, foi fundamental reunir uma série de indicadores quantitativos e qualitativos essenciais para o preenchimento das lacunas informativas detetadas. Para o efeito, criou-se o SMAP-CG (Sistema de Monitorização da Área Protegida do Cabo Girão) composto por 72 indicadores, repartidos entre as classificações de Monumento Natural, Paisagem Protegida, Parque Natural Marinho, e ainda pelos domínios de contexto geral da área protegida, comunicação e biofísicos e de qualidade ambiental. Da articulação destes indicadores é possível obter 313 resultados por ano. Considerando a partilha de dados uma mais-valia para estudos mais alargados em todas as áreas científicas, assim como, para a consolidação de estratégias eficazes na gestão e conservação das áreas protegidas, os resultados são facultados de forma livre aos potenciais stakeholders da APCG, em www.areaprotegidadocabogirao.pt.
Porque dar a conhecer é a melhor forma de preservar!