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Aves na zona húmida das Alagoas Brancas. Foto: Manfred Temme

Porque é importante a luta pela salvaguarda das Alagoas Brancas

Esta zona de charcos no concelho algarvio de Lagoa, um refúgio importante para muitas espécies, encontra-se em vias de ser destruída para dar lugar a uma nova zona comercial. Duas biólogas explicam na Wilder porque é importante que isso não aconteça.

Actualmente, as alterações climáticas são consideradas uma ameaça global que pode colocar em risco a humanidade. Isto faz com que cada região deva estabelecer estratégias para minimizar os riscos daí decorrentes como inundações, tempestades, secas extremas, erosão costeira. Todas estas alterações provêem do uso e abuso dos combustíveis fósseis: é a mensagem política subjacente, à mensagem científica que realça mais a nossa forte dependência em energia, advogando a necessidade de alterar o nosso modo de vida.

Se por um lado a política vai na direcção da diminuição dos combustíveis fósseis, por outro não olha a meios para obter os recursos necessários à obtenção e acumulação de energia, nem pensa em alterar os seus padrões económicos favorecendo o alto consumo e o modus consumista da sociedade.

Vem isto a propósito do movimento que 15 associações e organizações não governamentais do ambiente encetaram para salvaguardar um pequeno reduto, de 8,5 ha, que representa uma zona húmida de água doce, em pleno Algarve. As Alagoas Brancas, assim se chama esta pequena zona, instalada na Reserva Ecológica Nacional (REN), encontra-se em vias de ser destruída para dar lugar a uma superfície comercial.

O facto de se encontrar no território REN devia ser suficiente para ser preservada, mas não. Infelizmente, a continuidade da REN também está a ser vilipendiada, uma vez que o Governo está a facilitar a edificação, e assim promover a agenda dos promotores imobiliários. Das três zonas húmidas estudadas pela Almargem, duas foram propostas a reservas naturais. As Alagoas Brancas, apesar de ser considerada a área proporcionalmente mais biodiversa, foi a única a não beneficiar de qualquer tipo de protecção.

São várias as razões que justificam esta luta pela salvaguarda desta zona húmida, mas do ponto de vista ecológico podemos apontar três. Primeiro, as Alagoas estão estabelecidas numa região cársica e localizadas no seio de um aquífero aluvionar, que possui apenas água doce.

Grande parte das lagoas existentes no Algarve têm influência marinha ou intrusões salinas. Só este facto deveria ser suficiente, num território onde a água doce rareia. Por outro lado, em situação de inundações (como passaram a ser tão frequentes) funciona como uma esponja e, consequentemente, como estratégia de minimização de riscos de alagamento habitacional. Ou seja, tendo presente o Plano Intermunicipal de Adaptação às Alterações Climáticas do Algarve, a destruição desta área vai ao arrepio de tudo o que a região algarvia tem vindo a aplicar, constituindo um grave incumprimento do Plano.

A segunda grande razão prende-se com o facto de ser uma zona húmida, um habitat com espécies icónicas que funciona, por si só, como sorvedouro de CO2. Todas as zonas húmidas são grandes acumuladores de carbono, na biomassa aérea e subterrânea. Os sedimentos retêm gases como o CO2 e metano, poluentes, como o azoto, ou enxofre entre outros, funcionando como barreira às emissões naturais de gases com efeito de estufa e filtro de poluentes que podem afectar a saúde populacional. A sua preservação vai assim ao encontro da necessidade de aumentar a retenção de carbono ao nível do ecossistema, a que os países, como Portugal, são obrigados ao terem assinado o Acordo de Paris. 

A terceira e última razão, implica a preservação de habitats e de espécies com vista a minimizar a perda de biodiversidade, seguindo o Pacto Ecológico Europeu e o recente Acordo Global para a Biodiversidade (Acordo Kunmig-Montreal). Este Acordo pressupõe a meta 30:30, ou seja, atingir, em 2030, 30% do território terrestre e marinho, águas interiores e costeiras, em conservação e restaurar 30% dos ecossistemas degradados.

Trabalhos de terraplanagem na zona das Alagoas Brancas. Foto: Anabela Blofeld

O recente estudo “Biodiversidade 2030: Nova agenda para a Conservação em contexto das Alterações Climáticas”, coordenado pelo investigador Miguel Bastos Araújo e encomendado pelo Ministério do Ambiente e da Acção Climática, defende que as acções de conservação terão de ser adaptadas à produção e consumo de bens e serviços, para as tornar mais eficazes e sustentáveis.

Por outro lado, a criação de uma Estrutura de Adaptação Climática da Biodiversidade (EACB), ligando a Rede Nacional de Áreas Protegidas às áreas de Rede Natura 2000, e articulando-as com corredores ecológicos e climáticos, onde as espécies se dirigem para se refugiar em contexto de alterações climáticas é uma proposta realista e necessária. 

Neste caso em particular, as Alagoas Brancas funcionam como uma área de refúgio para centenas de espécies de avifauna, diferentes tipos de répteis e anfíbios, com pelo menos 3 espécies com estatuto de conservação desfavorável, nomeadamente, o cágado-de-carapaça-estriada (Emys orbicularis) classificado Em Perigo, a osga-turca (Hemidactilus turcicus) como Vulnerável, e a rã-de-focinho-pontiagudo (Discoglossus galganoi) considerada Quase Ameaçada. Ocorrem também duas espécies de crustáceos (Chirocephalus diaphanus e Hemidiaptomus roubai) indicadoras de charcos temporários mediterrânicos. A proposta de transposição dos animais é, por isso, irrealista e incomportável, denotando falta de  sensibilidade para um habitat desta complexidade.

O paradigma está a mudar e a acção conjunta de cidadãos, cientistas, comunicação social e agentes políticos é fundamental numa sociedade preocupada com a sua biodiversidade, criando municípios mais resilientes às alterações climáticas. Decisões locais têm consequências ambientais globais e o “bussiness as usual” não poderá acontecer numa sociedade moderna e informada. O comunicado que as 15 instituições transmitiram assenta numa base científica e em argumentos sérios que justificam a tomada de posição conjunta, para o qual o governo devia ser sensível. É tempo de entender que a ameaça real das alterações climáticas não podem ser tratadas à custa da delapidação dos recursos naturais. Alterações climáticas e perda de biodiversidade são interpenetráveis. Urge parar para pensar e ver que o grande problema está na alteração global do planeta Terra que o Homem está a promover. 

PS: Quem se quiser juntar ao Movimento Salvar as Alagoas Brancas pode fazê-lo assinando a petição (são já quase 7000 assinantes) que visa salvaguardar esta zona húmida. Obrigada.


Maria Amélia Martins-Loução é bióloga, professora catedrática de Ciências na Universidade de Lisboa e presidente da Sociedade Portuguesa de Ecologia.

Ana Marta Costa é bióloga, ligada à Associação Cívica Cidade da Participação.

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