A resposta de Inês Roque, investigadora do LabOr – Laboratório de Ornitologia da Universidade de Évora.
O que faz das rapinas nocturnas caçadoras tão aptas durante a noite, quando raramente existe iluminação suficiente para que consigam ver as presas?
Há uma característica que as distingue das outras aves: o seu sentido de audição particularmente apurado. O ouvido externo das rapinas nocturnas consiste em dois orifícios auriculares grandes e assimétricos, tão grandes que se olharmos para o seu interior podemos ver as órbitas tubulares onde se inserem os olhos! Ao contrário do que acontece com a visão, o tamanho destas estruturas não contribui para aumentar a sensibilidade auditiva: a sua função é a de localizar os sons com grande precisão, avaliando a direcção e o ângulo vertical da fonte sonora.
As rapinas nocturnas conseguem ouvir os sons que as presas fazem ao deslocar-se ou as vocalizações que emitem.
E quais as presas principais das rapinas nocturnas? Isso depende das espécies. As mais pequenas, como o mocho-d’orelhas e o mocho-galego alimentam-se sobretudo de insetos. Outras espécies, como a coruja-das-torres e o bufo pequeno, alimentam sobretudo de ratos. Já o bufo-real, a maior das rapinas noturnas, alimenta-se sobretudo de coelho, embora também possam caçar outras presas como aves, anfíbios, répteis e invertebrados.
Portanto, é a audição apurada que lhes permite caçar sem luz, quando não conseguem ver. Ainda assim, há espécie de rapinas nocturnas que caçam de dia, como o mocho-galego, por exemplo, e que localizam as suas presas através da visão. Nesses casos, a visão também é importante. Mesmo as espécies consideradas estritamente nocturnas, na presença de condições ideais de luminosidade, conseguiriam caçar com base na visão.
O olho das rapinas nocturnas evoluiu no sentido de aproveitar ao máximo a luz sob condições de reduzida luminosidade – é por isso que as rapinas nocturnas têm olhos grandes.
Mas o “preço” de ter olhos grandes é estes serem praticamente imóveis. As corujas direcionam os olhos girando o pescoço. Isto, porque os seus grandes e pesados globos oculares estão fixos em órbitas tubulares (ou seja, estão “presos” dentro de ossos em forma de tubo).
Têm muita mobilidade (~270º) porque o pescoço é muito mais articulado do que o nosso, tem o dobro das vértebras. Além disso, as artérias carótidas, que oxigenam o cérebro, são diferentes das nossas, são mais centrais. Isto faz com que a circulação sanguínea não seja afetada quando giram o pescoço, porque as artérias não se torcem tanto. Mesmo que sejam comprimidas em movimentos mais bruscos, a circulação não é interrompida porque as artérias são robustas e elásticas e garantem o fluxo contínuo de sangue para o cérebro.
Girar a cabeça também ajuda a caçar com base na audição, porque permite direcionar o disco facial: um conjunto de penas concêntricas em torno dos olhos destas aves, delimitado por um rebordo de penas mais curtas, que funciona como uma antena parabólica e direciona os sons para os ouvidos.
Uma outra adaptação importante das rapinas nocturnas é o seu voo completamente silencioso, graças à forma como a estrutura especial das suas penas permite a passagem do ar durante o batimento das asas. Esta característica, seguramente responsável por vários encontros de pessoas com aterradores vultos misteriosos, é fundamental para detectarem e surpreenderem as presas nas suas investidas. Contudo, um ataque certeiro implica que a distância à presa seja avaliada com base na aprendizagem de como os sons se propagam no meio envolvente. Em áreas florestais fechadas, por exemplo, a coruja-do-mato (Strix aluco) enfrenta o desafio de localizar as presas no solo e, simultaneamente, evitar os ramos das árvores e outros obstáculos na sua trajectória de voo.