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Arara-escarlate e arara-azul-e-amarela. Foto: Pedro M. Araújo

Revelado o mistério das cores dos papagaios

04.11.2024

Uma equipa internacional liderada por cientistas do Centro de Investigação em Biodiversidade e Recursos Genéticos (BIOPOLIS-CIBIO) da Universidade do Porto e da Universidade de Coimbra revela, pela primeira vez, como um único gene permite aos papagaios controlarem a sua grande diversidade de cores.

Os papagaios são animais de companhia em milhões de lares pelo mundo inteiro, apreciados pela sua cor e inteligência.

Mas apesar desta visibilidade, os cientistas desconheciam ainda como esta grande palete de cores era criada.

Arara-escarlate e arara-azul-e-amarela. Foto: Pedro M. Araújo

“Isto é um grande mistério tanto para cientistas como para amantes de aves e isto é importante para uma questão central na biologia, nomeadamente, como é que a diversidade surge na natureza?” disse, em comunicado, Miguel Carneiro, investigador do BIOPOLIS-CIBIO e coordenador do estudo, publicado a 1 de Novembro na revista Science.

Para responder a esta questão, os cientistas demonstraram primeiro que, em diferentes espécies de papagaios, as cores amarela e vermelha eram sempre geradas por dois tipos de pigmentos únicos entre as aves.

A seguir, focaram-se numa espécie na qual indivíduos amarelos e vermelhos coexistem na natureza, algo que é muito raro. “Apesar de o lóri-sombrio ser nativo das florestas da Papua-Nova Guiné, tivemos ajuda de criadores de aves certificados em Portugal para estudar a genética desta espécie” afirma Pedro Miguel Araújo, investigador do MARE no Departamento de Ciências da Vida da Universidade de Coimbra, que co-liderou o estudo, reforçando a participação crucial de cidadãos não cientistas no estudo.

Embora muitas aves tenham penas amarelas e vermelhas, os papagaios fazem-no recorrendo a pigmentos únicos, chamados psitacofulvinas (do grego antigo “psittakós” para papagaio, e do latim “fulvus” para amarelo-avermelhado). “Estas aves combinam estes e outros pigmentos para criar cores brilhantes como amarelos, vermelhos e verdes, tornando-os dos animais mais coloridos na natureza” menciona Roberto Arbore investigador do BIOPOLIS-CIBIO e co-primeiro autor do estudo.

Os cientistas descobriram que uma proteína apenas é responsável pelas diferenças de cor nos lóri-sombrios, um tipo de aldeído desidrogenase (ALDH), “ferramentas” essenciais para a destoxificação em organismos complexos – por exemplo, contribuem para eliminar o álcool do fígado em humanos. Soraia Barbosa, também co-primeira autora do BIOPOLIS-CIBIO, explica: “As penas dos papagaios como que ‘pedem’ esta proteína ‘emprestada’, usando-a para transformar psitacofulvinas vermelhas em amarelas”. Segundo a cientista, “este mecanismo funciona como um regulador de luz ao contrário, no sentido em que maior atividade desta proteína resulta numa cor vermelha menos intensa”.

Para demonstrar este mecanismo simples, a equipa voltou-se para um papagaio mais familiar, o periquito-australiano, para explorar como é que as células das penas, de forma individual, ligam ou desligam genes diferentes durante a formação de cada pena – algo nunca antes feito a nível mundial – o que lhes permitiu concluir que um conjunto reduzido de células é responsável por toda a mudança de cor nas penas.

Como validação final, os cientistas criaram leveduras geneticamente modificadas com este gene das cores dos papagaios: “Incrivelmente, as nossas leveduras modificadas começaram a produzir cores de papagaio, o que demonstra que este gene é suficiente para explicar a forma como os papagaios controlam a quantidade de amarelo e vermelho nas suas penas” explicou Roberto Arbore.

Este estudo demonstra como as novas tecnologias na biotecnologia estão a ser cada vez mais usadas para desvendar os mistérios da natureza. “Agora temos uma melhor compreensão de como estas cores incríveis evoluem em animais selvagens via um simples mecanismo de regulação que utiliza uma proteína de desintoxicação para servir um novo propósito”, concluiu Miguel Carneiro.

Estas descobertas ajudam os cientistas a criar uma nova e colorida imagem da evolução das espécies como um processo no qual a complexidade pode ser alcançada através de simples inovações.

Helena Geraldes

Sou jornalista de Natureza na revista Wilder. Escrevo sobre Ambiente e Biodiversidade desde 1998 e trabalhei nas redacções da revista Fórum Ambiente e do jornal PÚBLICO. Neste último estive 13 anos à frente do site de Ambiente deste diário, o Ecosfera. Em 2015 lancei a Wilder, com as minhas colegas jornalistas Inês Sequeira e Joana Bourgard, para dar voz a quem se dedica a proteger ou a estudar a natureza mas também às espécies raras, ameaçadas ou àquelas de que (quase) ninguém fala. Na verdade, isso é algo que quero fazer desde que ainda em criança vi um documentário de vida selvagem que passava aos domingos na televisão e que me fez decidir o rumo que queria seguir. Já lá vão uns anos, portanto. Desde então tenho-me dedicado a escrever sobre linces, morcegos, abutres, peixes mas também sobre conservacionistas e cidadãos apaixonados pela natureza, que querem fazer parte de uma comunidade. Trabalho todos os dias para que a Wilder seja esse lugar no mundo.

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